quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Chame a Júpiter

– Alô, bom dia! É da Júpiter? Por geintileza, *snif*, vocês têm convêñio com o...*Snif*, só um biduto... AH... AH... ATCHIM! Desculpe... Vocês têm convêñio com o Condobíñio, *funga-funga*, Baresias para deseintupibeinto de ralo, correto? Perfeito, *snif-snif*! Gostaria de ageindar a, *schuif*, visita de um de seus técnicos e... Bobentiño, por fav... AH-AH-AAAAAAAATCHIM!!!!! *Schuif*, desculpe, boço. Olha, se você tiver um serviço de deseintupibeinto de dariz, tô precisando também, viu?

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Conversas privadas em lugares públicos

Mais uma de banheiro, fonte permanentemente renovada de inspiração.

Mudamos de sede. Foram-se os banheiros individuais. Durou pouco a minha alegria: voltei aos velhos tempos de proletariado, partilhando com as colegas de trabalho os odores e ruídos de nossos momentos mais íntimos.

Nada que se compare aos constrangimentos do emprego anterior, quando a chefe nos chamava para ir ao banheiro e despachava em pleno ato de, digamos, despachar. Aqui pelo menos se mantém certo decoro; respeita-se, na medida do possível, a privacidade alheia.

Ainda assim, confesso que ando tendo problemas. Não sou do tipo que se recusa a fazer o número 2 fora de casa; pelo contrário, sofrendo de prisão de ventre desde criança, aprendi a nunca ignorar um chamado da natureza (e ela se supera a cada dia na capacidade de me chamar nos lugares e momentos menos apropriados – conheci o banheiro de boa parte das livrarias, supermercados, farmácias, lojas de móveis e rodoviárias que já visitei na vida). Mas já vou para o banheiro rezando para não encontrar ninguém e, se encontro, torço para não puxar assunto. E acabo levando pelo menos o dobro do tempo que levaria no antigo banheiro individual, em radicais e surpreendentes manobras para me tornar invisível, inaudível e inodora.

O número 1 também é uma lástima. Se acontece de eu entrar em uma cabine ao mesmo tempo em que outra pessoa adentra a cabine ao lado, nunca, jamais, em tempo algum consigo iniciar os meus trabalhos antes dela. Parece até um acordo de cavalheiros: “você primeiro, por favor, faço questão!”; “que é isso, de forma alguma, tenha a bondade!”.

Tempos atrás, a situação, que já não era das mais confortáveis, ganhou um novo ingrediente. Tentei ignorá-lo o quanto pude, afastando meus pensamentos dessa perturbadora constatação. Até o dia em que o inevitável e-mail de Amiga Fanta entrou em minha caixa postal: “MEU!!! É impressão minha ou quando a luz do banheiro está acesa dá para ver o interior da cabine refletida no vidro da janela???”. Me fingi de morta: “Pois é, parece que sim...”. Mas Amiga Fanta não deixou barato: “Ai, depois desce aqui no meu andar para fazer um teste comigo? Eu entro na cabine e te dou tchauzinho e você vê até onde me enxerga?”. Desconversei, mais uma vez: “Ai, Amiga Fanta, forget about it... Vamos partir do pressuposto de que ninguém vai entrar no banheiro com intenções voyeurísticas, né?”. E lá foi ela, a nossa certificadora de qualidade, inclemente, fazer o teste do banheiro e constatar que a visão externa da cabine revelava a intimidade da usuária do pescoço para cima. Sim, um tanto quanto perturbador. Mas procuro fazer disso um exercício de crescimento espiritual.

Naquela mesma semana, em uma carona coletiva até o Metrô Vila Madalena, a tal janela indiscreta rendeu muitas e muitas anedotas sobre banheiro, chamados inconvenientes da natureza e saias-justas envolvendo o aparelho excretor. Todo mundo tem pelo menos uma história própria, ou ocorrida com alguém próximo, para contar. A minha, por exemplo, envolve uma dor de barriga tenebrosa na minha chegada ao Peru, na casa dos amigos do meu avô, quando a descarga me deixou na mão. Sorte que havia um balde embaixo da pia e, com alguma paciência e muitos baldes de água, consegui eliminar as provas do crime. Bem, essa é uma história publicável. As impublicáveis, nem aqui...

