terça-feira, 31 de julho de 2007

Convite

Ela propôs, eu topei. Tá aí.

Queria ter escrito sobre alguma coisa mais descolada da minha realidade, mas sou que nem o Woody Allen (exceto pela genialidade), só consigo escrever sobre a minha vida. Todas as minhas histórias têm um mesmo e único personagem – eu. Paciência, paciência. Acolhamos nossas limitações, amém. Do limão à limonada, com dor e delícia e bastante gelo.

A pedido da proponente (que recebeu o convite de uma outra blogoamiga), estendo a proposta ao Gastón e à MH. Amigos, contem-nos sobre o seu “Dia perfeito”. Vale dizer: não há obrigatoriedade nem deadline. Se aceitarem o convite, basta repassá-lo depois a mais dois blogoamigos.

E vamos a ele:
Um dia perfeito

Meu pai uma vez me disse e eu nunca esqueci: “o ótimo é inimigo do bom”.

E o perfeito, seria inimigo do quê? Do possível, creio eu.

Como naquele dia. Se ele soubesse que eu havia passado praticamente três noites em claro esperando por aquele dia teria me achado louca, mais louca ainda do que poderiam fazer supor as minhas mensagens atrevidas. Acordada desde cedo, mas sem levantar da cama, segurei o telefone enquanto criava regras para tentar controlar a minha ansiedade: “se ele não ligar até as 13h15, eu ligo... não, mas vai que ele fosse ligar dali a cinco minutos... por outro lado, se ele não ligar e eu não sair para almoçar com alguém vou passar mais um dia de ansiedade, à toa. Eu não agüento isso! Mas ele também não pode perceber que eu estou tão ansiosa...”. Então me lembrei do comentário que ele fez a respeito do meu primeiro e-mail: que admirava o meu ato de coragem – mas melhor seria dizer de atrevimento, já que eu não havia arriscado nada. Esse é o espírito: por enquanto não preciso me preocupar em perder alguma coisa. Ligo. Ele me atende, simpático. Diz que sim, vamos almoçar juntos, não havia ligado antes porque acabou de acordar. Combinamos rapidamente o lugar e a hora, pergunto se ele sabe chegar lá e ele diz que se acha. Então pergunto: e como a gente se acha? Ele diz que vai me ligar de novo para dizer como está vestido. Penso em já adiantar como eu vou estar vestida – mas assim eu daria bandeira de que passei três dias escolhendo a minha roupa. Menos é mais, penso eu.

Vago pela casa entre a cozinha, o quarto e o banheiro sem conseguir começar a me arrumar. Parece que ainda falta uma eternidade para encontrar com ele. Penso em ligar para alguma amiga, mas percebo que não quero profanar esse momento com os meus próprios comentários histéricos. Quero gravidade, cerimônia. Quando consigo sair da letargia, percebo que tenho pouco tempo – muito pouco tempo – para ficar incrível. Saio de casa atrasada, é claro. Não consigo pensar em um bom caminho, é claro. Isso porque eu escolhi o restaurante. No meio do caminho ele me liga, atendo afobada: “tô atrasada!” Ele ligou para dizer que está atrasado também. Hum, pensei que ele faria o tipo pontual. Menos mal, já que sou incapaz de fugir dos meus dez minutos de atraso protocolar (será que também se atrasou se arrumando para tentar me agradar?). Aproveito para perguntar se ele conhece um caminho melhor do que o que estou fazendo. Ele tenta me explicar, mas ainda é cedo para alongar uma conversa desse tipo ao telefone e eu preciso de orientações extremamente didáticas para escolher uma rota alternativa, então digo para ele não se preocupar que eu chegarei lá.

A amiga liga no meu celular e comenta que encontrou com ele ontem, mas, como manda a discrição em situações como essa, não comentou nada. No meio da ligação toca a outra linha, é ele de novo, desligo depressa com a amiga e já vou me justificar pelo atraso novamente quando vejo um amarelinho. “Ai, já te ligo!”. Droga. É muito cedo para desligar o telefone assim na cara dele. Respiro fundo antes de ligar de novo, peço desculpas, ele já chegou e o restaurante tem meia hora de espera. Sugere outro ali perto, pede para eu pegá-lo na porta e de lá vamos juntos. Estou quase desligando, mas me lembro da pergunta-chave: “como você está vestido?” Calça verde, bota e casaco cinza chumbo. Não consigo visualizar muito bem a combinação... mas ele não sabe que a amiga me mandou uma foto deles aos doze anos, arma secreta, além do que não deve haver muitos outros homens esperando na frente do restaurante por uma perfeita desconhecida.

De longe vejo seu rosto sério, olhos grandes. Como os olhos da foto, mas hoje um pouco menos despreocupados. Ele entra no carro, nos cumprimentamos e logo passamos a tratar de assuntos práticos, talvez para tentar dissipar a tensão. Ele me explica como chegar no japonês – tem certeza de que você gosta? – digo que sim, que não se preocupe. Entramos e nos sentamos, a primeira etapa é a da escolha dos pratos. Não tenho um pingo de fome, mas preciso comer para não dar bandeira do estado do meu estômago depois de três dias de espera. Olho para ele a tempo de perceber que me observa, mas rapidamente escorrega os olhos para o cardápio, sem jeito. Terá me achado bonita? Está tentando ligar o rosto às palavras? Escolhemos o mesmo prato, mas cada um pede o seu acompanhamento. Enquanto a comida não vem, sou a primeira a comentar a cena: “que engraçado, né?”. Ele concorda.

Aos poucos começamos a conversa, o primeiro assunto parte dele. Diz que ainda não expliquei direito o meu trabalho. Repito a velha ladainha de que é impossível explicar meu trabalho em poucas palavras, ele diz que já supunha, já que eu escrevi que trabalho com educação, e não que sou professora. Digo que fracassei como professora, ele ri e percebo que entendeu rapidamente o que eu quis dizer. É reconfortante.

Ainda não consegue olhar nos meus olhos por muito tempo seguido. Percebo que é tímido. Não lembra nem um pouco o homem de palavras ríspidas da primeira mensagem que recebi. A amiga tinha razão: é preciso conhecê-lo para atribuir o sentido certo às suas palavras escritas. Aos poucos começamos a rir e ele fica mais descontraído, me olha nos olhos. A comida chega. Coisa difícil almoçar durante um primeiro encontro. Especialmente comendo com palitinhos. Levo mais de quarenta minutos para vencer metade do meu prato – sinto vergonha de fazê-lo esperar tanto tempo.

Percebo que o restaurante se esvazia, mas não quero que a conversa acabe. Não sei se ele também sente isso, mas continuamos a conversar alheios ao movimento. Me sinto tocada por ele se lembrar de pequenas passagens dos meus e-mails, comentá-las usando exatamente as minhas palavras. Eu já havia me esquecido como são os homens de carne e osso. Esses que não te olham com um olhar 46 durante vários minutos seguidos, porque também têm as suas inseguranças, porque também são gente. Não são hologramas construídos especialmente para brilhar durante a noite – têm contornos, volume, densidade... carne, ossos, sangue, enfim.

O garçom nos traz a conta sem termos pedido – explica que o caixa está sendo fechado (a cozinha já havia sido fechada antes, mas ignoramos isso). Não há constrangimento na hora da conta, cada um paga a sua parte sem que seja preciso tratar do assunto. Eu não gostaria que ele pagasse a conta para mim, ele talvez também preferisse dividi-la, então fico feliz porque pulamos uma cena dissimulada em que eu sugeriria rachar, ele insistiria em pagar, eu insistiria em rachar até ele pagar sem me deixar olhar o valor da conta. Não gosto de jogos, gosto que ele também não goste.

Caminhamos em direção ao carro, sempre conversando. Ele pergunta para que lado vou, acho que ia pedir uma carona, explica que não veio de carro, aliás, não tem carro. Arrisco um convite: “você tem alguma coisa marcada, quer tomar um café?”. Isso, boa, vamos tomar um café. Fico feliz com o aceite instantâneo (será por mim ou pelo café? Ele disse que é viciado em café, mas se não tivesse gostado de mim provavelmente deixaria para tomar em casa, não?). O trânsito na Augusta nos passa despercebido. Estacionamos e caminhamos em direção ao café, que está cheio. Ele pensa em outro lugar, depois fica em dúvida por causa do meu pé. Digo a ele que posso caminhar sem problemas, ele insiste que já paramos longe e se lembra de outro lugar mais perto. Fico feliz com essa delicadeza, embora realmente não me importasse de caminhar mais. Tudo parece mais concreto enquanto caminhamos – mais do que quando estamos sentados no meu carro.

Ele pede capuccino, eu fico com chá. Ele também está procurando apartamento. Conversamos sobre nossos planos – encontro formas de explicar um pouco o que se passa comigo sem sequer dar a entender que um dia houve um ex. É tão gostoso conversar com ele... Gosto de pessoas que sabem ouvir, mas que também são interessantes. Agora nos olhamos firme nos olhos. Me pergunto quanto tempo mais passaremos juntos – uma hora? Um dia? Um ano? Uma vida? Mas a irmã liga pela segunda vez e ele diz que agora acha que quer ir para casa, já havia combinado de encontrar com ela e faz tempo que não a vê. Tento disfarçar meu desapontamento, mas com fingida naturalidade sugiro que a gente comece a caminhar de volta para o carro.

E então, sentindo o ar de São Paulo gelar os meus dedos, meu nariz e minhas orelhas, decido ficar em silêncio. O que não falta é assunto, mas o que será que o silêncio pode trazer à tona? Não sei os motivos dele, mas me acompanha no silêncio. Tanto silêncio que chego a ouvir as batidas do meu coração, fortes, me dizendo o quanto eu queria que ele me beijasse naquele momento. Mas ele caminha com firmeza (embora devagar), olha para frente e talvez não esteja pensando no mesmo que eu. Quando chegamos no carro ele diz que vai para a direção contrária, faz menção de se despedir, mas insisto em levá-lo para casa. Não me custará nada – aliás, me dará o maior prazer.

Percebo que estamos chegando perto e já começo a antecipar o momento da despedida. Será que posso dizer alguma coisa atrevida? Hum. Talvez seja o momento de me recolher um pouco. Já fiz a minha parte, demonstrei interesse, ouvi o que não queria, dei a volta por cima, provoquei, enfrentei, ele me convidou para sair, não acreditei. Agora, no entanto, tudo isso já parece muito distante – nada do que aconteceu durante essa tarde lembra, de longe, o nosso duelo verbal. Paro o carro e ele tira o cinto e me agradece pelo passeio, diz que gostou de me conhecer. Sorrio e digo que também gostei. Ele diz que quer voltar a tocar, já que também estou cantando podemos combinar alguma coisa, diz que vai falar com a amiga. Fico feliz com a proposta – primeiro mais feliz com a possibilidade de isso ser uma demonstração de interesse. Só mais tarde me lembro o quanto também quero cantar mais, como queria que alguém me fizesse uma proposta como essa.

Quando ele desce do carro, fico sozinha com todas as minhas dúvidas. Será que ele gostou de mim? Ficou interessado? Ele realmente não parece fazer o tipo que agarraria uma mulher no meio da rua cinematograficamente... por outro lado, para onde poderemos ir depois de hoje? Será que temos um futuro? Dou a seta para a esquerda, me afasto da guia e então percebo, enquanto acelero o carro, que ele parou em frente ao portão e me vê indo embora. Aceno de dentro do carro, ele está sorrindo, acena também, sorrio também. Uma pequena luz se acende dentro do meu coração.

Como aquele dia. Perfeito? Possível. Aquilo que pôde ser. Por ora, já me basta que ele tenha existido um dia.

domingo, 29 de julho de 2007

Boca suja

Eu nunca fui das mais descoladas na hora de dar nome aos bois quando o assunto é sexo, ou mesmo me referir às recônditas regiões onde se localizam os principais pontos de envio de estímulos para a central de operações do prazer masculino e feminino. Tenho algumas amigas que usam com tranqüilidade as expressões mais chulas, ou simplesmente mais populares, para nomear os dito-cujos locais ou mesmo o “ato em si” (que a Nana deliciosamente chama de “vuco vuco”), mas eu sempre preferi eufemismos como “países baixos”, “liberar o Caribe”, “periquita(o)”, “Regininha” (nos tempos da Poltergeist) ou mesmo Marinara (explode, coração!).

