quarta-feira, 30 de abril de 2008

Enigma pós-moderno

Diz a esfinge: Queres que te devore? Torna-te tu indecifrável.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Guerra e paz

- Vó, quantos anos faz que você e o vovô são casados mesmo?
- Ih, filhinha... Séculos e séculos... Sessenta e dois anos!
- Uau... é muito tempo!
- Nem me fale, filhinha, nem me fale... Hoje em dia estamos assim: um fica aqui, o outro fica lá. Se os dois ficam juntos, ou dá sono, ou dá briga!

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Marte X Vênus


Eles reclamam que nós dizemos “não” quando queremos dizer “sim”, “sim” quando queremos dizer “talvez” e “talvez” quando queremos dizer “não”.

Eu pergunto: eles nos dão alternativa?

domingo, 20 de abril de 2008

Um bonde chamado desejo


- Foi uma conjuntivite brabíssima! Deixou até seqüelas, estou enxergando embaçado e vendo pontinhos brancos com o olho direito! Ainda preciso consultar outro médico para ouvir uma segunda opinião...
- É mesmo? Que coisa!
- Pois é... Não imaginava que uma reles conjuntivite podia ser tão perigosa.
- Sim, eu ouvi falar de um caso semelhante. Mas e o Fulano, não pegou de você?
- Por enquanto não... Mas também, passamos uma semana inteira sem nos tocar, dormindo em quartos separados!
- Puxa...
- Bem... Quase uma semana... Quando não agüentávamos mais ficar longe um do outro, ele vestiu os óculos de natação e mandamos ver!

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Comunicado importante

RRRRRRESPEITÁVEL PÚÚBLICOOOOO!!!!

É um prazer, um orgulho e uma honra informar que, a partir do dia de hoje, o MS passa a contar com a presença de finíssimo trato de uma distinta leitora da mais alta “catiguria”: a cenoura minha mãe!

É, portanto, nossa mais legítima obrigação, nos dias vindouros do porvir, manter elevado o nível dos debates e polêmicas, evitando a utilização leviana de termos chulos, a exposição inconseqüente de palavras de baixo calão, a ocorrência de comportamentos que possam porventura ferir a moral e os bons costumes e/ou ainda atentar contra o bom-gosto.

Façamos deste um blog de respeito, um ambiente aprazível e de bom tom, em nome da estética, da metafísica e da hermenêutica, em consideração à senhora minha Mãe Sereia.

Pela atenção, obrigada.

P.S.: Beijo, mãe!!!

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Homenagem a Manélson


Há controvérsias a respeito da data exata, mas especialistas avaliam que tenha sido por volta dos idos de 1990. Vez ou outra eu a avistava caminhando pelo bairro e pensava: “que menina colorida!”. Nunca havia conhecido alguém assim: cabelo laranja-cor-de-cenoura, olhos verdes, pele branquinha e bochechas coradas. Parecia que tinha saído de dentro de um desenho animado.

Vizinhas de rua, acabamos tropicando uma na outra aqui, ali e acolá (ela e minha irmã no balé, eu e a irmã dela na natação) e nos tornamos amigas. A pré-adolescência marcou o auge da primeira fase da nossa amizade, tempos de Sítio do Carroção, primeiro amor e frio na barriga.

Aos doze anos de idade eu queria ser estilista de moda. Gostava de desenhar e, quando alguém me contou que havia uma profissão em que a pessoa ganhava dinheiro para fazer isso, achei uma opção muito digna. Minha avó tinha uma amiga dona de confecção e, quando havia desfile de coleção nova na casa dela, lá ia eu de prancheta debaixo do braço, papel sulfite e lápis de cor registrar as últimas tendências e me inspirar para as minhas próprias criações.

Mas Manélson rapidamente me demoveu da idéia. Em uma das únicas discussões dos nossos mais de dezoito anos de amizade, ela argumentou que eu precisava escolher uma profissão mais útil, que pudesse ajudar a melhorar a sociedade. Pra me defender, ridicularizei o fato de ela querer ser psicóloga (como de fato se tornou alguns anos depois) dizendo que ela ia “cuidar de louco”. Nem preciso dizer que paguei a minha língua com oito longos anos de análise...

Meu pai ainda tentou salvar a lavoura, fazendo um contraponto à ruiva tão cheia de razão. “Aposto que quando vai comprar uma roupa no shopping a dona Joana não pensa que a profissão do estilista de moda é inútil. Todas as profissões têm o seu valor social!”. Mas não teve jeito... Ela sabe que é a maior culpada pela crise vocacional dos últimos quinze anos da minha vida! E apesar de ter aprendido a relativizar as suas certezas, de vez em quando ainda confessa que não se arrepende nem um pouco de ter plantado mais essa minhoca na minha cachola já tão fertilizada.