Coroei a minha fase de problemas privados em lugares públicos na última quinta-feira, durante a festa de fim de ano da “firma”. Depois de uma “atividade cultural” (a única, apesar do grandiloquente nome do evento de dia inteiro: “Jornada cultural”) de uma hora e vinte, corri para o banheiro com a bexiga em ponto de bala. Logo atrás de mim mais uma horda de mulheres igualmente precisadas daquele momento íntimo com a privada. Pronto, foi o que bastou: meu xixi não saía de jeito nenhum. Precisei me concentrar, fazer uma breve meditação e entoar alguns mantras para vencer aquela barreira psicológica. E, ao sair da cabine, ainda me senti na obrigação de dar uma satisfação “a la Costinha”: “Nossa, só de saber que tinha esse monte de gente aqui fora, esperando para usar o banheiro, fui acometida pela síndrome do pinto tímido!”

Bem na minha frente, liderando a multidão, nada mais nada menos do que ela, verdadeira força da natureza, primeira, única e inigualável: a temível Moça do Comercial. Vamos chamá-la assim para evitar constrangimentos. Se você não a conhece, posso traçar o seu perfil psicológico em poucos segundos: animada, fala alto, ri mais alto ainda, desconhece qualquer traço de timidez e é o retrato da extroversão. É claro, ela é da Equipe Comercial! É ela quem sorteia os brindes da Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho; é ela quem grita “LINDOOOO!!!! EU TE AMOOOOO!!!” para o seu colega de equipe músico que resolveu dar uma discreta palhinha no almoço da festa de fim de ano; é ela quem aproveita o descuido do garçom, que derruba uma garrafa de cerveja em cima do moço da área de TI, para cantar uma música de strip tease e tentar tirar a blusa do rapaz em frente ao Diretor Geral. Sim, senhoras e senhores! Essa é a Moça do Comercial!

Voltemos à cena que há pouco acontecia no banheiro. Antes que eu pudesse atinar quanto às consequências do meu ato, soltei a piada do “pinto tímido” em alto e bom som diante da Moça do Comercial. “PINTO TÍMIDO?????” Ela repetiu, certificando-se de que ninguém em um raio de 30 metros deixasse de ouvir. “Feminino...”, acrescentei, derrotada, com um fio de voz.

No dia seguinte, a Moça do Comercial passou algumas vezes diante da minha mesa sem dar sinais de se lembrar do ocorrido. Minhas esperanças se renovaram: nem tudo estava perdido! Mas, antes de deixar o andar, a uma distância suficiente para que todos os meus colegas de equipe a ouvissem, soltou: “Muito interessante aquela sua frase no banheiro ontem, heeeeeein?”.

Por alguma razão, pensei em empadinhas envenenadas.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Sexo seguro, questão de vida ou morte