Com o tempo e a maturidade, fiquei mais à vontade para usar frases do tipo “você deu?” com as amigas mais íntimas. Quem me conhece bem, aliás, sabe que eu não tenho nenhum problema de falar sobre sexo. Mas até hoje fico levemente sem graça quando alguém perto de mim usa palavras como “trepada” ou mesmo a temida que começa com a letra “b” e me recuso a grafar aqui neste blog. Eu prefiro escorregar pelas metáforas e manter uma certa reverência às minhas origens protestantes, ainda que elas sejam oficialmente negadas para todos os outros fins.

Dia desses, no entanto, conversava sobre o assunto com uma amiga que, em geral bastante fechada e um tanto formal, tem aos poucos se sentido mais à vontade para trocar algumas idéias e experiências comigo. Lá pelas tantas, ela comentou como estava satisfeita com as primeiras experiências sexuais que havia tido com o novo parceiro e o quanto era um alívio conhecer alguém que gostava de sexo e o encarava com naturalidade, como ela. Insistindo na importância da afinidade sexual para que um relacionamento vá para frente, ela me solta a seguinte pérola:

- Eu já passei pela experiência de conhecer homens que não tinham algumas características que eu considerava que eram importantes para me proporcionar prazer.

Pensei durante três segundos.

- Eles tinham pau pequeno?
- Ahan.

Depois do nosso ataque de riso, ela se encheu de uma coragem e ousadia recém-adquirida e ainda acrescentou:

- Não é bem que era pequeno... era fino, sabe? Aí não dá...

sábado, 28 de julho de 2007

No estômago

Borboletas?

Hum...

Acho que estão mais para morcegos...

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera

Relendo alguns textos que escrevi no ano passado, quando o Mulher Solteira ainda era apenas um projeto dormindo na gaveta do meu laptop, me dei conta de que, ao longo do último ano, passei por quatro fases bem definidas na minha recém-retomada solteirice.

A primeira durou uns três meses e meio e começou logo depois do término do meu último namoro. Como era de se esperar, naquele tempo eu ainda estava meio catatônica. Considero que isso é relativamente comum quando o término de um relacionamento é unilateral e inesperado, como aconteceu comigo. Por mais que eu me esforçasse para concretizar o que estava acontecendo, no fundo ainda tinha esperanças de que o fim do namoro fosse provisório, que aquela fase fosse passar. Tudo bem que menos de uma semana depois do término o ex deixou na portaria do prédio duas malas e três sacolas lotadas com todas as coisas que eu fui deixando na casa dele ao longo dos quatro anos de namoro. Foram as malas mais pesadas que eu já carreguei na minha vida – sozinha, sem ajuda do porteiro. Eu sabia que só eu podia carregá-las e mais ninguém.

Mas nem dá pra dizer que o corte do mal pela raiz tenha sido totalmente idéia do ex. Diferente do que aconteceu nas outras duas ou três vezes em que ele terminou comigo, dessa vez a conversa do término durou dez minutos. Eu já havia passado por aquela cena tantas vezes (embora a última vez tivesse sido muito tempo atrás) que de alguma forma fui me preparando ao longo dos anos para um fim digno, se um dia ele viesse. Não me rastejei, não implorei, não pedi explicações. Demonstrei, sim, o meu susto, a minha mágoa, a tristeza que eu estava sentindo. Mas não deixei a cena se estender por mais tempo do que o necessário.

E fui eu mesma quem pediu ao ex para devolver as minhas coisas. Na verdade, o que eu queria receber de volta eram as coisinhas da nossa “filha” (um mês e meio antes do término nós havíamos comprado juntos uma cachorrinha). Mandei um e-mail dizendo que havia pedido à nossa faxineira (sim, nós partilhávamos a mesma faxineira) que separasse a comida, a caminha e os brinquedos da Mimi e pedi para ele deixar tudo na portaria do prédio dele. Ele respondeu dizendo que separaria tudo ele mesmo e traria até a minha portaria. Muito cortês da parte dele.

Enfim, duas malas e três sacolas abarrotadas dos mais diversos pertences – roupas, livros, CDs, sapatos, nécessaire... – podem ser um sinal bastante claro de que o fim é definitivo. Mas nos telefonemas mensais que eu acabava fazendo ao ex nos momentos de desespero vinham sempre aquelas frases que a gente quer-mas-não-quer ouvir: “não tenho certeza do que estou fazendo”, “parece que me amputaram uma perna”, “sinto muita falta da nossa vida juntos”, “ainda te amo muito... mas preciso viver isso, passar por isso”. E então eu esperava, achando que ele passaria por aquilo e voltaria para mim.

A fase catatônica acabou quando eu descobri que ele estava namorando e, mais importante, que na verdade havia terminado comigo para ficar com essa pessoa. Outro detalhe importante é que essa mesma pessoa já havia motivado um término anterior (até então eu não sabia disso), mas na época ela não quis ficar com ele porque achou que ele ainda me amava e acabaríamos voltando. Voltamos mesmo. Fica a pergunta: Se eles tivessem começado a namorar naquela época, será que teríamos mesmo voltado? Enfim, como sempre diz minha amiga Cá, “a memória não tem caminho de volta”...

Seguiu-se a já famosa (que modéstia) cena da aliança de compromisso e mais uma e outra conversa que configuraram o término como definitivo. Foi só então que eu comecei a vislumbrar a possibilidade de voltar a ficar com outras pessoas.

A segunda fase durou outros três meses e vou chamá-la de fase de ambientação. Foi quando eu efetivamente voltei ao mercado e tive que reaprender a interpretar uma série de códigos masculinos que já haviam ficado enterrados na minha memória de 23 anos de idade. Eu cheguei a achar que os meus quatro anos de namoro haviam caminhado em paralelo a uma verdadeira reviravolta no mundo dos solteiros, pois alguns gestos e falas dos homens me deixavam absolutamente sem chão. Mas depois comecei a achar que eu havia sofrido mesmo uma profunda amnésia, recalcado algumas experiências desagradáveis e supervalorizado outras que não eram tão representativas dos meus tempos de solteira pré-namoro.

Fato é que, nesses meses de ambientação, eu precisei retomar algumas velhas questões femininas do tipo “por que ele não me ligou no dia seguinte?”, “por que nunca me interesso por quem se interessa por mim?”, “onde ele pensa que vai com essa mão?” e por aí afora. As paredes das boates presenciaram desde cenas picantes até perdidos, diálogos blogográficos, beijos sem palavras e muitas palavras sem beijos.

Mas naquela época tudo ainda era feito um pouco por obrigação. Em nenhum momento eu senti que estava desrespeitando o meu corpo ou os meus limites, mas também não sentia uma real excitação ou prazer em estar de novo no palco das seduções, olhar, ser olhada, despertar interesses, demonstrar (ou ocultar) interesses. Me parecia que aquele era o percurso natural a se seguir, por isso fui em frente, tentando reencontrar algum tipo de sentido enquanto buscava reconstruir a minha identidade que, durante quatro anos, havia se misturado tanto à vida, aos amigos, à família e aos interesses do ex.

Felizmente um gajo interrompeu esse ciclo de ajuntamento de pedaços com louvor. Foi o primeiro cara que realmente mexeu com os meus hormônios e com o meu coraçãozinho desesperançado desde o meu pé na bunda. Como pregam os manuais de auto-ajuda da mulher solteira, eu o conheci em um dia de absoluto desprendimento, quando fiquei sozinha em um bar muito querido por mim e algumas amigas depois que elas tiveram que ir embora para conseguir acordar no dia seguinte num horário de gente normal. Nesse bar a música, a cantoria e as sacudidas de esqueleto rolam soltas, por isso me senti à vontade para ficar só e, no auge da minha recém-conquistada alegria de solteira (e sem uma gota de álcool na cabeça), me misturei à multidão e cantei e dancei com os meus novos amigos. No meio deles estava essa figura meio engraçada, muito simpática, que cantava as músicas do Chico como se fossem dele.

Depois da última música (ao som da qual dançamos juntos uns três passinhos, embora não fosse uma música lenta), engatamos uma dessas conversas de gente que se conhece há anos. Em uma sentada falamos de trabalho, família, namoros, cachorros, sonhos... lá pelas tantas, antes mesmo de ter me beijado, o rapaz me convida para sair no dia seguinte. Isso provocou uma pequena pane nos circuitos elétricos. Peraí, isso ainda existe? Feliz da vida, dei o meu telefone e um beijo de presente para o rapaz.

No dia seguinte saímos, conversamos, rimos, nos divertimos e dormimos juntos. E depois ele foi comprar cigarros e nunca mais voltou.

Eu fiquei triste, confesso. Aliás, não preciso dizer que segui todo o protocolo de confirmação da mulher tira-teima (maiores detalhes no post “Eu tentei...”): liguei, liguei de novo, mandei torpedo... A história ainda teve um ou dois capítulos (como o telefonema que ele me deu, out of the blue, em plena noite de Natal, e que também contei no já citado post), mas não vingou. No entanto, rompeu paradigmas. Percebi que havia, sim, outras pessoas interessantes no mundo além do ex. Só faltava agora elas se interessarem por mim...

Mas em vez de essa experiência me fazer ficar fixada na idéia de encontrar uma cara-metade, serviu para eu desencanar de vez e me propor a viver cada experiência com total investimento e nenhuma expectativa, aproveitando ao máximo tudo o que ela pudesse me proporcionar (ou ensinar), por mais ínfimo que fosse. Em outras palavras: caí na gandaia...

Essa com certeza foi a fase mais divertida. Beijei muito, indiscriminadamente, dois na mesma noite, sem saber o nome, sem ter a ver, tendo a ver, com ou sem esticada, com ou sem interesse de reencontrar, achando bom, achando ruim mas achando bom, achando ótimo... Uma das coisas mais importantes dessa fase foi conseguir perceber, por experiência própria, o quanto sexo (ou química) e amor podem mesmo andar separados. Em uma noite conheci um homem que não atendia a simplesmente nenhum dos requisitos mínimos para sustentar algum interesse amoroso da minha parte: não gostei de como ele se vestia, não gostei do papo dele, não o achei bonito, não gostei muito do jeito como ele me tratou... ainda assim, por algum motivo, me senti extremamente atraída por ele. E, sabendo ou não o que estava fazendo, ele alimentou o meu interesse com muita ginga, levando quase três horas para finalmente me beijar e só o fazendo depois que eu praticamente me atirei em cima dele – e, rapaz!, o beijo repercutiu por todos os cantos do meu mundo.

É o tipo de coisa que faz a gente perceber que, com algumas pessoas, o que a gente tem é química, física, "elétrica", mecânica... com outras a gente tem literatura, filosofia, música... e o melhor de tudo, é claro, é quando a gente consegue ter tudo isso com uma pessoa só. Mas é tão raro...

Bom, no auge da minha desencanação e alegria de ser feliz, depois da minha resolução de ano novo de beber um pouquinho de vez em quando (e isso NÃO significa que eu vá começar a fumar no ano que vem, OK, amigas?) e os dois primeiros porres da minha vida, arranjei, quase ao mesmo tempo, os meus dois primeiros casos. Os casos, é claro, vão merecer um post a parte, quando tratarei sobre as diversas modalidades de relacionamento da pós modernidade, incluindo os PAs e os ATTs, de grande utilidade para a mulher solteira bem resolvida nos dias de hoje.

A questão é que nenhum dos dois casos passou do terceiro encontro. Um por falta de interesse de ambos os lados (e isso, acreditem, foi uma grande vitória para mim). Outro por falta de interesse do lado dele, mas, acredito eu, para o meu bem. E o fim dos dois casos quase simultaneamente acabou me jogando para a minha quarta fase, que é essa em que me encontro nesse momento.

A quarta fase é aquela em que você começa a sentir preguiça de beijar só por beijar e se cansa de conversar com homens acéfalos. Então você se lembra das histórias de amor que viveu (desde as mais breves e singelas até as mais longas e marcantes) e se pergunta: meu Deus, onde estão os homens realmente interessantes do mundo? Que saudade daquele tempo em que era possível conhecer alguém “com quem você quer falar por horas e horas e horas...”.

O bom é que essa fase começou mais ou menos na mesma época em que eu conheci a Cá, e com isso comecei a ter outras motivações para sair além dos homens: boa música, boas companhias, lugares novos, novas experiências. Justiça seja feita: boa música e boas companhias eu já tinha nas outras fases também... mas de uma hora pra outra as minhas amigas resolveram casar, ter bebê, arranjar namorado ou morar fora, todas de uma vez! Por isso a Cá foi um alento nesse momento de solidão solteira (aliás, um beijo pra Cá, que está viajando e fazendo falta por aqui!).