Há um buraco negro inexplicável nos nossos tempos de colegial. Mas quando entramos na faculdade, retomamos a amizade com força total e nunca mais desgrudamos. Manélson acompanhou cada etapa da minha vida e vice-versa, como expectadoras privilegiadas. Me apresentou a dois dos cinco namorados que tive – é uma pena que nenhuma das indicações tenha sido muito promissora, mas não podemos tirar o mérito da tentativa. E como a vida pode ser bem irônica, foi ela quem apresentou ao meu ex a sua atual namorada. Mas quando foi preciso me dar a má notícia, ela assumiu a incumbência com a sua característica integridade e passou o dia todo segurando a minha mão.

Manélson é minha terapeuta-adjunta. Quando tenho dúvidas em minha auto-análise (já que, tal como um fumante, venho tentando “parar” a terapia há anos), é para ela que ligo, despejo a minha bagunça emocional e aguardo o veredicto sempre amoroso e compreensivo. Nunca deixou de responder a nenhum dos meus e-mails lacrimosos das madrugadas em crise de namoro, de pós-namoro e de ausência de namoro. Manélson agüenta as minhas mesmas ladainhas existenciais há quase duas décadas com a mesma paciência e dedicação. Mais ou menos uma vez a cada cinco anos ela se permite entrar em crise e me dá a oportunidade de retribuir com um pouco de orelhão.

Fomos companheironas de balada durante uns bons anos. Como naquele tempo eu ainda era abstêmia, ficava com a incumbência de dirigir. Cabia a ela ser a Relações Públicas da dupla. Maria Joana, Dona Maria, Tipuana, Nias, Kintamani, Básico... Desses tempos temos histórias impagáveis e impublicáveis, que vão ficar para sempre no folclore da nossa amizade. Basta dizer que naquele tempo a pista de dança do Kintamani era escura, escura...

Quando achamos que não era suficiente morar na mesma rua, estudar na mesma faculdade, sair juntas no final de semana e jantar pelo menos uma vez durante a semana, inventamos de fazer aula de jazz. Foram poucos os privilegiados que tiveram a oportunidade única de nos assistir dançando a versão de Cake para “I’ll survive”, poderosas, de vermelho e com cara de más.

Manélson já me gravou fitas e fitas com músicas “para dançar e liberar a drag queen que existe em você”, “para dar beijo na boca ou ter vontade de fazê-lo”, “para pensar na vida e/ou curtir música”, “para sentir-se batuta e/ou ‘que bom que eu liguei!’” (uma expressão cunhada especialmente para designar a sua profunda modéstia). Também me gravou um “CD Prozac” em uma época em que eu estava bem tristinha. Vive me enchendo de blusinhas descoladas e brincões cheios de penduricalhos pra eu liberar a Gisele Bünchen que habita em mim.

Não existem duas como ela. Incapaz de comer um prato de comida sem espalhar uma trilha de grãos, gotas e farelos para todos os lados. Especialista em falar ao telefone enquanto faz um belo número dois (Manélson é a otimização do tempo em pessoa! Imaginem o quanto ela não teve que exercitar a paciência com a minha incomparável velocidade...). No quesito escatologias, faz questão de anunciar e comentar todos os seus episódios de flatulência. Manélson inventou a “raivinha”, aquela irritaçãozinha absolutamente irracional que a gente não sabe explicar muito bem por que sente, mas simplesmente não consegue evitar. Também não deixou passar o “homem-coxa” (aquele que usa camisa pra dentro da calça sens-tropeito) e o “cl-cl” (acompanhado de um sinal de “ok” sincronizado com a pronúncia de cada sílaba), pra designar as coisas carésimas, supérfluas, desprovidas de qualquer funcionalidade, mas consideradas bacanérrimas pela high-society.

Manélson sempre me chamou de “a não-behaviorista mais behaviorista que ela conhece”. Eu posso dizer que assisti de camarote à transformação dessa behaviorista radical em uma terapeuta brilhante, mas que acredita piamente em espírito, cartomante e astrologia. Taí uma pessoa que não tem o menor pudor em viver plenamente as suas contradições. E não está nem aí para quem achar algum problema nisso.