Meu blog não aspira a qualquer finalidade pragmática. Escrevo quando quero, sobre o que quero, falando daquilo que me toca, choca ou move sob uma ótica absolutamente pessoal. Fico feliz quando as pessoas gostam do que leem aqui, mas não levanto bandeiras, nem espero que concordem com o que eu digo.
Por outro lado, inegavelmente atinjo com meus posts um número de pessoas considerável. Alguns me conhecem e leem sempre, outros caem de paraquedas e acabam ficando, outros ainda dão uma bisbilhotada ocasional e depois seguem seu caminho. Pois hoje resolvi tirar partido dessa visibilidade para falar sobre algo que tem me preocupado muito, mesmo correndo o risco de me expor mais do que eu gostaria. Desculpem se minhas palavras incomodarem ou ofenderem alguns, mas há verdades que precisam ser ditas sem rodeios.
Estou muito, muito impressionada com a quantidade de homens que, em encontros casuais, já tentaram me convencer a transar sem camisinha. Estar desprevenido é chato, mas acontece nas melhores famílias; daí a achar que a falta de camisinha pode ser ignorada “só dessa vez” é uma burrice atroz. Essa proposta literalmente indecente costuma vir seguida de perguntas e afirmações tão absurdas quanto ela: “mas você não toma pílula?”; “confia em mim”; “eu tiro antes”; e mais uma infinidade de comentários que me fazem lamentar não ter um sistema de ejeção para expulsar o infeliz da minha casa antes que ele tenha tempo de abrir a boca novamente.
Acho inconcebível que em pleno século XXI, convivendo há décadas com a existência da AIDS, pessoas instruídas, bem nutridas e bem informadas ainda consigam se expor e expor os outros a esse tipo de risco, sem preocupação nem peso na consciência. Hoje, felizmente, a AIDS não é mais a sentença de morte que já foi antigamente; nem por isso se tornou menos grave e diminuiu a necessidade de se fazer sexo seguro.
Não estou tentando convencer ninguém a achar que camisinha é uma delícia, ou que dá na mesma transar com ou sem. No entanto, diante da evidência de que a via sexual é privilegiada na transmissão de doenças graves, só posso responder ao argumento duvidoso de que “a camisinha tira o prazer da transa” com outra evidência: não é uma questão de escolha. Não existem duas alternativas. Se o homem não consegue manter a ereção com camisinha, que não faça sexo com penetração. Você chuparia uma bala com veneno?
Outra coisa que não entra na minha cabeça é o discurso da “confiança”. Hoje já chegamos a um ponto da disseminação do HIV em que, se não conhecemos de perto alguém que já foi infectado, no mínimo conhecemos alguém que conhece alguém. E são pessoas exatamente iguais a nós, com o mesmo estilo de vida, com os mesmos anseios, medos e preocupações. Não dá pra saber olhando na cara de alguém se é soropositivo ou não (ainda bem!), por isso alguém que transa sem camisinha com frequência está sujeito a se tornar soropositivo sem sequer se dar conta disso. Quando um menino me diz “confia em mim”, penso: “e por que ele acha que pode confiar em mim?” Realmente, é muita ingenuidade, ou muita ignorância, achar que é possível saber “só de olhar” se alguém pode ou não estar infectado.
Toda essa situação, que já me deixa bastante chocada, tem me causado ainda mais preocupação porque, em mais ocasiões do que eu gostaria, ouvi amigas minhas contarem que também transaram sem camisinha. “A vontade falou mais alto, não deu para segurar”; “ele insistiu e acabei cedendo”; “eu sabia que estava fazendo merda, mas não consegui parar”. Sei que elas me contam isso esperando ter o meu apoio, ouvir algo como “não se preocupe, tenho certeza de que está tudo bem com você”, “todo mundo faz isso” ou “não se culpe, essas coisas acontecem”. Não consigo. Meu único jeito de ser amiga nessas horas é ser honesta: “faça o exame, e nunca mais faça isso, pois você se expôs a um risco muito grande”. É muito ruim falar assim com alguém que quer ser consolado por você. Mas como tapar o sol com a peneira?
Infelizmente, acho que tudo isso que estou escrevendo vai ter pouco efeito ou nenhum efeito para quem adota o sexo sem camisinha como prática (frequente ou ocasional). Duvido que alguma dessas pessoas não esteja suficientemente informada dos riscos que está correndo, dos meios de transmissão das DST – Doenças Sexualmente Transmissíveis (cujo nome é autoexplicativo) –, das formas de prevenção. Dar uma bobeira dessas só pode ser sinal de onipotência ou de autodestrutividade. De qualquer forma, não custa repetir mais uma vez: no que diz respeito à AIDS, ou a outras dezenas de doenças – Hepatite, HPV, Sífilis, Clamídia, Gonorreia, só para citar algumas –, não faz diferença que seja “só um pouquinho”, “só dessa vez” ou “rapidinho”. Uma única exposição a um parceiro contaminado já é suficiente para a transmissão. E a maior parte dessas doenças é incurável, ainda que tratável.
Há muitas ocasiões na vida em que corremos riscos calculados, sabendo que estamos nos expondo, mas julgando que o risco vale a pena porque pode nos trazer uma grande recompensa no final. Transar sem camisinha definitivamente não é um desses casos. Tenha amor próprio. Use camisinha SEMPRE.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O(s) dia(s) em que a Terra parou

