Mais uma de banheiro, fonte permanentemente renovada de inspiração.
Mudamos de sede. Foram-se os banheiros individuais. Durou pouco a minha alegria: voltei aos velhos tempos de proletariado, partilhando com as colegas de trabalho os odores e ruídos de nossos momentos mais íntimos.
Nada que se compare aos constrangimentos do emprego anterior, quando a chefe nos chamava para ir ao banheiro e despachava em pleno ato de, digamos, despachar. Aqui pelo menos se mantém certo decoro; respeita-se, na medida do possível, a privacidade alheia.
Ainda assim, confesso que ando tendo problemas. Não sou do tipo que se recusa a fazer o número 2 fora de casa; pelo contrário, sofrendo de prisão de ventre desde criança, aprendi a nunca ignorar um chamado da natureza (e ela se supera a cada dia na capacidade de me chamar nos lugares e momentos menos apropriados – conheci o banheiro de boa parte das livrarias, supermercados, farmácias, lojas de móveis e rodoviárias que já visitei na vida). Mas já vou para o banheiro rezando para não encontrar ninguém e, se encontro, torço para não puxar assunto. E acabo levando pelo menos o dobro do tempo que levaria no antigo banheiro individual, em radicais e surpreendentes manobras para me tornar invisível, inaudível e inodora.
O número 1 também é uma lástima. Se acontece de eu entrar em uma cabine ao mesmo tempo em que outra pessoa adentra a cabine ao lado, nunca, jamais, em tempo algum consigo iniciar os meus trabalhos antes dela. Parece até um acordo de cavalheiros: “você primeiro, por favor, faço questão!”; “que é isso, de forma alguma, tenha a bondade!”.
Tempos atrás, a situação, que já não era das mais confortáveis, ganhou um novo ingrediente. Tentei ignorá-lo o quanto pude, afastando meus pensamentos dessa perturbadora constatação. Até o dia em que o inevitável e-mail de Amiga Fanta entrou em minha caixa postal: “MEU!!! É impressão minha ou quando a luz do banheiro está acesa dá para ver o interior da cabine refletida no vidro da janela???”. Me fingi de morta: “Pois é, parece que sim...”. Mas Amiga Fanta não deixou barato: “Ai, depois desce aqui no meu andar para fazer um teste comigo? Eu entro na cabine e te dou tchauzinho e você vê até onde me enxerga?”. Desconversei, mais uma vez: “Ai, Amiga Fanta, forget about it... Vamos partir do pressuposto de que ninguém vai entrar no banheiro com intenções voyeurísticas, né?”. E lá foi ela, a nossa certificadora de qualidade, inclemente, fazer o teste do banheiro e constatar que a visão externa da cabine revelava a intimidade da usuária do pescoço para cima. Sim, um tanto quanto perturbador. Mas procuro fazer disso um exercício de crescimento espiritual.
Naquela mesma semana, em uma carona coletiva até o Metrô Vila Madalena, a tal janela indiscreta rendeu muitas e muitas anedotas sobre banheiro, chamados inconvenientes da natureza e saias-justas envolvendo o aparelho excretor. Todo mundo tem pelo menos uma história própria, ou ocorrida com alguém próximo, para contar. A minha, por exemplo, envolve uma dor de barriga tenebrosa na minha chegada ao Peru, na casa dos amigos do meu avô, quando a descarga me deixou na mão. Sorte que havia um balde embaixo da pia e, com alguma paciência e muitos baldes de água, consegui eliminar as provas do crime. Bem, essa é uma história publicável. As impublicáveis, nem aqui...
Coroei a minha fase de problemas privados em lugares públicos na última quinta-feira, durante a festa de fim de ano da “firma”. Depois de uma “atividade cultural” (a única, apesar do grandiloquente nome do evento de dia inteiro: “Jornada cultural”) de uma hora e vinte, corri para o banheiro com a bexiga em ponto de bala. Logo atrás de mim mais uma horda de mulheres igualmente precisadas daquele momento íntimo com a privada. Pronto, foi o que bastou: meu xixi não saía de jeito nenhum. Precisei me concentrar, fazer uma breve meditação e entoar alguns mantras para vencer aquela barreira psicológica. E, ao sair da cabine, ainda me senti na obrigação de dar uma satisfação “a la Costinha”: “Nossa, só de saber que tinha esse monte de gente aqui fora, esperando para usar o banheiro, fui acometida pela síndrome do pinto tímido!”
Bem na minha frente, liderando a multidão, nada mais nada menos do que ela, verdadeira força da natureza, primeira, única e inigualável: a temível Moça do Comercial. Vamos chamá-la assim para evitar constrangimentos. Se você não a conhece, posso traçar o seu perfil psicológico em poucos segundos: animada, fala alto, ri mais alto ainda, desconhece qualquer traço de timidez e é o retrato da extroversão. É claro, ela é da Equipe Comercial! É ela quem sorteia os brindes da Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho; é ela quem grita “LINDOOOO!!!! EU TE AMOOOOO!!!” para o seu colega de equipe músico que resolveu dar uma discreta palhinha no almoço da festa de fim de ano; é ela quem aproveita o descuido do garçom, que derruba uma garrafa de cerveja em cima do moço da área de TI, para cantar uma música de strip tease e tentar tirar a blusa do rapaz em frente ao Diretor Geral. Sim, senhoras e senhores! Essa é a Moça do Comercial!