Foi Manélson quem diagnosticou o meu “Transtorno de Sinceridade Compulsiva”. Ela passou anos tentando me ensinar que uma boa mentirinha de vez em quando faz mais bem do que mal, mas acho que já desistiu de tentar me tornar uma pessoa menos “cerrrtinha”. O pior é que com o tempo ela foi pegando alguns dos meus piores cacoetes, tipo dizer pro namorado absolutamente tudo o que se passa naquela cabeça ruiva ou cismar com o menor sinal de anormalidade do pobre moço (“você tá estranho...”). Ainda bem que a gente tá sempre ali uma pra outra, pra sorte dos nossos pobres namorados, lembrando que há limites para a verborragia feminina!

Eu e Manélson somos fãs incontestes de Maryan Keyes e sempre compramos o livro novo dela nas férias de janeiro. Vamos lendo juntas e mandando torpedos uma para a outra para comentar as melhores partes. Também partilhamos o vício por seriados e a compulsão pelo Big Brother.

Às vezes tenho a impressão de que andamos meio afastadas e fico me perguntando se isso significa que mudamos e já não somos mais tão parecidas quanto antigamente (embora sempre tenha sido digno de nota o quanto as nossas semelhanças se disfarçassem sob um manto de absolutas diferenças!). Também me pergunto se essas mudanças seriam de fato na essência de cada uma ou apenas o resultado de momentos de vida desencontrados – ela namorandão, eu solteiraça, ela mais behaviorista do que nunca, eu flertando com a psicanálise, ela acordando com as cotovias, eu dormindo com as corujas.

Com mudança ou sem mudança, perto ou distante, uma coisa é certa: Manélson é e sempre será um dos maiores amores da minha vida.

Parabéns, Manélson!

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Dia da marmota


Em um dia como outro qualquer, o seu celular toca e você treme à medida que aqueles dígitos vão se revelando horripilantemente familiares: “Estou ligando para lembrá-la da consulta com o Dr. Danilo na próxima sexta-feira”. Resignada, você anota o dia e a hora em um pedaço de papel. Parece que foi ontem! Foram os seis meses mais rápidos da sua vida.

Então começa a operação-desespero: tentar recuperar em quatro dias tudo-aquilo-que-você-está-cansada-de-saber-que-deveria-fazer-todos-os-dias-antes-de-dormir, mas na prática consegue fazer mais ou menos uma vez por mês e olhe lá. A estratégia consiste em empregar simultaneamente todas as técnicas de limpeza de dentes, gengivas e língua aprendidas ao longo de duas décadas de ida ao dentista: escovar uma vez sem pasta, com a escova seca e posicionada no sulco gengival, em um ângulo de 45º (“esquecer que está escovando”); repetir a operação com a escovinha bitufo; aplicar o fio dental “desenhando um ‘c’ para dentro da gengiva, polindo o dente”; escovar a língua; passar o limpador de língua; limpar as bochechas e gengiva com gaze; bochechar com água de ratânia (meu deus, alguém realmente faz isso TODAS AS NOITES?).

Na noite anterior à ida ao dentista, gastar o dobro do tempo para realizar o ritual e, se preciso, repetir algumas operações mais de uma vez. Dormir com a língua formigando de tanta escovação. Na manhã seguinte, leite puro, sem nescau, nada de pão (trauma desde o dia em que o dentista berrou: “o que é isso???? Tem pão no seu dente!!!”) e repetir todo o ritual feito antes de dormir. Não esquecer de levar um pacote de gaze no bolso para passá-la novamente pelas bochechas e gengivas UM MINUTO ANTES DE TOCAR A CAMPAINHA (é incrível a velocidade com que se forma a placa bacteriana).

É de praxe chegar pelo menos 10 minutos atrasada (nem precisa de Freud para explicar...) e, ainda no carro, receber a ligação da secretária confirmando a sua vinda, com o neurótico do seu dentista bufando a um metro da coitada. Na chegada, o dentista invariavelmente vai se queixar do seu atraso, perguntar se você “ainda está namorando aquele músico” e pedir que você escolha o DVD que quer assistir durante a raspagem. Não adianta explicar a ele que você não gosta de estímulos sensórios no período da manhã (nem de DVD, nem de instrumentos de tortura medievais): ele acabará escolhendo aquele DVD chatíssimo do Toquinho, que é a única coisa que passa pela cabeça das pessoas quando você diz que gosta de MPB.

