sábado, 23 de agosto de 2008

Post it

Só passei para dizer que não estou.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Minha Favorita é Pantanal

Sou uma noveleira de carteirinha e dificilmente um autor de novela consegue me tirar do sério. Até o Manoel Carlos consegue granjear a minha tolerância e, vez ou outra, alguma simpatia da minha parte.

Por isso é preciso que conste dos autos: estou revoltadíssima com a reviravolta da novela das oito. Desde que A Favorita começou, eu a defendia com unhas e dentes. Achei genial e original a proposta de abandonar o maniqueísmo das “irmãs gêmeas” e explorar a ambigüidade de duas personagens femininas, jogar com simpatias e antipatias, impressões e evidências, induções e inferências. Quando parecia ser possível começar a formar uma impressão sobre uma delas, algo inesperado acontecia e virava o jogo novamente. O resultado era que ambas, de alguma forma, contavam com a nossa simpatia e nos faziam quase torcer para os dois lados ao mesmo tempo, a despeito do antagonismo das personagens.

Aí o sujeito, pressionado pela baixa audiência, me enfia um revólver na mão da Patrícia Pilar, faz a criatura atirar em um inocente a sangue-frio, mostra e remostra flashbacks do primeiro crime que ela cometeu (e cuja autoria – até então não revelada – era a chave de toda a trama da novela) e simplesmente assassina a novela no meio do caminho. De uma hora para a outra, a pobrezinha miserável e humilde, que só queria provar a sua inocência e passava os seus dias fazendo faxina e bobó de camarão no cafofo do Silveirinha, chega no seu apê novo cheia de sacolas de compra, chama a filha que ela sonhava conquistar de “boboca” e diz que é melhor “vestir os trapinhos” antes de se encontrar com uma de suas vítimas, para não chamar atenção.

Esse tipo de solução desesperada (e nesse ponto concordo com o noveleiro da Record, apesar de nunca ter assistido a nenhum capítulo das suas novelas-mutantes) me irrita a tal ponto que começo a perder a paciência com idiotices que normalmente eu engoliria sem grande esforço, como a cena de um grupo de presas tentando cavar com as próprias mãos um buraco no chão de uma cela sem que ninguém percebesse. Pior: levando disfarçadamente a terra nos bolsos das calças jeans (!) para dispensá-la no pátio. Se não tivessem sido deduradas às carcereiras, elas certamente cumpririam pena antes de conseguir se sentar dentro do buraco que cavavam.

Fico me lembrando de uma palestra a que assisti uma vez com a Lygia Fagundes Telles lá na PUC. Naquela época eu ainda não havia lido quase nada da Lygia, mas fiquei com uma impressão fortíssima daquela mulher. Uma das coisas que guardei com mais nitidez foi um comentário seu sobre a adaptação que a Globo fez do seu conto Antes do Baile Verde. Toda a história gira em torno de uma moça que, em uma noite de carnaval, se vê dividida entre o pai enfermo, cuja morte parece iminente, e o desejo quase infantil de participar de um baile de foliões. O diálogo da protagonista com a empregada da casa revela as suas oscilações “demasiado humanas”, que vão da negação da morte ao egoísmo em seu estado mais bruto.

Lygia nos explicou, generosamente, o peso que representa a porta fechada do quarto do pai naquela história, pai cujo estado só nos é permitido supor e inferir a partir das conversas entre as outras duas personagens. A porta fechada permite que nos identifiquemos, por mais irracional que pareça, com os imaturos anseios daquela jovem. Ao mesmo tempo, é uma presença maciça, a imposição da morte, algo que jamais conseguimos esquecer.

O que me faz a dona-rede-Globo? Abre a porta da Lygia. Mostra o velho caquético, babando, respirando mal, cheio de apetrechos médicos. Uma didática lição sobre como assassinar uma obra de arte.

Não é que A Favorita fosse uma obra de arte. Mas era uma novela honesta. Agora, virou bandalheira. Não há nada que me tire mais do sério em uma novela do que a falta de sutileza. Como é que os dois vilões passam três meses falando por meias-palavras, usando subterfúgios e fazendo vagas referências ao passado e, de uma hora para a outra, estão comemorando um assassinato com champanhe e dizendo frases verossímeis como "a idéia daquele golpe que nós demos dezoito anos atrás foi genial"? Santo Deus, fechem essa porta!!!

Eu não digo que deixarei de ver A Favorita porque, em Terra de TV aberta, quem tem uma novela das oito é rei. Mas que dá desgosto, dá. Quem me salva a pátria agora é Pantanal. Taí uma novela digna. Às vezes de uma simplicidade que beira o mexicano, como nas tomadas do Rio de Janeiro que inevitavelmente antecedem uma cena de estúdio, em que as pessoas fatalmente estarão fazendo nada a não ser falar sobre a vida, como se ninguém mais tivesse nada para fazer a não ser esperar que os outros decidam alguma coisa a respeito de suas próprias vidas. (E não dá para não comentar a estratégia de marketing do SBT: anunciar que Pantanal começa assim que acaba a novela da Globo!)

Toda a ação se passa praticamente em três locações: a fazenda de Zé Leôncio, a fazenda do Seu Tenório e a casa da segunda mulher desse último no Rio de Janeiro. Se juntarmos todos os personagens de Pantanal, eles não completam um núcleo de novela das oito da Globo. Há personagens-fantasma que aparecem a cada trinta capítulos, como a avó do Joventino e seu mordomo.

E mesmo assim, a novela é mais digna. É bela. A direção é firme, correta. Mesmo os atores que já tiveram atuações bem medianas em novelas globais posteriores me surpreendem em Pantanal (destaque para o bico e o impagável “seeei lá!” de Marcos Palmeira, fazendo pela primeira vez o personagem do peão xucro que depois ele cairia na besteira de repetir ad nauseum em outras milhares de novelas).

No Pantanal também há morte, mas as pessoas não matam porque são “terrivelmente más”: matam porque assim é a vida. Porque devem matar ou morrer. Matam por terras, por amor, por fraqueza, por sina. Matam pela simples banalidade da vida. Matam, simplesmente. Só não matam para levantar a audiência.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Coisas que você não aprendeu na escola

Que o Bocage foi o poeta mais expressivo do Arcadismo em Portugal a Da. Margarida certamente te ensinou.

Que existe o “Bocage lírico” e o “Bocage satírico” é bem provável que ela também tenha te dito.

Agora, sendo a escola por excelência uma instituição conservadora (e isso não é culpa da pobre Da. Margarida), du-vi-de-o-dó que ela tenha te contado o quão boca-suja era aquele gajo.

Os livros didáticos sempre dão um jeitinho de apresentar uma poesia satírica do Bocage que não faça corar a Da. Margarida. Mas acredite: perto dele, boquinha-da-garrafa é música de igreja. Taí o próprio, que não me deixa mentir, em suas lúdicas elucubrações sobre a prisão de ventre.


Soneto da dama cagando
Manual Maria Barbosa du Bocage

Cagando estava a dama mais formosa,
E nunca se viu cu de tanta alvura;
Porém o ver cagar a formosura
Mete nojo à vontade mais gulosa!

Ela a massa expulsou fedentinosa
Com algum custo, porque estava dura;
Uma carta d'amores de alimpadura
Serviu àquela parte malcheirosa:

Ora mandem à moça mais bonita
Um escrito d'amor que lisonjeiro
Afetos move, corações incita:

Para o ir ver servir de reposteiro
À porta, onde o fedor, e a trampa habita,
Do sombrio palácio do alcatreiro!