Nessas eu já venho há mais ou menos uns três meses... nesse meio tempo, acreditem ou não, só beijei uma vez... e, mais uma vez comprovando o que dizem os manuais de auto-ajuda da mulher solteira, foi em um dia em que eu estava cansada, com sono, sem nenhum alvo em vista e decidida a usar a noite para tentar entender o danado do jazz (esse que eu ainda não sei se é pra ser entendido ou só pra ser recebido, aceito, sentido)... E fui abordada por um mocinho que me pareceu tão diferente dos demais, e que apertou tantos botões de uma vez só e me mobilizou tanta coisa que eu nem consegui dormir direito durante umas três ou quatro noites. Pena que ele nunca respondeu o meu e-mail nem telefonema (na hora de ir embora ele me deu um cartão e não pediu o número do meu telefone – conferir o post “Mim Jane, you Tarzan”)...

Ruim para mim, bom para vocês. Foi graças a ele que o Mulher Solteira finalmente saiu da gaveta, pra dividir um pouco com o mundo todas essas emoções, angústias, dúvidas, certezas e aventuras de mulher...

terça-feira, 24 de julho de 2007

O post dentro do post

Este post começou a ser escrito na última quarta-feira, dia 18 de julho, enquanto me preparava para ser levada ao hospital pela minha amiga Marina.

A vida é assim:

Os seus pais vão passar três semanas fora do país.

A sua irmã está trabalhando em um projeto em Minas Gerais.

O contrato de aluguel do seu apartamento vence em uma semana.

No trabalho, vem a única semana de recesso do ano. Você pensa em conversar com a sua chefe e pedir uma semana de férias – quem sabe viajar?, mas decide aproveitar os dias mais calmos para procurar apartamento e resolver esse problema de uma vez por todas (afinal, já faz um ano que você está adiando essa tarefa).

E então, no fim da tarde de sábado, você resolve tirar um cochilo. E, quando acorda, ao levantar da cama, não percebe que a sua perna ainda está dormindo e quebra o pé.

Saldo: um apartamento no 11º andar com o contrato prestes a vencer, duas cachorras para alimentar (passear, afofar, limpar, educar...), um trabalho e vários freelas para administrar, aulas de yoga canceladas, pai, mãe e irmã à distância, dois sovacos assados, cinco quilos de gesso no pé direito e você tentando lutar contra a força da gravidade, com um mês inteiro pela frente sem pôr o pé no chão. Sua única chance de sobrevivência nessas condições é contar com a caridade alheia (e felizmente não faltam ofertas de motoristas, dog-sitters, baby-sitters, supermercado-sitters).

A vida é assim: não respeita os seus planos.

Ou, como disse um amigo meu: às vezes a vida te obriga a prestar atenção em algo em que você não estava pondo reparo...

Imediatamente comecei a pensar em todas as coisas que a vida andou me ensinando durante o último ano. A importância da minha família e dos meus amigos... o que significa, realmente, ser adulto... como lidar com aquilo que acontece à revelia da sua vontade, com a sua impotência, com a imprevisibilidade dos fatos, das pessoas, das relações humanas...

Eu estou me tornando especialista nesse ramo de fazer do limão uma limonada. Não vai ser uma queda dessas que vai me derrubar, não mesmo! Estou encarando tudo com o maior bom-humor. Na pior das hipóteses, terei mais tempo para escrever.

E pra pensar, mais uma vez, no que será que a danada da vida está querendo me mostrar...

Algumas horas depois, reais a menos, uma bota ortopédica e um pouco menos de crença na classe médica, volto para casa com o diagnóstico de que NÃO quebrei o pé (ao contrário do que havia me dito o primeiro doutor que me atendeu, acrescentando, com gravidade, que “por pouco eu não precisara operar”). Mais uma semana de repouso e compressas de gelo já estarei em forma novamente.

Afinal, o que será que a vida quis me mostrar dessa vez?

Hum... tenho que rever minhas anotações... Lembrei: nunca confie em ortopedistas.

domingo, 22 de julho de 2007

Sinal do meu amor e da minha fidelidade

Eu não sei se é um mero caso de controle de estímulos (a versão comportamental para o bom e velho ditado que ensina que “quando se tem um martelo na mão, qualquer coisa vira prego” – cerrrto, Manélson?), mas nunca vi tanta “xente xófen” usando aliança como nos últimos tempos. Alianças douradas, prateadas, na mão direita, na mão esquerda, anéis de compromisso ou mesmo a boa e velha aliança de casamento.

Já cheguei a pensar se o fenômeno não está saltando aos meus olhos, além das razões óbvias, pelo fato de as pessoas que hoje eu vejo como “xente xófen” corresponderem àquelas que, há dez ou quinze anos, eu considerava “xente grande”, e que usavam alianças sem que isso chamasse minha atenção.

Mas tendo a achar que não. Realmente me parece que há um fenômeno de retorno às tradições, aos rituais, aos símbolos, a uma tentativa de resgate de um formato de relacionamento mais “careta” (no bom sentido).

Eu não tenho uma opinião formada sobre alianças. Não faria questão de usar se o meu parceiro amoroso não estivesse a fim; não me importaria de usar se isso fosse importante para ele. Dentre as minhas várias amigas casadas e comprometidas, também não há consenso. Há aquelas casadas de papel passado e que não usam aliança; as juntadas que usam; as que namoram há milianos e não têm anel de compromisso; as que têm um namoro relativamente jovem e aderiram ao adereço; e todas as combinações possíveis das alternativas apresentadas até então (preguiça de esgotar a análise combinatória). Entre as que não usam, rola desde um discurso feminista pós-moderno de que “aliança é brega” ou “isso é coisa de gente insegura, não significa nada” até aquelas que confessam, sorrateiramente, que não conseguiram convencer o namorado / marido a aderir à causa. Entre as que usam, há aquelas que assumem corajosamente que tomaram a iniciativa junto ao namorado / marido e que gostam do símbolo, e aquelas que aceitaram usar para agradar ao parceiro, mais romântico do que as próprias.

Perceber tanta gente usando alianças e anéis de compromisso à minha volta às vezes me dá uma sensação triste (e absolutamente irracional) de ter perdido o bonde da História. É como se todo mundo tivesse chegado em um ponto da vida em que encontrou a sua cara-metade e eu sobrei com a vassoura no fim do bailinho. Pior, tiraram o meu par e me deixaram com a vassoura no minuto em que tocava a última música e as luzes da festa começavam a ser acesas. É bom, em momentos de irracionalidade explícita como esses, ouvir de uma pessoa em sã consciência como a MH que “o amor pode acontecer a qualquer hora, não tem idade”. É lógico que o relógio biológico das mulheres tem um despertador que começa a tocar quando vai se aproximando do final da terceira década, mas a vida é tão imprevisível e os caminhos para ser feliz são tão diversos e por vezes tão surpreendentes que não há real motivo para cortar os pulsos ouvindo um tango argentino.

Mas eu, particularmente, peguei um certo trauma de aliança de compromisso no meu passado recente. Depois de levar um pé do meu namorado de quatro anos (sem piadinhas de duplo sentido, por favor) que simplesmente morria de medo de compromisso, me enrolou durante meses antes de me assumir como namorada, que vivia imerso em dúvidas existenciais sobre realmente levar adiante um namoro sério ou ir viver outras experiências, descubro, depois de três meses, que ele terminou comigo porque estava prestes a engatar um relacionamento com uma outra mulher (e não teve coragem de me contar). Vou até a casa dele para uma conversa terminal, os últimos acertos e pingos nos iis. Ouço coisas que definitivamente não me fazem bem, desde aquelas que trazem um alívio momentâneo para o seu coração estraçalhado, mas só te amarram mais ainda a um passado que você precisa enterrar, até outras que não te espantam num primeiro momento porque você está amortecida pela dor, mas depois te fazem duvidar de que você realmente conhecesse aquele ser com quem dividiu tantos e tão importantes momentos da sua vida. Na hora de ir embora, já na porta do elevador, me dou conta de que desde o começo da conversa há um anel no “seu vizinho” da mão esquerda que não pára de me encarar. Percebo que de alguma forma isso me incomodou por não ter nenhuma lembrança de anéis nos dedos do ex durante os quatro anos de convivência (só alguns enferrujados na gaveta, de onde nunca saíram). Ainda entre surpresa e já levemente ofendida, crio coragem e pergunto:

- Isso aí na sua mão... é um anel de compromisso?

A resposta vem no rosto e depois nas palavras titubeadas:

- ... (longa pausa)... Desculpa, Trita...

Caraca. Em um mês e meio de namoro a menina conseguiu o que eu não tive em quatro anos. Não estou falando da aliança em si, que nunca foi pauta de conversa (até porque, com a fobia do ex a respeito de compromisso, não convinha colocar pressão desnecessariamente), mas do gesto de assumir, perante o universo, um compromisso com alguém.

Voltei pra casa levemente catatônica e vivi insone a pior noite da minha vida. Com todas as coisas tão duras e difíceis que eu havia ouvido e vivido mais cedo, a única que não saía da minha cabeça, que me martelava minuto-a-minuto numa repetição interminável, era a maldita aliança de compromisso no dedo anelar da mão esquerda. Ainda por cima na mão esquerda, meu Deus! Ninguém explicou pra esse casal que a mão esquerda só recebe aliança depois do casamento???

A explicação para a mudança drástica de cenário em tão pouco tempo não me compete, nem me diz respeito e muito menos me faz bem. Assim, depois de alguns dias ou semanas de pensamento obsessivo sobre o assunto, consegui finalmente abandonar o grande dilema da aliança de compromisso.

Mas desde então, confesso, me tornei mais sensível a esse objeto, o que talvez explique o “martelo” na minha mão e o “prego” na mão dos outros. E tendo vivido com tanta freqüência a situação de me interessar por um homem e, dois segundos depois, escorregar os olhos para a mão do moço e dar de cara com a tal aliança, comecei a refletir um pouco sobre o tal significado do significante.

Nos casamentos tradicionais o padre diz e os noivos repetem: “Fulano(a), receba esta aliança como sinal do meu amor e da minha fidelidade”. É certo que aliança no dedo não garante nem amor nem fidelidade para ninguém, a menos que as pessoas efetivamente se decidam a utilizar esse símbolo porque ele é uma extensão daquilo em que acreditam e que pretendem praticar ao longo da vida.

Porém, hoje em dia me parece que a aliança é mesmo um símbolo com uma função mais “externa” à relação do que interna. É como uma espécie de sinal de alerta: “atenção, não ultrapasse”. E quer saber? Acho que tem a sua utilidade. Apesar da sensação assustadora de que todos os homens interessantes do mundo estão comprometidos ou são gays, uma aliança evita um gasto inútil de esforços, permitindo que você faça nova varredura do ambiente em busca de outro alvo mais promissor, ou mesmo te impedindo de entrar em uma bela roubada, já que alguns homens comprometidos “se esquecem” de mencionar isso quando conhecem uma mulher, e depois são capazes de simular um cafajeste espanto com a sua ira, já que você não se deu ao trabalho de perguntar a ele o seu estado civil antes dele tomar a iniciativa de te beijar. Eu, pelo menos, não tenho a menor vocação para ser “a outra” de ninguém.

É. Com uma saturação tão grande no mercado dos solteiros e uma demanda aparentemente muito maior do que a oferta, acho que o negócio vai ser voltar esperanças e energias para outro segmento do setor (pelamor, sem querer jogar ziquizira em ninguém): os homens separados.

sábado, 21 de julho de 2007

Pára tudo

Gente,
ele existe!
Quando decidi criar esse blog em uma madrugada insone, amargando mais um famoso momento de "por que ele não me ligou?", não tinha nenhuma ilusão de que estivesse fazendo algo inédito ou original. Marte X Vênus é uma questão ancestral, atávica, que encafifa dez entre dez homens e dez entre dez mulheres. Mas, como a minha intenção não era me tornar a Danuza Leão dos blogueiros, e sim fazer um pouco de terapia da escrita, segui em frente.
Eu só não imaginei que encontraria, tão rápido, o lado escuro da força, ou seja, o blog do Homem Solteiro. Afinal, os homens nem sempre são tão pacientes para explicar às mulheres como funciona a sua mente, ou, mesmo quando têm paciência, em geral não são geneticamente equipados para falar sobre os seus sentimentos. Mas esse aqui entrega tudo de bandeja, com tanta sinceridade que chega até a emocionar.
Confiram o Manual do Cafajeste (para mulheres). Nossas vidas nunca mais serão as mesmas.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Um sábado na cidade

Parte 8 – Epílogo

Ao contrário do que alguns leitores pudessem imaginar – fosse pelos rumos xerazadianos que esse post-folhetim vinha tomando, fosse por pura malícia –, aquela longa noite de sábado realmente se encerrou aqui. João me conduziu gentilmente até a minha casa onde cheguei, exausta, às quase 5 da manhã, tomei um banho e me aninhei na minha cama, ainda repassando mentalmente alguns dos bons momentos daquele sábado antes de finalmente pegar no sono.