Então chegará a hora da verdade e, após a aplicação do corante de placa, os resultados dos seus esforços serão ou não recompensados. É verdade que ao longo dos anos a técnica vai se aperfeiçoando e os gritos primais emitidos pelo dentista durante a sua pós-adolescência (“isso está parecendo a Guerra do Paraguai!”) poderão gradativamente ser substituídos por leves comentários de incentivo. Mas, inevitavelmente, a sentença final será sempre a mesma: “a escovação está boa, mas precisa melhorar o fio dental”. E na seqüência: “Alessandra, passa o fio dental para ela ver. Aproveita e pega uma gaze para a gente mostrar como remover a placa bacteriana da bochecha”. É inútil afirmar que você vem seguindo as mesmas orientações durante anos, até um minuto antes de entrar no consultório. Placa bacteriana funciona mais ou menos como pane no computador: na presença do técnico, o problema desaparece e você passa por otário. Só que com a placa é ao contrário: basta a presença de um dentista em um raio de cem quilômetros para ela brotar em questão de segundos, independentemente dos seus esforços para debelá-la.

Você vai ganhar uma escova Oral B e o dentista vai pedir para você segurar o espelho em forma de dente e vai te mostrar mais uma vez como proceder à escovação: “escovar uma vez sem pasta, com a escova seca e posicionada no sulco gengival, em um ângulo de 45º (‘esquecer que está escovando’); não é o dente que você escova, mas a gengiva! Repetir a operação com a escovinha bitufo – você tem escova bitufo?; aplicar o fio dental ‘desenhando um ‘c’ para dentro da gengiva, polindo o dente’; escovar a língua; passar o limpador de língua; limpar as bochechas e gengiva com gaze; já te falei para experimentar o bochecho com água de ratânia?”

Com sorte ele vai te liberar do retorno de uma semana e te deixar marcar a próxima consulta só para dali a seis meses (mas você ainda precisa ficar esperta para ter certeza de que ele não vai mandar a secretária marcar para dali a cinco). Que chegarão como se apenas um dia houvesse se passado desde a sua última visita. A assistente, mais delicada e menos repetitiva, vai finalizar o polimento e entregar que o dentista tem os mesmos problemas bucais que você, enquanto ele vai aguardar no escritório ao lado ouvindo um bom CD de jazz e procurando no Livro de Bruxaria para Dentistas uma foto bem horrenda de gengivas retraídas para te assustar.

Finalizada a tortura, você passará ao escritório e ouvirá a mesma ladainha dos últimos dez anos: “como você é minha cliente desde criança, vou te fazer um preço especial. O valor do tratamento é cinqüenta e sete milhões, duzentos e vinte e quatro mil setecentos e oito reais, mas vou te cobrar só duzentos”.

E com um suspiro adolescente, de quem nunca superou aquela paixão platônica que os seus olhos azuis não deixam esquecer, ele fatalmente vai completar: “e não esqueça de contar para a sua mãe”.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Existencial



Será que o mundo me permite um minuto de irracionalidade?

AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!

Por que é tudo tão difícil? Por que as pessoas são tão miseráveis, por que sofrem tanto?

Por que não conseguimos ter a vida que queremos ou simplesmente nos contentar com a vida que temos?

Por que é que não conseguimos saber qual é a vida que queremos ter?

Por que é tão difícil aceitar que merecemos aquilo que temos? Ou o que queremos?

Por que, mesmo quando tudo está bem, sempre falta alguma coisa?

Por que, quando tudo está mal, ainda pode ficar pior?

Por que alguém não pode me dizer que escolhas eu devo fazer?

Por que a escrita não pode ser suficiente para apaziguar a minha angústia?

Por que precisamos tanto de dinheiro e, quando o conseguimos, ele não é o suficiente para garantir a nossa felicidade?

Por que o amor acaba? Por que tudo acaba?

Por que o tempo passa tão rápido e, ao mesmo tempo, tão devagar?

Por que entender as coisas não faz com que elas sejam mais fáceis?

Por que só somos capazes de apreciar determinadas coisas depois que elas não existem mais?

Por que temos que ter uma consciência tão aguda sobre nossa própria morte e nem assim conseguimos preencher a vida com significado?

Por que estamos todos sozinhos? Por que ninguém é capaz de compreender inteiramente o outro?

Por que nos foi dada a capacidade de perguntar se não nos são concedidas as respostas?

Antes que me perguntem, não aconteceu absolutamente nada. Estou apenas doendo a minha existência. Então com licença, deixem-me sentir um pouco de pena de mim mesma e de todos nós.

(Acabo de descobrir que minha cachorra mastigou quatro rolos novinhos de papel higiênico enquanto eu despejava as minhas mágoas existenciais no computador. Um desfecho perfeito para atestar mais uma vez a grande banalidade das indagações humanas.)

