quinta-feira, 24 de julho de 2008

Não existe queijo ruim

No msn, ela contava ao amigo mineiro sobre a balada daquela noite. Sofrível. Acompanhara uma amiga animada a certo estabelecimento nos Jardins, de propriedade de representantes da mais fina elite paulistana, e o resultado não poderia ter sido outro: hordas de homens plastificados, robotizados, de peitorais assustadoramente definidos quase rompendo a camiseta justa, invariavelmente estampada com um brasão, corrente grossa no pescoço, cabelos duvidosamente penteados com gel. Até o cheiro daquelas criaturas era estranho. Simplesmente não pareciam desse planeta. A qualquer momento puxariam a máscara que recobria seus rostos e revelariam a sua verdadeira identidade alienígena. Sentira medo de olhar para os lados.

O amigo mineiro, ouvinte sempre atento e interessado, quis saber se havia rolado interação com o sexo oposto. Ela rebateu no ato: lera uma linha do que ela dissera? Achava que ela era mulher de dar mole para bonecos chuck? Ele assentiu, lera tudo. Mas ainda assim resolvera perguntar. Afinal, como se diz por aí, “no inferno abrace o capeta”. E completou: para mineiro, não existe queijo ruim.

Ela riu-se. Que revelação! Logo o amigo mineiro, sempre tão tímido, vira-e-mexe confessando seu sem-jeito na abordagem das mulheres, tão discreto. Não à toa se diz por aí que “mineiro come quieto”. Pois sim. Ora, ora...

De vez em vez ela se lembrava da máxima mineira: não existe queijo ruim. E ficava se perguntando quantas e tantas o amigo mineiro não devia estar aprontando, com tão poucas exigências em matéria feminina. Às vezes até se perguntava se não residiria no provérbio um tanto de sabedoria. Mas, ao lembrar dos chucks, rapidamente concluía que havia, sim, queijo de todo o tipo, mas nem todos eram para o seu paladar.

Tempos depois o amigo mineiro se aprochegou para uma visita à capital. Escolheram um bar simpático com banda de jazz ao vivo e aproveitaram para pôr em dia o assunto que o msn já não dava mais conta de atualizar. Papo vai, papo vem, voltaram ao tema dos queijos. Ele começou a teorizar sobre aqueles que, quando criança, ele julgava merecedores de ir à lata de lixo e, depois de adulto, passou a comer com gosto. Ela achou graça de ele tergiversar e comentou, maliciosa, que não era bem sobre queijo que eles falavam quando o dito veio à baila pela primeira vez...

Ele desentendeu-se. Sobre o que falavam então? Ela riu-se mais um pouco. Homem escorregadio... Tentou comer pelas beiradas: lembrava-se de uma conversa que haviam tido sobre “abraçar o capeta”? Ele lembrou, confirmou, mas garantiu que o queijo era uma coisa, o capeta era outra. Provavelmente falavam sobre comida quando ele pontificou sobre os laticínios.

Queria competir com a memória infalível da moça... Que não só se lembrava como tinha provas: guardara a conversa do msn. Assim que desse, demonstraria. E ainda arrematou: não se lembrava que tempos depois, em outra conversa ainda, ela perguntara a ele sobre a qualidade dos queijos em sua última visita a Minas? E ele respondera, malandramente, que “os queijos estavam perfeitos”? Queria agora convencê-la de que era realmente sobre queijos que eles falavam? O amigo afirmou, com patente seriedade, que da parte dele sem dúvida se tratava de queijos, laticínios, víveres, gênero alimentício.

Ela não quis dar o braço a torcer, mas encafifou-se. Seria possível que tivesse se enganado? Bem que às vezes achava o amigo mais apegado ao pé da letra do que ela... Na primeira oportunidade, correu para o histórico do msn.

Lá, no meio da conversa sobre chucks, correntes douradas, cabelos engomados, cheiros estranhos, interações com o sexo oposto e alienígenas, corria uma breve conversa paralela [entre colchetes] sobre o paladar infantil dela, que não se amigava ao álcool, e a sua preferência por um sabor de pizza que ninguém mais apreciava: catupiri com milho.

E logo depois da alusão do amigo ao amplexo no coisa-ruim, a máxima mineira [também entre colchetes]: não existe queijo ruim.

Ela teve que aceitar que Foucalt, Bakhtin, Freud & Cia. tinham razão. Impossível prever a infinidade de fatores que interferem no processo comunicativo...

O amigo mineiro? Um gentleman, é claro. Até que os queijos provem o contrário.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Caça com gato

Amiga, a dica da semana para driblar a estiagem é fazer da sua panela de pressão um poderoso umidificador de ar caseiro! Escolha legumes sortidos, de cores variadas, e faça uma sopa bem colorida! Encha a panela de pressão com água até a boca e deixe cozinhar em fogo baixo por cerca de uma hora, até o vapor umedecer todas as janelas da casa. Ao desligar o fogo e levantar o pino da panela, não deixe de aproveitar para inalar profundamente o vapor até o último minuto! Essa vale por uma receitinha da vovó, não?

domingo, 20 de julho de 2008

Amor perdido

Revirei gavetas e saudades. Levantei poeira de um amor perdido.

Não do último. Do primeiro. Se não o primeiro de todo, pelo menos o de fato e de direito. E não perdido pelo fim do amor – embora, de alguma forma, em algum momento, o amor em si também tenha se perdido –, mas perdido no mundo.