Fico pensando no quanto a vida é muito maior, muito mais diversa do que a gente às vezes pode supor. Embora a gente não escolha certos rumos que ela toma, acaba tendo que assumir algumas escolhas como nossas para, em determinados momentos, as coisas começarem a fazer algum sentido.

Era um pouco esse o assunto da minha conversa com o João enquanto ele me levava para casa. Ainda no bar da Praça Roosevelt, fiquei sabendo que ele está no último ano da Filosofia da PUC. Eu já tive a minha traumática passagem pelo curso de Filosofia aos 18 anos e, sempre que me deparo com algum “sobrevivente”, experimento um misto de espanto e admiração, buscando entender as razões e motivações para que alguém abrace essa árida formação.

No caso do João, me chamou atenção o fato de que ele parecia ter mais ou menos a minha idade. Eu passei pela Filosofia ainda saindo da adolescência, num delírio de colegial recém-formada que achava que a vida docente se assemelhava a uma Sociedade dos Poetas Mortos, com alunos dedicados subindo sobre as mesas e dizendo, com devoção, “Oh, captain, my captain”... Naquele tempo me lembro que, dos 90 colegas que iniciaram comigo o curso naquele ano, dentre os 14 que sobraram lá pelo terceiro mês, mais da metade tinha o dobro da minha idade. E comecei a achar que a Filosofia realmente é uma segunda faculdade para se fazer quando a vida já está resolvida, os anseios básicos sobre carreira, sustento e vocação estão mais ou menos acomodados e sobra espaço para se buscar “algo mais”. De qualquer forma, hoje em dia não é algo que eu pensaria em voltar a fazer antes dos 40 anos (sem ofensa aos amantes da Filosofia, com todo respeito).

Então, quando entramos no carro de vaqueiro (o João me explica que o padrasto usa esse carro para visitar a fazenda – a Carol, vítima de uma carona entre o bar da Roosevelt e a sinuca do “Seu” Mário, já havia alertado sobre as precárias condições do veículo), antes mesmo de ele ligar o rádio ou colocar um CD, puxo o fio do novelo. João: por que Filosofia? Você pensa em dar aula?

João confessa que ainda não sabe exatamente o que vai fazer com a formação depois que terminar a faculdade. Insisto mais um pouco: mas é a sua primeira faculdade? Ele responde que não. Conta que, assim como eu, já fez alguns malabarismos universitários antes de chegar onde está. Seu primeiro curso foi de Engenharia Ambiental, em uma faculdade em outro estado do país (que a minha ausência de bússola interna me impede de recordar qual era – assim como não me lembro onde fica a fazenda do padrasto do João). Fico admirada: Engenharia Ambiental? Mas o que, exatamente, motivou essa escolha (já começo a achar a Filosofia trivial)? João me explica que não sabia exatamente o que fazer quando se formou no colegial, e acabou optando por essa faculdade porque sabia que ela lhe daria um bom retorno financeiro. Na época do vestibular a família passava por um momento difícil e ele achou que esse era um bom critério para escolher a profissão. Levou dois anos para concluir que aquela faculdade não tinha nada a ver com ele, voltar para São Paulo e decidir fazer outra coisa.

Pergunto: João... O que acontece com a nossa geração? Ele responde: Puxa, Cris... Boa pergunta... Acho que temos muitos interesses. Não sei se existe mesmo essa coisa chamada vocação. Concordo com ele, mas tantas vezes já pensei sobre o assunto (inclusive recentemente) e tantas outras já o debati com outras pessoas, que acrescento mais alguns fatores nesse caldeirão: primeiro que a nossa geração, que desde a primeira infância fez balé, judô, inglês, natação e aula de música, cresceu com a fantasia de que o trabalho deveria ser uma coisa “gostosinha”. Não é. É claro que alguns felizardos têm uma relação apaixonada com a profissão que abraçam, além de uns raros casos de talentos e vocações precoces e inequívocas que se encaminham muito cedo na profissão e acabam assimilando-a como parte fundamental de sua identidade. A maior parte dos mortais, no entanto, vive um embate diário com o trabalho, por mais capacidade e reconhecimento que se tenha e dedicação que se invista. Segundo que, pelo menos a mim, impressiona o quanto me tornei uma pessoa diferente ao longo de uma década. Aquilo que eu queria e sonhava aos 18 anos é muito diferente, sob muitos aspectos, daquilo que sonho e quero aos 28. Talvez não fosse assim se eu não tivesse escolhido os caminhos que escolhi. Mas quando eu prestei vestibular para Psicologia (além dos de Filosofia, Jornalismo, Letras e Teatro), a última coisa que queria era ser terapeuta. A Psicologia em si me interessava como objeto de estudo. Hoje em dia, tenho a impressão de que trabalhar como terapeuta me daria muito prazer. Já a Psicologia como objeto de estudo me causa certa preguiça...

Enfim, quando tive que decidir, aos 17 anos, que faculdade eu queria fazer, a questão financeira era a última das minhas preocupações. De novo, na minha fantasia da Sociedade dos Poetas Mortos, o papel decisivo que eu teria na vida dos meus alunos, mostrando-lhes o caminho da luz, do bem, do belo, da verdade, seria a minha recompensa... Um quarto-e-sala estava de bom tamanho. Hoje, aos 28, morando sozinha, pagando minhas contas e usufruindo da minha independência financeira, acho que dinheiro conta, sim. Ainda hoje eu não colocaria esse fator como o mais importante no momento da escolha, mas certamente não amarraria meu burrinho em qualquer poste apenas por uma fantasia adolescente sobre uma profissão missionária.

O curioso é que, como eu disse há pouco, nem sempre a gente escolhe muito os rumos que a vida toma, mas acaba tendo que assumir algumas escolhas como nossas, para a vida fazer algum sentido. Logo que me formei, decidida a não ser professora, recebi uma proposta de trabalho para fazer algo muito diferente do que eu já havia experimentado até então, e gostei do desafio. Em pouco tempo eu já ganhava mais do que precisava para me sustentar. Aos poucos o trabalho foi se revelando menos fascinante do que poderia parecer em um primeiro momento, mas ainda assim válido, por me ensinar coisas, me proporcionar a convivência com pessoas interessantes e, sobretudo, por me garantir um sustento.

Por motivos não relacionados ao emprego em si ou mesmo à relação com os meus pais, acabei decidindo sair de casa. E, quando esses motivos deixaram de existir, em um primeiro momento nada do que eu havia feito até então parecia fazer sentido. Por que essa casa, esse emprego, essa vida, se tudo isso era para viabilizar um plano que não é mais viável? Foi aí que a vida me deu um ultimato, e respondi a ele dizendo: essa casa é minha, esse emprego é meu e essa vida é minha. Fui eu quem escolhi, porque acredito que a independência financeira é o curso natural da vida, porque acho que todo mundo precisa aprender a conviver com a própria solidão, e porque a minha vida é o resultado de todas as escolhas que eu fiz até agora e de como abracei aquilo que não escolhi, mas me aconteceu. Disse uma vez um homem sabido: “o homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo”. Grande Jota-Pê...

É assim, em meio a um papo altamente filosófico (especialmente em se considerando o adiantado da hora) que João estaciona o carro de vaqueiro na pirambeira da Paris, de onde salto agradecendo pela carona, pelo papo e pela companhia, com a promessa de repetir outras vezes essa deliciosa aventura pela cidade de São Paulo.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Um sábado na cidade

Parte 7 – A sinuca do “Seu” Mário

A Cá estaciona o carro em uma rua deserta e silenciosa. Olho pela janela do carro e não vejo qualquer movimento. Andamos em direção a uma fachada sem qualquer indicação, luz, sinal de estabelecimento comercial. Bem, já estou começando a me acostumar com isso, em se tratando da Cá.

Sem cerimônia ela abre uma porta, toca uma campainha e segundos depois, sem ter que dizer nenhuma senha secreta, já estamos dentro.

São quase duas da manhã e a sinuca é muito iluminada, mas também silenciosa. Não me lembro de ter ido a algum lugar parecido antes. São quatro mesas grandes e há dois grupos jogando.

“Seu” Mário é um senhor japonês, lá pelos cinqüenta anos, grisalho e de óculos. Quando chegamos na sinuca ele joga um filé com cebolas na chapa quente, limpa as mãos em um pano e vem nos cumprimentar com dois beijos no rosto. É claro que “Seu” Mário é amigo da Cá. Eles trocam figurinhas e perguntam a respeito de conhecidos em comum.

Dizem que “Seu Mário” toca a sinuca praticamente sozinho, de uma da tarde até o último freguês. Ele tem um ajudante que lhe faz até massagem, mas pediu as contas e não se sabe ainda se alguém vai substituí-lo. Calculamos que “Seu” Mário praticamente não faz outra coisa da vida a não ser dormir e cuidar da sinuca. Dizem também que ele é ótimo jogador.

A Carol e o João demoram um pouco mais para chegar. Pudera. A sinuca do “Seu” Mário é um lugar para iniciados. A Cá avisa que o Marco também está vindo se juntar a nós.

Em frente à mesa, olho para os tacos, vejo as pessoas cumprindo rituais de passar giz azul na ponta do taco e talco no gordinho entre o polegar e o indicador, “para o taco escorregar melhor”, e me pergunto quando foi a última vez que joguei uma partida de sinuca. Provavelmente num longínquo domingo na chácara de algum tio-avô, em uma lembrança desbotada de um canto escondido da memória. Sei que jogar hoje vai ser um pouco como tentar mexer as orelhas, mas encaro com bom-humor o desafio e o previsível vexame.

Quando o jogo começa rio das piadas do João, que chama a Carol de “parceira” e diz a ela que “essa bola pode, aquela não”. Minhas primeiras tacadas são honestas; não me deixam constrangida, mas também não surtem nenhum efeito significativo. Lá pela terceira rodada, encaçapo uma bola. Legal! Quase sorte de principiante.

Uma ou duas rodadas depois, o João me diz com uma cara séria que eu não posso acertar a bola em que estou mirando. Dou risada, mas vejo que todos continuam sérios. Como sou um ser randomicamente avoado (às vezes a mais ligada das criaturas, às vezes o rei dos surdos em tiroteio – e a surdez colabora para isso), começo a desconfiar da minha certeza: afinal, essa história de “bola certa” é piada ou não? Cá explica: a gente só pode acertar nas bolas pares... o João e a Carol nas bolas ímpares. Ok. Descubro na quinta rodada que tenho uma dupla e bolas certas para encaçapar. Que bom que, sem ter consciência disso, mirei e encaçapei apenas as bolas da minha dupla. Avoada é apelido.

João é o Ronaldinho da noite. Cá e Marco também são bons, mas Cá está um pouco desconcentrada e Marco sem sorte. Eu e Carol tentamos acompanhar o ritmo, mas nosso jogo é irregular: oras encaçapamos bolas inacreditáveis, oras derrubamos bolas proibidas ou damos uma tacada no ar. Ela, pelo menos, tem a desculpa de ter bebido.

A pérola da noite é: “o mais importante é onde a bola branca pára”. Adoro essas frases sobre o cotidiano que têm um sentido filosófico embutido, como quando minha professora de yoga anuncia, durante as posturas de equilíbrio: não se comprometa com o sucesso... Resta saber que significado o lugar de parada da bola branca tem na vida real.

Encerramos a sinuca às 4 da manhã e, seguindo a tradição dos “Anjos Exterminadores”, usamos o troco para fazer uma última parada na padaria do outro lado da avenida, onde meus amigos matam a cerveja derradeira. Cá e Marco comentam que já beberam cerveja nessa mesma padaria enquanto os primeiros fregueses da manhã chegavam para comprar pão.