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Chá de sumiço


Federico, porto-riquenho radicado nos EUA, é agente funerário, tem cerca de 30 anos, é casado e tem dois filhos pequenos. Sua mulher, Vanessa, foi sua primeira e única namorada.

Após a morte da mãe, Vanessa embarca em um longo processo depressivo, ao qual Federico assiste, confuso e impotente. A presença da irmã de Vanessa em sua casa, estimulando-a a lidar com a depressão por meio do cartão de crédito e interferindo na educação dos filhos, é a gota d’água para que ele cometa a maior besteira de sua vida: envolver-se com uma prostituta.

O resto dessa história todos conhecem: mentira tem perna curta e logo a separação é inevitável. Arrasado, Federico ainda passa alguns meses “acampado” na mesa da sala de preparação de corpos da casa funerária onde trabalha, achando que a volta para casa é uma questão de tempo. Após uma “transa de recaída”, ele e Vanessa conversam seriamente e ela finalmente pede o divórcio.

Federico procura se conformar com o novo cenário. Arranja um quarto temporário na casa de seus sócios, que é também a casa funerária onde trabalha, e embarca na onda dos encontros virtuais. Um dia, durante o trabalho, uma janela “pula” de dentro do computador e Federico conta timidamente aos sócios que se trata de uma das garotas que ele conheceu pela internet. Antes de encerrar a breve relação digitando dez palavras apressadas, Federico explica a David e Nate que não houve química com a garota. Não parece perceber o espanto dos sócios quanto à objetividade com que deu o caso por encerrado.

Tempos depois, uma nova pretendente parece finalmente fazer o tipo de Federico. Depois de um ou dois encontros, Vanessa, com quem Federico ainda mantém uma relação amigável, convence-o a chamar o seu “date” para acompanhá-lo durante o casamento de seu sócio. Eles parecem realmente feitos um para o outro.

Alguns dias depois, Federico e a namorada estão na sala de TV. George, o novo marido da dona da casa (Ruth, que abrigou Federico por conta da separação) começa a se recuperar de um surto psicótico. George entra na sala em meio a um beijo ardente e, alheio aos acontecimentos, procura companhia por meio de assuntos irrelevantes e gestos de gentileza. Federico e a namorada não conseguem se desvencilhar do velho e ela decide que já é hora de ir para casa. Federico a convida para almoçar no dia seguinte e ela pede que eles combinem por telefone.

No dia seguinte, próximo à hora do almoço, Federico tenta falar com a namorada duas, três, quatro vezes. Mais tarde, deixa outros recados, concluindo que o horário do almoço já passou e ela provavelmente teve algum imprevisto. À noite, ainda sem notícias, Federico liga para a casa de Vanessa e avisa que não poderá levar os filhos para jantar, como haviam combinado, porque sua amiga está desaparecida. Vanessa se solidariza e aconselha Federico a ligar para a polícia.

Na porta da casa da moça, nem sinal. Não há resposta à campainha. O telefone continua tocando sem parar. Finalmente, Federico procura a síndica e implora que ela abra a porta do apartamento, temendo que algo sério tenha acontecido à namorada.
Por fim, porta aberta, a moça se assusta, se espanta e se irrita com a invasão: o que diabos vocês estão fazendo dentro da minha casa? Federico responde, com convicção: você sumiu! Fiquei preocupado... Combinamos de almoçar e você não atendia as minhas ligações!

A moça responde, entre incrédula e constrangida: pensei que você leria nas entrelinhas... Federico, ainda mais constrangido: ah, sim, claro... as entrelinhas.

Na noite seguinte, Federico tenta levar os filhos para comer uma pizza, mas Vanessa diz a ele que não pode marcar e desmarcar os programas com os filhos a toda hora. Aproveita para perguntar o que havia acontecido à moça que desaparecera durante todo o dia anterior. Federico, embaraçado demais para contar a verdade, diz que ela morreu de ataque cardíaco. Vanessa mal acredita na má sorte de Federico e acaba aceitando não apenas que ele leve os filhos para jantar, mas também lhes faz companhia durante a pizza.

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A seqüência de cenas descrita acima é um excerto da série Six Feet Under. Uma série cinco estrelas, que trata com profundidade e delicadeza o tema da morte e muitas outras questões e dilemas existeciais: o amor, a sexualidade, a solidão, a verdade, a identidade, a loucura, a arte...

Se a pincei dentre inúmeras outras que também me tocaram o fundo da alma, foi porque me vi nessa pequena tragédia do cotidiano de um coração romântico que, impelido pelas tormentas da vida (às vezes provocadas pelo seu próprio barco), volta a navegar sem bússola pela selva dos solteiros.