Parecia uma terça como outra qualquer. Saí esbaforida de casa, às 6h55, cinco minutos antes do início do rodízio. Estou a dez minutos de carro do trabalho e, com um pouco de sorte, até hoje nunca fui multada nos meus cinco minutos de atraso, apesar de passar bem em frente à CET na Marquês de São Vicente.
Chuvinha chata, tudo molhado, tempo feio. Na Pompeia, alguns semáforos desligados. Confusão de carros nos cruzamentos. “Onde estão os marronzinhos quando precisamos deles?”, pensei, concluindo que chegaria ao trabalho mais tarde do que nas outras terças-feiras.
Diante do Shopping Bourbon, a fila de carros já não andava. Até então, parecia tudo culpa dos semáforos. Na Marquês de São Vicente o trânsito definitivamente parou. “É hoje que não escapo do rodízio”, pensei. Paciência. Liguei o rádio. Nada de o carro andar. Nenhuma informação de trânsito na Alpha, nem na Nova Brasil. Resolvi sintonizar na Eldorado.
“Nesse momento há 65 pontos de alagamento em São Paulo. As duas marginais estão fechadas. Não há rotas alternativas. Se puder, não saia de casa. Chove há mais de doze horas e a cidade está em estado de atenção”.
Desligo a chave no contato. Estou ridiculamente perto do trabalho, mas a fila simplesmente não anda. Alguns carros começam a atravessar o canteiro e pegar a pista em direção oposta. Além de temer a infração (a poucos metros da CET...), penso que não faz sentido voltar para casa agora, que estou tão perto.
Dez minutos. Vinte. Trinta. Cinquenta. O locutor de rádio pede que os motoristas mandem SMS com informações de trânsito. Nunca participei de um programa ao vivo! Logo ouço o meu recado no ar: “Andei 20 metros nos últimos 50 minutos. E estou a 200 metros do trabalho! Estou na Ermano Marchetti, perto da TV Cultura. Cristina”. O locutor comenta: “realmente, esta parece ser uma das regiões mais problemáticas, Regina”. REGINA? Puxa, na minha primeira participação ao vivo o locutor errou meu nome. Falta de consideração...
Os motoristas continuam escapando pelo canteiro da esquerda. Troco SMS com meus colegas de trabalho: onde estão? Não venham para cá! A Lu me avisa que a empresa está às escuras, com apenas três funcionários, e que a região do entorno está alagada. Sugere que eu volte para casa.
Mando mais um SMS para a Eldorado: “Pô, Caio, você me chamou de Regina! Mandei SMS há 40 minutos, continuo no mesmo ponto da Ermano Marchetti, com o carro desligado. Cristina”. O locutor pede desculpas, repete meu nome três vezes, diz que eu entendi mal e que ele não me chamou de Regina. Meus cinco minutos de fama graças às chuvas de São Paulo.
Quando vejo que daquele mato não sai coelho, rendo-me à barbárie. Dou seta para a esquerda, atravesso o canteiro, pego a pista contrária e chego em casa em dez minutos, às 9h15, praticamente duas horas e meia depois de ter saído. Hoje não tem expediente...
Não foi a minha primeira experiência do tipo. Dez anos atrás, durante as férias da faculdade, fui passar uns dias em Lorena, na casa de uma amiga. Na hora de comprar a passagem de volta, apesar de ser em geral a última a deixar a festa, resolvi ser ajuizada. Tinha uma sessão de acupuntura marcada para de manhã cedo, resolvi voltar no fim da tarde da véspera. Mesmo sendo Lorena tão perto de São Paulo, se algum imprevisto acontecesse eu chegaria atrasada e perderia a sessão, nada barata, com a qual eu arcaria do meu próprio bolso.
No meio da Dutra, o ônibus para. E não anda mais. E continua sem andar durante mais de uma hora. Um mar de carros para frente e para trás, todos desligados. Era a greve dos caminhoneiros. Não havia o que fazer, para onde ir. Dormimos lá, dentro do ônibus, no meio da estrada. O pior foi eu achar que, pelo fato de não ser um ônibus leito, não havia banheiro disponível. Minha bexiga foi duramente testada naquela noite.
No dia seguinte, seguimos viagem. Cheguei em São Paulo na hora do almoço. Obviamente, perdi a sessão de acupuntura.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Cuidar do lixo

Já faz alguns anos que separo dejetos não orgânicos para reciclagem. Em meu prédio há uma caçamba só para eles, no térreo, recolhida pela Prefeitura uma vez por semana. Não é preciso separar o lixo entre vidro, metal e papel: basta colocar tudo o que é reciclável em uma sacola e despejar no contêiner. A separação é feita na cooperativa. Meu único trabalho, nesse caso, é limpar e secar os dejetos antes de colocá-los na sacola, e depois levá-los até a caçamba dos recicláveis.