Finalmente a noite se encaminha para um fim. Nos despedimos e embarco no “carro de vaqueiro” do João rumo à minha casa.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Um sábado na cidade

Parte 6 – Do outro lado da praça

A próxima parada é um bar do lado oposto da praça (aquele pelo qual eu cheguei). Lá sentamos após eu ter sido testemunha privilegiada de uma cena que só a mais profunda intimidade, respeito e amor mútuo permitiriam acontecer.

Sentamos e conversamos, entre outras coisas, sobre o nascente “Mulher Solteira”. Aproveito para fazer anotações mentais e colher material para novos posts. Êta assunto que rende...

A noite parece estar próxima de terminar, mas eis que Cá recebe novo torpedo e nos informa que João está vindo se juntar à trupe. Tempos depois ele chega e rapidamente se incorpora à dinâmica local. Conversamos apenas alguns minutos antes que se inicie o movimento “trazer a conta, levantar as cadeiras, apagar as luzes e fechar a porta”, para tristeza dos boêmios, especialmente do grupo de pessoas da mesa ao lado que já havia sacado um violão da sacola e iniciava a cantoria da madrugada.

Alguns minutos de ginástica mental para rachar a conta na proporção certa. A essa altura o metrô já fechou há tempos. Para guardar a única folha de cheque que trouxe na bolsa e pegar um táxi até a minha casa, peço a Cá para acertar a minha parte. Digo que posso fazer uma transferência, mas ela faz questão que eu pague pessoalmente. Que bom. Mais samba pela frente!

A Cá chega a dizer: “bom... é isso... vamos embora?”, mas João acabou de começar a noite. Segue-se um diálogo do qual tenho pouca lembrança e que gerou uma certa polêmica entre o grupo (ninguém lembra exatamente de quem foi a brilhante idéia), mas em um dado momento a palavra “sinuca” é mencionada e Cá sugere imediatamente o estabelecimento do “Seu” Mário, no Jabaquara, ao lado da casa dela.

O João mora em Perdizes e depois da sinuca pode me dar uma carona. Maravilha! A Carol vai dormir na casa da mãe que fica pertinho da casa da Cá. Tudo no jeito. Partimos rumo à última (última?) parada da noite.

terça-feira, 17 de julho de 2007

Um sábado na cidade

Parte 5 - Caindo no samba

A Cá e a Carol (não a “minha” Carol, mas uma nova – mais uma nova amiga!) chegaram cedo e acharam que valia a pena pagar para ficar na “parte de dentro” do samba, já que havia muito espaço vazio entre o “palco” e a “parte de fora”. Pra entrar são dez reais. O samba pega fogo, aumentando o calor de veranico do sábado. Dou a volta, passo pela entrada, abro caminho por entre os mais diversos exemplares da fauna sambista e finalmente chego até o “ponto” da Cá e da Carol, ao lado dos engradados de cerveja, com bolsas e casacos pendurados sobre uma estaca. Elas conversam animadamente com dois “novos amigos”, até a Carol perder a paciência com o excesso de presteza de um deles (que compra cerveja para elas com tanta insistência que começa a incomodar). Cá acalma os ânimos com os “amigos” e eu bato um papo com a Carol. É uma daquelas conversas em pé, de pra lá de hora, em que você fala sobre todos os assuntos existenciais de uma só tacada – pais, irmãos, profissão, dinheiro, homens, bebida –, que só poderiam mesmo rolar em um samba.

Eu ainda estou anos-luz distante de me apropriar do repertório do samba (que é vastíssimo) e de conseguir acompanhar cada música saboreando a letra frase por frase, como eu tanto gosto de fazer. Mas só o fato de estar lá, respirando aquela energia, aquela atmosfera, vendo, ouvindo, dançando... que intensa percepção da minha existência!
Como não podia deixar de ser, os personagens brotam em locais como esse. No meio da minha conversa com a Carol, um sujeito se apóia na grade que separa os “de dentro” dos “de fora” e nos pergunta:

- Viu... Quem é que tá tocando?
- Não sabemos...
- É alguém famoso?
- Não...
- Mas tá bacana, né?
- Tá sim... mas tá acabando...
- Mas não paga pra entrar, né?
- Paga sim... por isso que tem que ver se vale a pena, porque vai acabar daqui a pouco...
- Quanto é?
- Dez reais.
- Só para entrar?
- Isso.
- Ahn...
- ...
- ... Beleza... valeu...
- Não por isso!

Voltamos a conversar animadamente até que o sujeito se apóia novamente na grade, e abrindo uma sacola gigante saca de dentro um objeto absolutamente estranho ao cenário local:

- Viu... vocês não querem comprar um teclado? Só tá faltando umas peças, ó...

Dentro da sacola mais uma penca de teclados sujos, velhos e quebrados.

- Er... Não... obrigada, eu... já tenho teclado...
- É? Já tem? Mas não quer mesmo assim? Olha, só tá faltando duas teclas, aqui e aqui...
- Ah, é verdade... Mas não... obrigada mesmo... já tenho, não quero outro...
- Beleza... valeu...

A figura se afasta e eu e Carol rimos da cena inusitada. Onde estará a câmera escondida?

O samba atinge seu ápice e morre bruscamente, sem chance de se pedir bis. Forma-se uma fila gigante na frente do caixa. Enquanto isso Cá dispara torpedos para os amigos, tentando acionar a famosa rede de contatos para dar continuidade à programação.

Enquanto aguardamos a fila diminuir, os “amigos” voltam à carga. Em um papo meio fruto de alegria etílica, meio tentativa de aproximação, um deles acaba contando, com uma honestidade atroz, que seu melhor amigo começou a namorar a mulher com quem ele estava saindo...

Como é que as pessoas subitamente se sentem tão próximas das outras a ponto de dividir sua dor com perfeitos desconhecidos? Bem, isso não me causa estranheza nenhuma. Se tem algo que eu conheço profundamente é dividir a minha dor com perfeitos desconhecidos, a despeito das possíveis rejeições, à revelia do protocolo social. Mundo, eis as minhas entranhas.

Na saída do samba a Cá ainda puxa papo com um italiano e seu amigo brasileiro. Grande mulher. Quando eu crescer quero ser como ela.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Um sábado na cidade

Parte 4 – Odisséia – a saga continua

Doze estações de metrô, um amor nascente e o-triplo-do-tempo-que-eu-levaria-de-carro depois, chego à estação República. Achei que logo veria um guardinha ou um posto de informações para receber novas instruções (a Cá me mandou olhar na Internet para saber como chegar à Praça Roosevelt da República. Ela definitivamente não sabe como funciona a mente de uma pessoa sem bússola), mas para minha surpresa não há esse tipo de facilidade por lá.

Felizmente podemos sempre contar com os transeuntes. Ele me disse para seguir reto em direção à Igreja da Consolação e explicou que a Praça Roosevelt ficava ao lado. Paro em uma farmácia para comprar Neosaldina e uma água de coco (estava fazendo um calor completamente atípico para um começo de noite de julho!) e aproveito para cumprir o ritual de confirmação de praxe das pessoas perdidas: “moça, pra chegar à Praça Roosevelt é só seguir reto em direção à Igreja da Consolação e a Praça fica ao lado?”. Ela me confirma as coordenadas.

Ando mais um pouco até chegar ao que eu considero uma bifurcação, então resolvo repetir o ritual mais uma vez e tirar a teima com o dono de uma banca de revistas. De parada em parada, finalmente chego à Praça Roosevelt.

E onde, exatamente, na Praça Roosevelt, fica o samba da Praça Roosevelt? Caminho alguns passos e estou em frente ao Espaço dos Satyrus. Lembro que a Cá mencionou o Satyrus como um ponto de referência. Hum... talvez se eu seguir mais uns passos serei capturada pelas notas do samba como um ratinho de Hamelin.

Muitos passos depois, constato que cheguei ao fim da praça. É hora de recorrer ao bom e velho estratagema do transeunte. “Amigo, por favor: você sabe onde fica um samba que tem aqui na praça?”. “Fica do outro lado da praça, moça”. Naturalmente...

Atravesso a rua e caminho de volta para o meu ponto de origem. No meio da rua, mais uma paradinha para confirmar: a moça aponta um local a umas três casas de distância e percebo que venci todos os obstáculos que me separavam do famoso samba da Praça Roosevelt.

Agora só falta achar minha amiga Cá: na “parte de fora” do samba não tem ninguém! Tento ligar no celular dela duas, três, quatro vezes. Não atende. Será que ela recebeu meu torpedo avisando que eu estava saindo de casa? Será que ela é do tipo que some e não dá satisfação? (com amigas novas a gente nunca sabe...) Será que ela me mandou um torpedo de volta que não chegou?

Fico dando voltas em torno do samba, procurando o rosto da Cá na multidão e pensando que seria muito frustrante fazer todo o percurso do metrô de volta sem ter pelo menos aproveitado um pouco da programação original. Por fim, recurso derradeiro: resolvo mandar outro torpedo (depois de ter deixado uma mensagem de voz, me dei conta de que com aquele barulho seria impossível ouvir qualquer coisa). Uma mão aparece acenando do meio da “parte de dentro”: Cris!

Cheguei.

domingo, 15 de julho de 2007

Um sábado na cidade

Parte 3 – O amor no metrô

O Casal entra no vagão na estação Sumaré. Não é ainda um Casal constituído, mas uma promessa de Casal. Ela não é bonita. Veste uma calça jeans e uma camiseta de manga comprida preta com detalhes prateados, apesar do calor. Está ligeiramente acima do peso. O cabelo é preto e vai até um pouco abaixo dos ombros. Não tem corte e dá mostras de uma tentativa fracassada de alisamento. Ela usa óculos. No pulso esquerdo tem uma pulseira preta de muitas voltas, e é nela que ele mexe enquanto arranca dela um sorriso luminoso.

Não consigo ouvir o que ele fala nem ver seu rosto, pois está de costas para mim. Vejo que ela diz dengosamente: “dá licença? Eu gosto...” Imagino que ele a provoca dizendo algo sobre a pulseira, o que ela confirma sorrindo com os olhos e a boca: “Borracha??? Plástico???...”

Percebo que ele é um pouco mais baixo do que ela. Usa camisa branca, bermuda e tem a palavra “Liberdade” tatuada na parte de trás da perna esquerda. Fico aguardando algum contato mais íntimo que demonstre que eles já são parceiros amorosos, mas o gesto não vem. Tento imaginar em que ponto do relacionamento estão. Penso, otimista, que se estão pegando juntos o metrô é porque já têm alguma cumplicidade. Por outro lado, pode ser que estejam voltando juntos do trabalho... Como só enxergo os olhos dela, me pergunto se o interesse é correspondido. Os olhos dela parecem afagar o rosto dele.

Na estação Paraíso descemos do vagão e penso que não vou acompanhar os próximos capítulos dessa história, mas para minha surpresa, alguns minutos depois, vejo que eles entraram comigo no mesmo vagão em direção à Sé.

Dessa vez ele fica de frente para mim. Respiro aliviada: ele também está apaixonado. Inventa mil pretextos para tocar nela: tirar um fiapo da roupa, mexer no cabelo, encostar de leve enquanto fala alguma coisa. Os olhos dos dois parecem imantados, não desviam uns dos outros um minuto sequer. Meus olhos, por conseguinte, também estão imantados aos deles, mas felizmente eles não percebem. Meu coraçãozinho romântico se pergunta se terei o privilégio de presenciar o primeiro beijo do Casal.

Na estação Liberdade, porém, eles descem e fico só com meus devaneios. Ainda entre levemente nostálgica e um tanto tocada, me dou conta de que eles sabem muito bem o que estão fazendo: cozinham lentamente, em fogo brando – como um chef alquimista que escolhe ervas, busca o ponto do prato, prova a mistura com pequenas gotas colocadas sobre a mão – o momento exato de concretizarem essa paixão. Eu os invejo: nunca tive essa capacidade. Mas consigo adivinhar as borboletas no estômago dela, a boca seca, as axilas levemente suadas, uma pontada suave entre as pernas. Coisa mais bonita e privilegiada essa de ver de perto o nascimento de um amor.

sábado, 14 de julho de 2007

Um sábado na cidade

Parte 2 - Odisséia

A Cá me explica que o samba na Praça Roosevelt começa no início da tarde, mas diz para a gente chegar às cinco, porque senão vamos ter que pagar para ficar na rua (nota: boa parte do samba fica do lado de fora do bar, ao ar livre. Apenas uma espécie de cerca separa os “pagantes” dos transeuntes”. A Cá acha uma roubada pagar “dérreal” para ficar do lado de dentro da cerca, já que do lado de fora se ouve a mesmíssima coisa. Ela tem lá sua razão!). Convém também não chegar muito depois disso, pois o samba lá acaba cedo, lá pelas nove.