Endereço, telefone, e-mail, nada mais nos conecta. Nove anos foram suficientes para que todos os nossos pequenos pontos de contato deixassem de existir. Moramos em cidades diferentes. Em dois mundos diferentes. Não temos amigos em comum. Comum é o seu nome, tão comum que nem a velha lista telefônica é pista suficiente para reencontrá-lo. Nem mesmo o milagroso orkut.

Caberiam medidas extremas, mas em nome de quê? Tudo aconteceu há tanto tempo... O amor foi vivido inteiro, com começo, meio e fim. As vidas seguiram rumos diferentes. Enquanto ainda doía ficar sem ele, tentei mantê-lo perto de mim. Ele não quis. Foi em frente, amou de novo, guardou distância respeitosa. Eu também. Aquela que o amou é hoje um espectro, como se muitas outras vidas já houvessem se passado desde então.

Mas os e-mails empoeirados, de um tempo em que conhecer alguém pela internet ainda soava estranho aos ouvidos dos amigos, são a prova de que tudo aconteceu, e nessa vida. Fazem lembrar que o que se viveu foi muito mais do que um amor adolescente. Dois anos de um amor verdadeiro, que prevaleceu sobre uma diferença de sete anos de idade e seiscentos quilômetros de distância. Muitos dias de saudade, muitas noites de paixão. O frenesi de saber-se amada. O deslumbramento depois da primeira noite juntos. O primeiro eu-te-amo. O dormir abraçado, colado, fundido, no dia da morte do pai dele. O calor daquele quarto, daquele corpo. Tantas lágrimas derramadas pela simples inexperiência de amar e, ainda assim, a felicidade extrema. Ah...

Todos os outros estão perto, mesmo que não próximos; à distância de um amigo, sete quadras ou um telefonema. Ele não.

Fecho as gavetas e as saudades.

Assim é a vida.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Aforismo

Não existe chefe normal. Se você acha o seu chefe equilibrado e previsível, isso significa apenas que já se acostumou à loucura dele.

terça-feira, 1 de julho de 2008

A psicoescatologia da vida cotidiana

Depois de trabalhar durante quatro anos no subsolo, em salas sem janela ou com janelas que davam para o mais puro ar do estacionamento, olhando para paredes com mofo ou para trilhas de formiga, mudei de emprego e literalmente subi na vida: fui para o terceiro andar, sento de frente para a janela, meu lixo é limpo três vezes por dia, trabalho com um computador novíssimo, em uma cadeira para lá de confortável.

Mas o melhor de tudo é o banheiro. Banheiros individuais são um luxo! Especialmente para pessoas que, como eu, sofrem de prisão de ventre. Quer coisa mais constrangedora do que se haver com as suas dificuldades de evacuação ouvindo conversas alheias? (E, o pior de tudo, sendo ouvida?) Isso quando a chefe não resolvia despachar lá mesmo, no banheiro. Sorte que a surdez sempre foi desculpa convincente (e real) para não prolongar muito os assuntos separados por paredes.

Além disso, o banheiro coletivo do trabalho anterior não primava pela limpeza e não era raro encontrar um “presentinho” da usuária anterior, ou mesmo experimentar na pele os problemas de relacionamento com a descarga e depender da boa vontade de uma vizinha de boxe para conseguir um balde com água e apagar as provas do crime. Felizmente, são águas passadas...

Na nova sala, além dos banheiros claramente sinalizados e próximos das estações de trabalho, há um outro, de canto, escondido, que só fui descobrir depois de alguns dias. Levei algum tempo para entender por que algumas pessoas caminhavam resolutas naquela direção e só retornavam após alguns minutos. A desvantagem é que o espelho e a pia ficam em área externa – fora do campo de visão dos colegas de sala, é verdade, mas de frente para uma das janelas que dão para a rua principal –, inibindo aquela checagem obrigatória do perfil, dentes, cabelo, olhos e sobrancelhas. Por outro lado, uma vez que você passe por aquela porta, pode se ausentar durante um tempo significativo sem que os seus colegas de trabalho desconfiem dos momentos difíceis pelos quais você pode estar passando.

Dias atrás, o banheiro feminino principal estava ocupado e me dirigi ao “privê”. Antes de desabar sobre o vaso, no entanto, notei que ele estava sem água. Ufa! Ainda bem que percebi a tempo! Imaginem que mico usar o banheiro quebrado logo nas primeiras semanas do novo emprego. Discretamente me recompus, abri a porta e me encaminhei à segurança do banheiro nosso de cada dia.

Um ou dois dias depois, a cena se repetiu. Mais familiarizada com os altos padrões de qualidade da empresa – que se refletem, inclusive, na manutenção dos banheiros –, desconfiei da minha percepção inicial sobre o vaso quebrado. Afinal, a troco do quê deixariam um banheiro descontinuado sem nenhuma sinalização, permitindo que os funcionários passassem pelo constrangimento de utilizá-lo sem condições mínimas de higiene? Ou melhor, por que esperariam mais de dois dias para mandar consertá-lo? Por via das dúvidas, antes de qualquer coisa resolvi acionar a descarga. Bingo! A água jorrou na horizontal, de um lado para o outro da cavidade sanitária, com vazão suficiente para eliminar qualquer vestígio dos aliviamentos. Satisfeita, atendi ao chamado da natureza e voltei tranqüilamente aos meus afazeres.

Na terceira tentativa de usar o banheiro, resolvi arriscar: sem testar a descarga, entreguei minha contribuição ao vaso e torci para que o princípio da uniformidade da natureza humiano não me deixasse na mão. Foi nesse ato de coragem que entendi o fascínio que o tal banheiro exerce sobre as pessoas: já imaginou ter a oportunidade diária de examinar a sua produção “in natura”?