Voltemos à cena que há pouco acontecia no banheiro. Antes que eu pudesse atinar quanto às consequências do meu ato, soltei a piada do “pinto tímido” em alto e bom som diante da Moça do Comercial. “PINTO TÍMIDO?????” Ela repetiu, certificando-se de que ninguém em um raio de 30 metros deixasse de ouvir. “Feminino...”, acrescentei, derrotada, com um fio de voz.
No dia seguinte, a Moça do Comercial passou algumas vezes diante da minha mesa sem dar sinais de se lembrar do ocorrido. Minhas esperanças se renovaram: nem tudo estava perdido! Mas, antes de deixar o andar, a uma distância suficiente para que todos os meus colegas de equipe a ouvissem, soltou: “Muito interessante aquela sua frase no banheiro ontem, heeeeeein?”.
Por alguma razão, pensei em empadinhas envenenadas.
Mudamos de sede. Foram-se os banheiros individuais. Durou pouco a minha alegria: voltei aos velhos tempos de proletariado, partilhando com as colegas de trabalho os odores e ruídos de nossos momentos mais íntimos.
Nada que se compare aos constrangimentos do emprego anterior, quando a chefe nos chamava para ir ao banheiro e despachava em pleno ato de, digamos, despachar. Aqui pelo menos se mantém certo decoro; respeita-se, na medida do possível, a privacidade alheia.
Ainda assim, confesso que ando tendo problemas. Não sou do tipo que se recusa a fazer o número 2 fora de casa; pelo contrário, sofrendo de prisão de ventre desde criança, aprendi a nunca ignorar um chamado da natureza (e ela se supera a cada dia na capacidade de me chamar nos lugares e momentos menos apropriados – conheci o banheiro de boa parte das livrarias, supermercados, farmácias, lojas de móveis e rodoviárias que já visitei na vida). Mas já vou para o banheiro rezando para não encontrar ninguém e, se encontro, torço para não puxar assunto. E acabo levando pelo menos o dobro do tempo que levaria no antigo banheiro individual, em radicais e surpreendentes manobras para me tornar invisível, inaudível e inodora.
O número 1 também é uma lástima. Se acontece de eu entrar em uma cabine ao mesmo tempo em que outra pessoa adentra a cabine ao lado, nunca, jamais, em tempo algum consigo iniciar os meus trabalhos antes dela. Parece até um acordo de cavalheiros: “você primeiro, por favor, faço questão!”; “que é isso, de forma alguma, tenha a bondade!”.
Tempos atrás, a situação, que já não era das mais confortáveis, ganhou um novo ingrediente. Tentei ignorá-lo o quanto pude, afastando meus pensamentos dessa perturbadora constatação. Até o dia em que o inevitável e-mail de Amiga Fanta entrou em minha caixa postal: “MEU!!! É impressão minha ou quando a luz do banheiro está acesa dá para ver o interior da cabine refletida no vidro da janela???”. Me fingi de morta: “Pois é, parece que sim...”. Mas Amiga Fanta não deixou barato: “Ai, depois desce aqui no meu andar para fazer um teste comigo? Eu entro na cabine e te dou tchauzinho e você vê até onde me enxerga?”. Desconversei, mais uma vez: “Ai, Amiga Fanta, forget about it... Vamos partir do pressuposto de que ninguém vai entrar no banheiro com intenções voyeurísticas, né?”. E lá foi ela, a nossa certificadora de qualidade, inclemente, fazer o teste do banheiro e constatar que a visão externa da cabine revelava a intimidade da usuária do pescoço para cima. Sim, um tanto quanto perturbador. Mas procuro fazer disso um exercício de crescimento espiritual.
Naquela mesma semana, em uma carona coletiva até o Metrô Vila Madalena, a tal janela indiscreta rendeu muitas e muitas anedotas sobre banheiro, chamados inconvenientes da natureza e saias-justas envolvendo o aparelho excretor. Todo mundo tem pelo menos uma história própria, ou ocorrida com alguém próximo, para contar. A minha, por exemplo, envolve uma dor de barriga tenebrosa na minha chegada ao Peru, na casa dos amigos do meu avô, quando a descarga me deixou na mão. Sorte que havia um balde embaixo da pia e, com alguma paciência e muitos baldes de água, consegui eliminar as provas do crime. Bem, essa é uma história publicável. As impublicáveis, nem aqui...