Pergunto se o caminho que ela vai fazer passa pela minha casa. Ela explica que vai direto pelo Centro, não passa perto daqui. Como faço para chegar à Praça Roosevelt? - pergunto. Ela me diz que é muito perto da minha casa e muito fácil de chegar de carro. Se eu sei onde fica o Espaço dos Satyrus? Sei sim, mas daí a saber chegar lá... se eu sei onde fica o Mackenzie na Consolação? Bem, teoricamente sim... mas na prática sei tanto quanto localizar as Ilhas Maldivas no Mapa Mundi (recentemente descobri que a minha incapacidade geográfica se manifesta em qualquer escala – da local à mundial).

Derrotada, pergunto se é possível chegar lá de metrô. Ela explica que a praça fica bem perto da estação República, mas adverte: é tão perto da minha casa que realmente vale a pena ir de carro! Explico para ela que, para pessoas que nasceram sem bússola interna (e não apenas para navegar na Selva dos Solteiros), o “muito perto” quase sempre vira um “muito longe”, somando-se as ruas perdidas, as referências não vistas, os retornos não encontrados e a total falta de senso de direção. Ela ainda insiste dizendo que já foi à Praça Roosevelt de ônibus mas se arrependeu. De carro se leva um terço do tempo! Ainda assim, confirmo que usar o transporte coletivo é mais garantido.

O metrô é a melhor invenção do mundo para pessoas que nasceram sem bússola interna. É quase uma mistura de xadrez e jogo de damas para crianças: você está aqui e quer chegar aqui. Pra que lados você pode andar, onde tem que mudar de sentido? Com quantos lances você consegue chegar até o seu destino? Pode levar três vezes mais tempo, mas é a garantia de que você vai chegar aonde quer chegar. Adoro o metrô.

Isto posto, nos despedimos, ela se comprometendo a mandar um torpedo para avisar o horário em que vai chegar lá.

Às seis da tarde saio da minha casa e caminho ao longo das três quadras que me separam da estação Vila Madalena. Às seis e vinte me acomodo no assento do metrô. Começo a traçar a minha rota conferindo o mapa das linhas do metrô. Só então me dou conta do tamanho da volta que estou dando: da Vila Madalena até o Paraíso são seis estações; do Paraíso à Sé mais quatro; da Sé à República mais duas. Nem sei ainda quanto tempo vou caminhar da República até a Praça Roosevelt. Até mesmo o mapa com as linhas do metrô me mostra que a República é do lado da minha casa, mas vou primeiro para baixo, depois para cima e depois para a esquerda para chegar até ela. Paciência: aproveito para olhar a paisagem e pensar sobre a vida.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Um sábado na cidade

Parte 1 – Com que roupa eu vou?

Uma das coisas boas que a gente descobre com a maturidade é que é possível fazer bons amigos a qualquer momento da vida. Tem sido assim com a Cá. Ela me foi apresentada por uma outra grande amiga, a Carol, que os leitores desse blog já devem conhecer pelo menos de nome. A Carol, além de ser minha amiga, é minha colega de trabalho, minha sócia e minha companheira de noitadas (um exemplo para as outras mulheres casadas!) e ainda vai merecer outros posts mais lisonjeiros.

Por ora, no entanto, vou falar sobre a Cá, minha mais nova amiga. Ela é uma mulher incrível: historiadora, professora, radicalíssima nas convicções ideológicas, dulcíssima no trato com as pessoas. Nas duas primeiras vezes em que a gente se viu, mal trocamos cinco frases, mas fui pra caramba com a cara dela. E eu só precisei encontrá-la pela terceira vez pra entender que essa talvez seja uma das maiores qualidades da Cá.

Ela é basicamente a Ministra das Relações Exteriores. Nunca vi alguém tão aberta para conhecer as pessoas, tão à vontade para puxar assunto, tão desarmada para entabular uma conversa. E não é qualquer papinho de fila no caixa do supermercado, não. Ela vai fundo no que diz (e no que ouve), é capaz de ganhar um amigo com uma hora de conversa. Em poucos minutos eu já sentia vontade de ser amiga de infância da pessoa.

Além dessa incrível capacidade de conhecer gente e fazer amigos, a Cá tem um excelente gosto musical e conhece todos os lugares “quentes” da cidade. Modesta, quando pergunto se ela sempre foi tão antenada ou se começou a sair mais depois que voltou a ser uma “mulher solteira”, ela me responde que conhece apenas “os lugares mais óbvios”. Rio do comentário, que me coloca praticamente na condição de um extraterrestre na cidade – o que, de certa forma, acho que sou mesmo (meninas, nunca fiz compras na Zé Paulino!).

Mas o fato é que temos vivido alguns sábados deliciosos perambulando por São Paulo, ouvindo samba da maior qualidade e emendando um programa no outro, sem hora pra acabar (isso a que ela e as amigas chamam de “Síndrome do Anjo Exterminador”). E como me têm feito bem essas peregrinações por todos esses lugares, pessoas, conversas, encontros!... É como se uma nova São Paulo se abrisse para mim. Fico me perguntando se tudo isso sempre esteve lá e eu é que não tinha ainda apurado os meus sentidos para perceber. Talvez eu simplesmente ainda não estivesse pronta.

Agora a Cá me convida para ir a um samba na Praça Roosevelt. E é assim que começa essa jornada, que vou dividir em alguns posts para melhor saborear cada paragem.

terça-feira, 10 de julho de 2007

Mim Jane, you Tarzan

Ao longo da vida, para lidar com as frustrações, buscar alguma lógica ou sentido nos acontecimentos e se sentir minimamente no (ilusório) controle sobre o seu destino, é da natureza do ser humano, creio eu, criar hipóteses e teorias que tentem explicar o funcionamento do universo, dos demais seres humanos e de si mesmo.

Eu, jogada à cova dos leões da vida dos solteiros, já andei elaborando umas boas hipóteses e umas tantas teorias. Cheguei, até mesmo, em uma ocasião, a elaborar uma espécie de Dez Mandamentos para a mulher solteira que vive a dúvida existencial de dar ou não dar na primeira noite. Mas esses são assuntos para outros posts.

Uma das minhas hipóteses já praticamente alçada à categoria de teoria diz respeito aos papéis sociais desempenhados pelo homem e pela mulher na paquera.

Explico. Eu nunca tive muito saco ou paciência (pra falar a verdade, nunca tive forças) para encarar joguinhos de paquera do tipo fingir que não estou a fim, tratar mal, demonstrar indiferença, fazer o tipo casual, dizer “sim” quando quero dizer “talvez”, “talvez” quando quero dizer “não” e “não” quando quero dizer “sim”. Na verdade, a questão sobre a importância e a necessidade de se fazer ou não jogo durante a paquera também é uma questão sobre a qual já refleti várias vezes e conversei muitas outras com diversas amigas e amigos, os quais, na maioria, consideram que jogar é fundamental. Mas esse também é assunto para outro post (vêem como esse papo de mulher solteira rende pano pra manga?)

Bem, mas vamos à teoria sobre os papéis sociais. Acontece que eu nunca tive muito saco ou paciência (ou forças) para esperar que o outro manifestasse indubitavelmente o seu interesse por mim antes de, de alguma forma, demonstrar o meu próprio interesse ao outro. Isso, é claro, quando o outro realmente causa em mim um forte impacto. Em outras palavras, nunca fiz questão de dar o meu telefone e não pegar o do cara, ou de pegar o telefone do cara e ficar esperando ele ligar primeiro, ou mesmo de, depois de uma saída, aguardar os dias ou semanas de praxe antes de voltar a procurar.

O curioso é que, coincidência ou não, quase 100% das minhas investidas sempre deram errado. Ou seja, sempre que tomei a iniciativa, procurei, fui atrás, demonstrei interesse e chamei na chincha, as investidas não deram em nada...

Por outro lado, em quase 100% das vezes em que não demonstrei (porque não senti) interesse, não fui atrás, não tomei nenhuma iniciativa e fiquei na minha, tive algum resultado (infelizmente, nesses casos, indesejado). Sempre me perseguiu a pergunta: isso confirma, então, que a gente tem que demonstrar EXATAMENTE o oposto do que sente para cativar o outro?

Minha resposta (como sempre, provisória) a essa questão é que não, não é preciso fingir ou ser algo que não se é para despertar a atenção do outro. Minha hipótese, aliás, já registrada nos Dez Mandamentos sobre dar ou não dar de primeira, é de que quando há interesse verdadeiro da outra parte, não importa muito o que você faça ou deixe de fazer.

É lógico que não dá pra dar logo de cara uma de Carrie, A Estranha, ligar cinqüenta vezes pro cara, se mudar pro apartamento dele e pedir em casamento. Mas ainda acho que quando realmente bate um interesse das duas partes, a ordem dos acontecimentos seguintes pode ser meio aleatória que não vai mudar essa predisposição inicial de algo dar certo.

Bom, é verdade que os fatos contrariam a minha hipótese, mas ainda assim quero continuar acreditando que ela é verdadeira, já que para mim não faz sentido não ser autêntica e tentar passar uma impressão diferente daquilo que realmente sou. É claro que, com o tempo e a maturidade, a gente aprende (aprende?) a não entregar o jogo de bandeja. Aprende que o desejo nasce da falta, e que saciá-lo todo de uma vez pode significar queimar largada e fazer uma grande história morrer prematuramente. Mas isso não significa, de modo algum, fingir ser algo que não se é.

E o que, afinal, isso tem a ver com o raio dos papéis sociais desempenhados pelos homens e pelas mulheres? Bem, minha teoria, baseada em farta observação e vivência, é de que há certos comportamentos esperados dos homens e das mulheres na paquera que conferem um certo conforto a ambas as partes durante aqueles momentos difíceis em que não se sabe se o desejo e o interesse são correspondidos.

A regra é simples: cabe ao homem cortejar; cabe à mulher corresponder ou não à corte. Só isso. Portanto, se a mulher se interessa, pode (aliás, deve) demonstrar de alguma forma, olhar, sorrir, demonstrar abertura. Cabe, no entanto, ao homem tomar a iniciativa de iniciar uma conversa. Se rola algo, cabe ao homem pedir o telefone da mulher (sempre) e à mulher polidamente informar o número (sempre, e o número correto!).

Daí vem o momento crucial: se o homem tiver se interessado pela mulher, vai ligar. Se não ligou, é porque não se interessou. E ponto. E nada de teorias conspiratórias sobre celulares roubados, papéis comidos pelo cachorro, retornos inesperados de ex-namoradas do inferno, um terceiro elemento que apareceu no meio do caminho. Já dizia o consultor de Sex and the City (e devíamos ouvir mais os homens): “ele simplesmente não está a fim de você”.

Portanto, se o homem pegou o seu telefone e não ligou, nem precisa se dar ao trabalho de tentar encontrar de novo, fuçar no orkut, jogar o nome no google, investigar o lugar em que ele trabalha ou procurar um amigo em comum. O conforto da situação reside justamente na certeza de que, se ele não ligou, está comprovada a falta de interesse.

Por outro lado, se o homem liga e é a mulher que não está interessada, pode dar uma desculpa polida (está muito ocupada, trabalhando demais, sem dinheiro, sem carro, sem tempo...) que o homem rapidamente vai entender que ela não está a fim. E pronto. Sem constrangimentos. Ninguém sangra, ninguém sofre...

Bom, aqui faço uma ressalva de que, por mais machista que a minha teoria possa parecer, considero um grande ato cavalheiresco dos homens assumir o papel de cortejar e se expor à possibilidade de ser rejeitado. Pelo menos fica mais fácil pensar assim quando se olha as coisas sob essa perspectiva. Aliás, às vezes fico até pensando que, se o homem não ligou, pode ter um motivo ainda pior do que falta de interesse (tem namorada, é casado). Melhor não brincar com fogo.

Enfim, essa foi a teoria que criei para entender e aceitar, afinal, que não adianta fazer grandes manobras radicais para tentar conquistar um cara se ele, antes disso, não tiver feito algum movimento em minha direção. Isso me poupa tempo e energia.

Ah, isso, é claro, quando eu consigo usar minha própria teoria a meu favor. Uma das minhas outras teorias é que nem sempre o conhecimento teórico sobre uma determinada situação vai nos impedir de agir exatamente da maneira oposta à que sabemos mais adequada... (ou será que essa teoria é de outra pessoa e estou me apropriando indevidamente sem dar os créditos?)

