Acredite se quiser, em um tempo não muito distante bastava um cidadão saber escrever o próprio nome para ser considerado alfabetizado. O conceito de “analfabetismo funcional” mostra o quanto nosso entendimento sobre a complexa inserção social do sujeito em um meio letrado e grafocêntrico se alargou. Saber assinar um nome definitivamente não é sinônimo de saber ler e escrever, e mesmo quem domina um sistema alfabético ou é capaz de decodificar palavras e frases em um texto escrito não necessariamente sabe fazer um uso social, contextualizado, real e competente da leitura e da escrita.
Como profissional da área de letras e de educação, uma das minhas grandes preocupações recai justamente sobre a ampliação das possibilidades de letramento, ou seja, de inserção e participação efetiva dos cidadãos nas práticas sociais letradas. Confesso, no entanto, que como “mulher solteira” outra sombra paira sobre o meu quase inabalável otimismo e ocupa grande espaço na minha lista de perplexidades: o “analfabetismo emocional” da minha geração. Tome-se, por exemplo, um diálogo real, colhido recentemente em contexto de paquera entre dois jovens adultos, poucos minutos depois de terem se conhecido:
Ele: Hum... Adorei você... Onde você mora?
Ela: ... Mas já???
Ele: Já o quê, ué... Tô só perguntando onde você mora.
Ela: Hum, tá... Moro na Vila Madalena.
Ele: Posso te levar para casa?
Ela: Mas já???
Ele: É... Pra gente ficar juntinho, numa boa...
Ela: Olha... Não me leva a mal não... E desculpa pela generalização... Mas como vocês, homens, são apressados!
Ele: Ué, mas não é pressa, é vontade...
Ela: Ahn, sei...
Ele: E, depois, eu não posso pedir o seu telefone e combinar de te encontrar amanhã, né???
Ela: ...Não? Por que não???
Ele: Ah, primeiro que eu não ia nem saber onde te levar...
Ela: ... [imagina se não tivesse “me adorado”...]
Ele: ... Depois porque seria, sei lá, assumir um compromisso para o qual talvez eu ainda não esteja preparado. E então, vamos?
Líderes de movimentos sociais, representantes da sociedade civil e do governo, autoridades responsáveis pela elaboração de políticas públicas: como ensinaremos a esses jovens que se relacionar não é simplesmente trocar fluidos corporais, que sentir e demonstrar interesse genuíno não é desonra nem doença e que conhecer alguém para além da superfície, mesmo que apenas para fins recreativos, não arranca pedaço?
10 comentários:
Querida Mulher,
Acho que o que faltou a toda uma geração foram umas chineladas na infância - também chamadas amor de mãe. Gostar dos outros e cuidar deles se aprende em família, acho eu.
Que responsa! Beijo.
Affff, a coisa tá ficando cada vez pior! Socorro, alguém pode me levar de volta, não quero mais este lugar! Onde foram parar o bom senso, o tato, a gentilza, a educação e a inteligência????
Quando trocar fralda me deixa mal humorada eu fecho os olhos e lembro como era bem mais difícil quando eu tinha que ouvir esse tipo de abobrinha.
Credo, nem pra trocar fluido corporal isso valia a pena.
Beijo,
Roberta
Olha, a coisa ta dificil mesmo. Outro dia mal beijei um mocinho ele ja queria porque queria subir comigo pro hotel. Tive que dizer na lata "escuta criatura, nao vai rolar nada mais do que está rolando aqui ta" e ir embora me sentindo extremamente descartavel...
Que é que ta acontecendo no mundo hein?
Queria ter nascido nos anos 60. Hunf.
É preciso elaborar algo do tipo "Telecurso 2000 Emocional", hehehe. Jáááá!
Linda, juro, não consigo parar de rir com a sua descrição e apelo final! Parece piada! Justo hoje que aconteceu um lance bizarro comigo... daqui um tempo talvez valha um post. Li o post sobre traição, muito bom tb!
Beijos, beijos!!!
Com certeza ele era da turma do fundão...rs (brincadeirinha).
Quanto tempo não passava por aqui... Bom voltar!
O que era para ser surreal no seu relato me pareceu tão familiar. Não fiquei chocada pois já ouvi coisas semelhantes. Triste.
concordo com a Amarilis, faltou foi educaçao, chineladas e bons modos, oq hj em dia é raridade!
Beijao
Não vou me alongar, mas acredito, acredito não, tenho certeza de que o analfabetismo emocional não foi (ou ainda é) falta de chinelada. O tema é mais complexo. Na minha opiniao o fenomeno denuncia, entre outras coisas, a carencia de dialogo, afeto, respeito, tolerancia tão presente nas relações de hoje em dia. E relacionamento se constrói a custa de muita alegria e dor desde o dia que o rebento vem ao mundo--não é tarefa fácil, mas quando levada a serio (e quem sabe remunerada, olha a dona de casa aí minha gente, haha) traz muita recompensa. Neste sentido concordo com a Amarilis, a família como primeira escola. Saudades do seus escritos, amiga!
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