Coroei a minha fase de problemas privados em lugares públicos na última quinta-feira, durante a festa de fim de ano da “firma”. Depois de uma “atividade cultural” (a única, apesar do grandiloquente nome do evento de dia inteiro: “Jornada cultural”) de uma hora e vinte, corri para o banheiro com a bexiga em ponto de bala. Logo atrás de mim mais uma horda de mulheres igualmente precisadas daquele momento íntimo com a privada. Pronto, foi o que bastou: meu xixi não saía de jeito nenhum. Precisei me concentrar, fazer uma breve meditação e entoar alguns mantras para vencer aquela barreira psicológica. E, ao sair da cabine, ainda me senti na obrigação de dar uma satisfação “a la Costinha”: “Nossa, só de saber que tinha esse monte de gente aqui fora, esperando para usar o banheiro, fui acometida pela síndrome do pinto tímido!”
Bem na minha frente, liderando a multidão, nada mais nada menos do que ela, verdadeira força da natureza, primeira, única e inigualável: a temível Moça do Comercial. Vamos chamá-la assim para evitar constrangimentos. Se você não a conhece, posso traçar o seu perfil psicológico em poucos segundos: animada, fala alto, ri mais alto ainda, desconhece qualquer traço de timidez e é o retrato da extroversão. É claro, ela é da Equipe Comercial! É ela quem sorteia os brindes da Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho; é ela quem grita “LINDOOOO!!!! EU TE AMOOOOO!!!” para o seu colega de equipe músico que resolveu dar uma discreta palhinha no almoço da festa de fim de ano; é ela quem aproveita o descuido do garçom, que derruba uma garrafa de cerveja em cima do moço da área de TI, para cantar uma música de strip tease e tentar tirar a blusa do rapaz em frente ao Diretor Geral. Sim, senhoras e senhores! Essa é a Moça do Comercial!
Voltemos à cena que há pouco acontecia no banheiro. Antes que eu pudesse atinar quanto às consequências do meu ato, soltei a piada do “pinto tímido” em alto e bom som diante da Moça do Comercial. “PINTO TÍMIDO?????” Ela repetiu, certificando-se de que ninguém em um raio de 30 metros deixasse de ouvir. “Feminino...”, acrescentei, derrotada, com um fio de voz.
No dia seguinte, a Moça do Comercial passou algumas vezes diante da minha mesa sem dar sinais de se lembrar do ocorrido. Minhas esperanças se renovaram: nem tudo estava perdido! Mas, antes de deixar o andar, a uma distância suficiente para que todos os meus colegas de equipe a ouvissem, soltou: “Muito interessante aquela sua frase no banheiro ontem, heeeeeein?”.
Por alguma razão, pensei em empadinhas envenenadas.
6 comentários:
Hahahahahaha!
Muito bom o post minha cara.
Menina, vc não sabe! Cheguei hoje atrasada e no caminho já tive sinais de piriri.
Cheguei desesperada ao banheiro do primeiro andar e ele estava lotado. Que horror controlar sons e cheiros numa crise de piriri.
Mas consegui. E, olha, nada como ter um mini gleide na bolsa. Isso sim é a invenção do século.
Beijos,
Amiga fanta (óbvio)
Puxa vida, também sofro dessa mesma mazela no quesito assuntos privados.
Impagável seu relato de detalhes tão íntimos ao mesmo tempo que tão cotidianos a mim e a tantos outros. Ri muito de cada parágrafo, principalmente dos seguintes trechos: "E acabo levando pelo menos o dobro do tempo que levaria no antigo banheiro individual, em radicais e surpreendentes manobras para me tornar invisível, inaudível e inodora." ou ainda das empadinhas envenenadas da Moça do Comercial.
Compartilho dessa teimosia em ostentar o silêncio na companhia de alguém no banheiro (a Síndrome do Pinto Pequeno) ou aproveitar o ensejo da sinfonia alheia para, bem baixinho, poder aliviar minha castigada bexiguinha. Acredito que aquelas pessoas que levam etiqueta ao pé da letra devam sofrer tanto quanto. Imagina? Podíamos experimentar perguntar isso àquela Global, a tal Glória Kalil.
Tirando o pó e as teias de aranha, aqui quem fala é a Dona Leti.
Besos Mujer, seus posts continuam surpreendentes.
Opa, adorei essa história de "Mini-gleide". Nessa nunca tinha pensado. Obrigada pela dica, amiga Fanta, vou plageá-la.
Hehehe!
Não conheço ninguém que não sofra com essa questão do uso do banheiro no trabalho. Adorei o texto. beijos, Fla.
Piriri, amiga Fanta, esta é ótima.
Amiga o seu relato levantou o meu astral nesta tarde de sábado gripada no ultimo grau. Os meus pais dizem que não conhecem ninguém como eu que é capaz de perder embarque de avião e balsa (sim, já ocorreu nas duas situações) por causa dos chamados extraordinários da privada. Eu sempre penso em você, mas seria um tanto indiscreto colocá-los a par da sua "vida toilette".
Can't wait to see u!
Bjos,
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk!! Quem não se identifica? Problema é se identificar com a Moça do Comercial... hehehehe. beijos, Fla
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