Prova disso é o fato de que eu, no mais recente episódio de “paquera” da minha vida (ai ai, essa palavra é tão démodé), tive um lapso e, no momento em que insinuei que o mocinho deveria pegar meu telefone sob o risco de a gente nunca mais se ver na vida (eu já estava com a porta do elevador aberta), imediatamente emendei com um “ou você me dá o seu, tanto faz...” e saí de lá com um cartãozinho com celular, e-mail e nenhuma certeza.

Tive que me submeter à ansiedade de mandar um e-mail para o figura e passar longos dias aguardando uma resposta que não viria. E mais: como eu não desisto antes de ter esgotado todos os recursos, ainda liguei para ter certeza de que não tinha sido boicotada pela tecnologia.

Notem que um dos aspectos curiosos dessa teoria é o fato de que, por já terem vivência e experiência acumulada em assumir os seus respectivos papéis, os homens e as mulheres tendem a se sentir tremendamente desconfortáveis ao serem colocados no papel inverso. A maior parte das minhas amigas jamais tomaria a iniciativa de ligar para um homem. E os homens para os quais eu costumo ligar, na minha opinião, ficam para lá de desconfortáveis por ter que inventar uma desculpa esfarrapada para justificar a falta de interesse...

Também em um passado não muito distante, conheci um rapaz que tinha um dos beijos mais desagradáveis que eu já experimentei na minha vida. A língua dele parecia a espada de São Jorge. Ele a enfiava dura e imóvel dentro da minha boca e eu não conseguia, nem fazendo uso da mais refinada linguagem corporal, fazê-lo entender que devia haver movimento no encontro entre as duas línguas. Lá pelas tantas, sem paciência para a espada, mas também sem coragem de cometer uma grande indelicadeza do tipo ir ao banheiro e nunca mais voltar, comecei a simplesmente afastar a cabeça sempre que São Jorge se manifestava (curioso que era uma festa à fantasia e o rapaz estava vestido de padre). Três ou quatro afastadas fizeram o rapaz desconfiar que algo não ia bem e me perguntar: “você sente cócegas na ponta da língua?”. Com a sinceridade que me é característica (e tentando ser tão delicada quanto possível numa situação como essa), respondi: “não... é que eu não gosto do jeito como você beija”.

O rapaz ficou espantado. Louco. Indignado. Me pediu para mostrar como eu gostava de ser beijada, mas para isso permanecia absolutamente inerte e passivo na minha frente. Tentei explicar a ele que o meu beijo pressupunha movimentos de ambas as partes. Fiz o possível para demonstrar, mas é difícil mudar um padrão de beijo construído ao longo de anos de vida sexual/amorosa (quem mais beija com língua de São Jorge, meu bom Deus?).

Finalmente, derrotada, disse que estava cansada e queria ir embora. O moço insistiu para eu ficar, queria estender a balada, quis me acompanhar até a fila... quando se deu por vencido, pediu apenas o meu celular para me ligar depois. Dei o número, torcendo para que no dia seguinte os acontecimentos estivessem mais claros na cabeça dele e ele percebesse que não havia conversa possível entre os nossos corpos.

Acordo com um romântico torpedo do rapaz: “adorei te conhecer... tenha um bom dia!”. Ao qual imediatamente respondi com a seguinte mensagem: “Fulano, você é um cara bacana, mas estou procurando outra coisa. Espero que seja feliz. Um beijo, Cris.”

Dias depois, fui saber que o indivíduo havia feito minha caveira para os amigos: “Que menina louca! Acho que ela pensou que eu queria casar com ela...”. Realmente, teria sido muito mais confortável para ele se eu simplesmente houvesse registrado o número dele no meu celular e nunca mais atendesse a uma ligação. Homens...

Aliás, em tempos modernos, acho que os torpedos têm sido largamente utilizados por homens e mulheres para facilitar ainda mais a identificação da não-correspondência amorosa. Pelo menos alguns dos caras “queima-filme” com os quais eu fiquei nos últimos meses mandaram um torpedo primeiro e ligaram depois... e depois do espada de São Jorge eu perdi totalmente o pudor de não atender as ligações dos caras de quem não estava a fim...

Mas, se eu mandar o torpedo e o cara não responder, pode ter certeza que eu ainda vou ligar pra ele. Vai que o sms não chegou, ué!

É, tem gente que não aprende nunca...



P.S.: várias amigas minhas, a Carol inclusive, já me disseram que acham essa minha teoria totalmente furada... que não tem regra fixa, que cada caso é um caso... é claro que a teoria não serve para a gente se engessar e nunca mais arriscar agir de uma forma diferente. Como eu disse no começo desse post, a teoria é apenas uma explicação construída para a gente achar que tem algum controle sobre a nossa vida!

domingo, 8 de julho de 2007

Conhecer alguém

Eu achei que a vida tinha me endurecido. No fundo eu sabia que não estava fechada para voltar a sentir amor, para viver um grande amor, para me atirar, mergulhar, afundar, chafurdar. Só que achei que isso seria muito mais difícil.

Na verdade, ainda pode ser que seja. Mas já caíram por terra as minhas dúvidas sobre a minha capacidade de voltar a me apaixonar ou, talvez em uma expressão mais precisa, me “pré-apaixonar”, viver aquele encantamento, aquela sensação de estar diante de alguém especial, alguém que viu algo em você que só você sabe que tem, e que ninguém mais viu, e de também ter visto algo que só você poderia ter visto.

Aquele papo todo de “sou mais eu”, “tô descolada”, “eu faço e aconteço”, “comigo não” e “abaixo as expectativas”? Pura balela. Era tudo uma questão de conhecer a pessoa certa. Até então, os zé-manés que eu havia encontrado por aí, e que tinham se dignado a me dar bola, não haviam conseguido chegar perto de realmente me tocar.

Mas bastou chegar a pessoa certa e “pluft!” – todas as barreiras foram abaixo. Noites sem dormir; investigações clandestinas no google; investigações anônimas no orkut; varredura do fotolog; fantasias sobre um futuro próximo, brilhante, apaixonado, feliz...

Tudo isso, vejam bem, com apenas algumas míseras horas passadas ao lado deste ser. Quantas palavras teríamos dito um ao outro? Não sou boa nesse tipo de cálculo, mas sei que falamos o suficiente. Falamos não apenas por palavras. Ele veio como uma onda que simplesmente me carregou, me pegou inteira de uma força só, do pé à cabeça, e me carregou com toda a força. Me descabelou. E eu amei.

O problema é que, nos dias seguintes, como de praxe, aguarda-se o parecer do imponderável (créditos devidos a Marina T., amiga querida). Explico. A lógica da atração entre duas pessoas não segue qualquer outro tipo de lógica que se encontre na natureza. É uma ciência inexata, assimétrica e quase sempre cruel. Você pode ter sentido todo o seu corpo tremer, de uma ponta a outra; pode ter imaginado como seriam os seus filhos; pode ter vibrado com cada bobagem que o outro disse, sonhado em ouvi-las para o resto da vida. Às vezes, para o outro, você foi apenas uma boa companhia para uma noite.

E simplesmente não há como prever a reciprocidade. E isso gera, da parte de quem se pré-apaixona, a maior ansiedade do mundo. Aos poucos a foto do casal e de seus filhos vai ficando menos nítida, borrada, manchada, até se partir em mil pedacinhos, assim como o “coração de quem sonhou, sonhou demais”. Cada dia que passa, a esperança morre um pouco.

E então vem a fúria do pensamento cartesiano, aquele que quer a lógica em tudo, que quer preencher as lacunas, que quer fazer sentido. Mas por quê? Mas e a maneira como ele me segurava, me cheirava, pegava na minha cintura? E as risadas que deu dos meus comentários espirituosos? E a maneira como nossos narizes se encostavam, lentamente e com carinho, antes do próximo beijo sôfrego? E a tranqüilidade que senti nos braços dele, na companhia dele, na cama dele?

Eis o parecer do imponderável: não foi dessa vez. E não queira entender por quê. Simplesmente não aconteceu. Diga adeus ao futuro glorioso, junte os pedaços do seu coração, respire fundo e toque a sua vida, porque ainda há de vir aquele que vai olhar para você e efetivamente ver o seu tesouro escondido, aquele que você guardou só para ele e para mais ninguém.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Eu tentei...

Se tem uma regra pessoal que eu forjei desde a mais tenra idade e venho seguindo com relativa regularidade desde então, é a regra de esgotar todos os recursos antes de desistir definitivamente de um amor não-correspondido.

Isso não significa dar uma de Carrie, A Estranha, protagonizar cenas de perseguição, assar coelhinhos alheios ou enviar bilhetes anônimos enrolados em uma pomba morta. Significa, simplesmente, ter certeza de que o outro percebeu o seu interesse e não está respondendo da maneira que você esperaria simplesmente porque não corresponde a ele, e não por algum boicote da tecnologia, da comunicação, da audição ou mesmo da inteligência.

Devo dizer que em praticamente 100% dos casos se confirmou a hipótese do amor não-correspondido; mas, para falar a verdade, salvo algumas poucas e honrosas exceções, continuo aplicando essa regra pessoal à minha vida religiosamente.

Acho que é tão raro (especialmente depois de uma certa idade, em que a gente vai ficando mais exigente) encontrar alguém que realmente te toque, te mova, te cause um impacto ou impressão forte, te faça achar que vale a pena investir, que eu não quero correr nenhum risco de perder uma oportunidade por qualquer tipo de bobagem. Em termos behavioristas, para homenagear Manélson, isso significa que para mim a possibilidade de ser rejeitada é menos aversiva do que o medo de deixar escapar um grande amor ou uma grande paixão por um simples “misunderstanding”.

Fatos que comprovam as minhas afirmações: na quinta série eu era apaixonada pelo Daniel D. Tirando o fato de eu ter mais ou menos uns 20 centímetros a mais do que ele, de praticamente todas as minhas amigas também serem apaixonadas pelo rapaz e de ele já ter sido namorado das meninas mais populares da nossa classe, eu genuinamente acreditava que o nosso amor era possível.

Essa minha paixão vinha sendo cuidadosamente acalentada desde a primeira série, quando talvez eu tivesse apenas cerca de 5 centímetros a mais que ele. Quando, na quinta série, formamos um grupo na aula de Ciências para fazer um trabalho sobre a fotossíntese, eu reuni a coragem que precisava para me declarar. Afinal, ele foi algumas vezes na minha casa, jogamos futebol na quadra do meu prédio e a nossa música sobre a fotossíntese foi a melhor da classe. Quer mais sinais do que esses de que éramos feitos um para o outro?

Numa tarde de semana qualquer, respirei fundo, peguei o telefone, disquei para a casa dele e o pedi em namoro. Não me lembro do que eu disse, nem do que ele disse, nem de como as coisas ficaram entre nós depois desse dia. Há um grande buraco negro em torno das lembranças daquela época, provavelmente um mecanismo de defesa do meu ego (sorry, Manélson!) para me impedir de lembrar a dor da minha primeira rejeição amorosa. Acho, aliás, que ele nem se lembra desse dia. Eu mesma às vezes duvido da veracidade dessa minha memória, chega quase a parecer uma cena de um filme qualquer sobre adolescentes ao qual eu teria assistido na sessão da tarde muitos anos atrás.

Nunca fomos grandes amigos, nem antes nem depois desse episódio. Cheguei a conversar com ele muitos anos depois, casualmente, quando nos encontramos em um bar. Aliás, curiosamente, praticamente todas as minhas amigas do colegial ficaram com ele ao longo dessas aproximadamente duas décadas que me separam da quinta série.

Mas não me arrependi do meu feito. Ele me deu a certeza de que eu precisava para enterrar essa história e seguir em frente.

No primeiro colegial, apaixonada platonicamente pelo André R., me arrisquei a mandar uma carta para ele quando foi passar alguns meses nos Estados Unidos com a namorada (!). O curioso foi que ele respondeu, mesmo a gente não sendo grandes amigos nem nunca ter tido qualquer contato mais profundo, trocado um telefonema ou feito algum tipo de programa fora da escola.

Novamente não me lembro do teor da carta, mas apesar de ter passado ainda muitos meses suspirando pelo meu “deus grego” nas minhas sessões de terapia, consegui, mais uma vez, deixar essa história para trás e seguir em frente. Anos depois, não consigo realmente imaginar de onde eu tirei tanto encanto, tantas qualidades, tanta irresistibilidade para alguém que eu, de fato, não cheguei a conhecer.

Com o Fernando C. não foi diferente. Passei praticamente dois anos do colegial em cólicas. Uma vez me arrisquei a comprar do nosso coordenador pedagógico (que era fotógrafo e tirava uns troquinhos vendendo fotos que tirava da gente durante as atividades, passeios e viagens do colégio) uma foto dele e quase passei uma saia justa diante da classe inteira, pois o dito coordenador costumava ir à frente da lousa, gritar “Crisss Va-le!” e entregar o saquinho plástico com as fotos compradas sem qualquer pudor ou preocupação com relação ao seu conteúdo. Minha sorte é que ele, propositadamente ou não, colocou uma outra foto que eu tinha comprado na frente dessa, me poupando de pagar um belo mico na época da vida em que a gente menos deseja passar por isso.

Bom, mas os dois anos se passaram e eu simplesmente não conseguia saber se a minha relação com o “Che” realmente descrevia os passos de um belo tango argentino ou se eu era apenas uma “mina” que ele gostava de provocar de vez em quando, que achava legal e simpática sem maiores pretensões. Então, na época da formatura, além de ter ajudado, junto com Amissade (aluê, Amissade!), a escolher a música que ia tocar no clipe dele (no nosso colégio hippie-chique cada aluno tinha direito a um clipe de meio minuto exibido num telão, com imagens registradas ao longo dos anos passados no colégio, tendo como trilha sonora uma música significativa escolhida pelos amigos ou colegas de turma) – Cavallero de fina estampa, of course -, ainda mandei pra ele, depois do fim das aulas, um raio de um fax (?) de lá do escritório do meu pai, fazendo algum tipo de declaração de amor nada velada do tipo “nunca vou te esquecer” ou “você vai fazer falta” e provavelmente dando algum dado de contato meu, na esperança de que um dia ele me procurasse.

Aliás, se não me falha a memória, no acampamento do 3º colegial eu estive muito perto de me declarar face-a-face, se é que não o fiz e reprimi novamente a lembrança em prol do meu amor próprio. O pior é que anos depois, não satisfeita com todas as confirmações anteriores de não-reciprocidade, eu o vi novamente em um barzinho e fiz um garçom entregar um bilhetinho (enquanto eu me escondia atrás de uma porta) cheio de comentários casuais e espirituosos e novos dados de contato – tem gente que realmente não desiste...

E assim como essas histórias, muitas outras poderiam ser contadas para confirmar que a regra do “esgotamento de possibilidades” tem sido seguida à risca, em praticamente todas as ocasiões amorosas ou com algum grau de probabilidade amorosa da minha vida.

Os resultados realmente não são muito animadores, mas nessas horas eu realmente me sinto adepta daquele clichê que diz que “é melhor se arrepender do que se fez do que daquilo que não se fez...”

Mais recentemente conheci um moço que eu acreditei, durante pelo menos uns quatro dias, que seria o meu próximo namorado. Me encantei, me pré-apaixonei, fiz mil planos e fantasias e, pelos ditos quatro dias, acreditei que seria correspondida. Quando o rapaz me ligou para saber se eu iria no mesmo bar em que havíamos nos encontrado na semana anterior, tive certeza de que ele estava a fim de mim. Quando ele não apareceu no bar, imaginei que algo tivesse acontecido. Quando liguei e ele disse que havia sido convidado para o aniversário de um amigo de última hora, acreditei, mas me perguntei por que ele não havia ligado para me avisar. Quando, na semana seguinte, ele não ligou antes do dia de praxe de irmos ao tal bar, achei que tudo havia ido por água abaixo... quando ele não apareceu no bar novamente, tive a confirmação. Mas foi só quando peguei o telefone, no dia seguinte, liguei e tive uma conversa de 14 ºC é que realmente me convenci de que não havia nenhuma chance de começar alguma história.

E, ainda assim, já tendo seguido todos os passos da minha regra pessoal, eu acabei acedendo a uma outra, que é um tanto correlata a essa: a de dizer, efetivamente, às pessoas (ou pessôos), o quanto elas me tocaram ou foram importantes para mim, mesmo depois que tudo está perdido... e lá fui eu mandar um torpedo para o rapaz em plena véspera de natal. E, como os seres humanos são humanos, e não exatos, à meia-noite do dia 24 de dezembro meu celular tocou e era a figura ligando para agradecer pelo torpedo. Combinamos de sermos amigos. Me senti mais próxima dele do que nunca naquela conversa. Infelizmente, tempos depois fui perceber que não havia, realmente, espaço para uma amizade... acho que no fundo ele se sentiu obrigado a retribuir, de forma caridosa, a uma enorme admiração gratuita que ele recebeu sem sequer acreditar que merecia.

Continuo achando, afinal, que apesar do peito doído e da sensação de fracasso e impotência, não há nada melhor do que deitar a cabeça no travesseiro com a certeza de que se fez tudo o que estava ao seu alcance para viver um grande amor...

Recado pra Carol

Pessoal,

se por acaso nos próximos dias vocês passarem por aqui e concluírem que este blog faleceu, podem dar os créditos à minha querida amiga Carol.

Passei na sala dela antes do almoço para lamentar o fato de o nosso pagamento ainda não ter sido depositado. Lá estava ela com o blog aberto na tela do computador.

- Olha o que eu acabei de abrir!

Me senti super prestigiada. Fazia apenas alguns minutos que eu havia mandado o e-mail divulgando o blog e estava alimentando fantasias persecutórias de que todo mundo ia ficar em silêncio e sem graça de dizer que não tava com saco de ler os meus textos.

Na hora do almoço propriamente dito, a caminho do Di Nóca, perguntei o que ela havia achado do post inaugural.

- ... bom, pra falar a verdade eu nem li... pô, Cris, o negócio tem uns 25 parágrafos! Quando eu li no seu e-mail que você tinha publicado um post, achei que era um post mesmo, e não um livro!

Bom, Carol, veja bem, eu nunca disse que não seria prolixa, você me conhece... sabe que eu "gostcho de ser mulher" e que gosto das coisas "muuuuuito bem explicadinhas, nos seus míííííínimos detalhes"... de preferência, em ordem cronológica! (cerrrto, Manélson? ;)

- Ah não, beleza!... mas olha, aquela descrição lateral eu gostei, apesar de que aquele final é brega pra caráio, hein? Como é que é? "Sem bússola na selva dos solteiros, alma romântica que acredita em amor pra toda vida?"

Pois é, Carol, veja bem novamente... se tem uma coisa que eu sou, é uma pessoa com um coraçãozinho romântico... e um coraçãozinho romântico sofre quando navega sem bússola pela Selva dos Solteiros, porque realmente acredita em amor para toda a vida... não tem como falar isso de outra forma!

- Ah não, claro! No fundo eu achei lindo! Que bom que alguém tem coragem de falar uma coisa tão piegas... no fundo a gente também sente isso, mas jamais falaria algo desse tipo...

O próximo post, então, é dedicado à minha amiga Carol, que pode lê-lo durante o fim de semana prolongado com todo o tempo de que precisar e se deleitar com as minhas frases bregas e sem medo de ser feliz.

Valeu, Carol! ;)

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Post inaugural

Eu nunca fui uma menina de escrever diários. De fazer agendas. A minha relação com a escrita sempre foi intermitente, marcada por breves e intensos casos amorosos, em geral motivados por fatores externos à minha própria necessidade ou desejo de escrever. Alguns dos filhos que pari até hoje me dão prazer; alguns outros, eu renego. Mas nunca fui alguém que pudesse falar de uma necessidade visceral de escrever, de uma produção constante, de um estilo relativamente cristalizado.

Curiosamente, escrever é o que mais faço no meu trabalho. E minha escrita é reconhecida como minha maior qualidade profissional. Minhas chefes já chegaram a dizer que eu “psicografo pensamentos”. Já fiz muitos relatórios e memórias de reuniões sobre projetos nos quais eu nem mesmo havia participado. Trata-se de uma apurada e convincente técnica de “embromation” cultivada ao longo de anos. Bom, médio “embromation”. A verdade é que dificilmente seria capaz de escrever sobre algo sem efetivamente me apropriar daquilo sobre o que estou tratando. Mas pode ser apenas uma apropriação teórica, metafísica, paranormal. Não requer necessariamente uma vivência real.

Também já passaram por mim muitos textos de outras pessoas para o famoso “tapinha”. Alguns me fizeram quase chorar diante da tela (e não foi de emoção); outros me instigaram, causaram admiração e orgulho por me sentir, de alguma forma, uma co-autora. O fato é que muitos me levaram a pensar que eu seria capaz de escrever algo significativamente melhor e pensar por que é que eu não investia em escrever os meus próprios textos em vez de me ocupar de ficar arrumando os dos outros.

Escrever, no entanto, nunca esteve entre os meus maiores “apetites”. E não há muito mistério nisso. Escrever dá trabalho. Frustra. Muitas vezes pode resultar em um caso de amor não-correspondido com os leitores. Demanda tempo. Exige disposição e exposição. Bem mais fácil segurar o controle remoto e ligar na novela das oito. Mesmo ler, que também é trabalhoso, exige menos do que a escrita. Ler, mesmo quando não se tem fome, acaba por despertar o apetite. Eu, pelo menos, sou uma leitora gulosa.

Não foi uma nem foram duas as vezes em que tentei escrever um blog, ou participar de um blog. A “preguiça” (ou alguma outra motivação não nomeada) sempre me fez parar, deixar a empreitada pela metade (pelo começo, na maior parte das vezes). Me acostumei a simplesmente viver da leitura de blogs alheios, saciando a minha vontade de textos e o meu desejo de interagir com os outros por meio da escrita em territórios de outros autores.

Aliás, cartas, e-mails e, em tempos mais modernos, comentários em blogs, sempre escrevi aos montes. Esta é uma fome insaciável; os “encontros” possíveis em uma correspondência escrita, não-imediata, eternizada em uma folha de papel ou, com alguma sorte, em uma caixa eletrônica de correio são únicos, insubstituíveis, não correspondentes a conversas ou encontros em tempo real. Quero, um dia, se conseguir persistir no intento da escrita, falar um pouco sobre a maneira como os programas de conversa em tempo real (como ICQ, IRC e MSN) afetaram, a meu ver, alguns aspectos do relacionamento humano – às vezes para o bem, às vezes para o mal...

Enfim, ao longo dos últimos meses da minha vida, colocada contra a minha vontade em uma situação que me exigiu rapidamente aprender a (ou relembrar como) nadar em um mar revolto, procurar algum ponto em que me apoiar minimamente, analisar as condições climáticas e começar a buscar novamente a terra firme, de tempos em tempos passei a sentir uma forte vontade de escrever.

Se houvesse um Ipod cerebral que se conectasse ao computador e permitisse “baixar” todos os textos que já pensei, certamente já teria uma obra maior do que as completas de Freud. Esse, é claro, seria o desejo de todo aspirante a escritor. A grande dificuldade é justamente transpor as idéias ao papel sem perder a sua essência original e, mais importante, utilizando o processo criativo como forma de lapidar o que pode, num primeiro estágio, ser considerado grosseiro, desimportante (?) ou desinteressante.

Mas ao longo das minhas andanças pelo bairro durante os passeios quase diários com as minhas cachorras, fui tomando certo gosto por repassar mentalmente alguns acontecimentos, como que tentando descrevê-los de forma bem-humorada (mesmo quando relativamente trágicos) a uma amiga imaginária, buscando explicações factíveis e esdrúxulas, criando teorias, hipóteses, fazendo sinapses, tendo insights. E comecei a achar que o esforço de colocar todas essas idéias na tela do computador talvez valesse a pena pelo exercício auto-erótico (algo que você faz com o objetivo específico de trazer prazer a você mesmo – pode incluir a masturbação, mas não se restringe a ela) de tornar concreto algo meu, uma produção minha, que pudesse de alguma forma ser apreciada pelos outros ou despertar algum sentimento de identificação e solidariedade (ou de indignação e irracionalidade – o importante é ter algum tipo de ressonância, de qualquer natureza) em potenciais leitores.

Eis aqui o começo de tudo. Com uma auto-regra bastante explícita: a da não-obrigatoriedade. Não há auto-erotismo que se sustente quando se faz algo por obrigação ou necessidades externas à nossa vontade.


Que seja eterno enquanto dure. Amém.