Pois essa pequena tarefa, por vezes, me é muito penosa. Confesso que frequentemente a faço só pela metade: separo caixas de leite sem lavar, potes de iogurte ainda molhados, um vidro com restos de molho de tomate... Convenço-me de que ainda é melhor separá-los assim do que simplesmente jogar tudo no lixo comum, mas às vezes tenho medo de que a minha falta de disposição para fazer o serviço completo torne os restos de embalagem inutilizáveis para a reciclagem.
E foi pensando nesse pequeno dilema doméstico, e no quanto por vezes adio o momento de jogar algo fora justamente para não me haver com esse dilema, que me vi mais uma vez refletindo sobre os relacionamentos e nossa nada simples condição de humanos. Como é difícil cuidar do lixo! Como é difícil encontrar disposição para lidar com algo que já não nos concerne, mesmo quando esse mesmo algo já nos proporcionou momentos de prazer e de saciedade da fome.
Cuidar do lixo é um esforço que só se sustenta se conseguimos contextualizar esse nosso pequeno gesto na luta por um bem maior. O lixo que sai da sua casa, e que você tem preguiça ou nojo de manusear, nunca volta imediatamente para a sua mesa ou geladeira, mas quando cuidado adequadamente se torna lá na frente um novo objeto que atenderá as necessidades de outro consumidor.
Aos chatos de plantão, peço que não sejam muito severos ao julgar a minha analogia: não penso nos relacionamentos como uma forma de consumo, nem defendo que as pessoas tratam seus ex-companheiros como lixo. Pelo contrário: penso que a sustentabilidade é um valor que deve ser cultivado tanto com os bens de consumo quanto com as pessoas. Requer algum esforço cuidar de algo que já não é nosso e que pode, inclusive, ter se tornado incômodo em nossas vidas, mas com algumas medidas simples podemos ajudá-lo a reingressar no ciclo da vida, voltando mais adiante a pertencer a outro contexto, com outro alguém.
No caso das pessoas, esse cuidado significa reconhecer a importância que tiveram para nós, e aceitar e assumir que o término de um relacionamento raramente se dá por uma ou outra característica do outro que nos incomoda, pois somos mais do que a simples soma de nossas partes e quem nos ama o faz para além de pequenos defeitos ou traços incômodos. Cuidar é ter coragem de dizer ou de aceitar que simplesmente estar junto com o outro deixou de fazer sentido. É poder preservar o nosso olhar afetivo em relação a esse outro, desejar-lhe bem, assumi-lo como parte da nossa história, deixá-lo ir sem alimentar ambiguidades ou tomá-lo como um substituto fácil quando nossas outras histórias não dão certo.
Não por acaso, ao assistir ao filme Annie Hall na Mostra de Cinema Woody Allen, me emocionei profundamente com as cenas finais, em que o protagonista Alvy (o próprio Woody Allen) reencontra por acaso sua ex-namorada Annie (Diane Keaton), convida-a para um café e eles passam uma tarde agradável lembrando os velhos tempos. A voz em off de Alvy comenta, enquanto eles se despedem à distância na calçada: “No final daquela tarde me lembrei de como Annie era uma pessoa boa e me senti feliz simplesmente por tê-la conhecido e por ela ter feito parte da minha vida”.
Quando estamos em nossa pior forma ou alguém nos trata com o maior desprezo possível, costumamos dizer: “me senti um lixo!”, ou “ele/ela me tratou como lixo...”. Por aí se adivinha que nossa relação com aquilo que não nos serve mais é da ordem do mais profundo descaso.
Cuidar do lixo não é fácil, mas com algum esforço podemos superar nossas resistências e dar um destino mais digno às coisas que um dia nos proporcionaram prazer. Lá na frente, esse mesmo cuidado tomado por outras pessoas também nos proporcionará novas e boas experiências.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Alô, Johhny!


Nem só de estudos avançados em esportes radicais de compreensão da mente masculina vive o Instituto Mulher Solteira. De tempos em tempos, realizamos em parceria com o Inmetro e o IPT testes de qualidade em aparelhos celulares.

A marca testada – e aprovada – de hoje é a Sansung, com o aparelho M2710, The Beat edition. Além de cumprimentar o fabricante, o Instituto Mulher Solteira torna público o seu agradecimento ao atendente da Claro Johnny, eleito o funcionário do ano pelo voto popular desta organização.

Além de simpático, Johnny revelou-se um funcionário ético e altamente comprometido com os interesses e a satisfação do cliente. Diante de oito aparelhos de marcas e modelos variados, todos disponíveis pela promoção de troca da operadora – e já descartados todos os modelos da marca Sony Ericsson, que haviam sido equiparados à empadinha envenenada dos piores planos de vingança da Mãe Sereia* –, Johnny foi educadamente intimado pela pesquisadora a escolher um deles como se o estivesse adquirindo para si. Seu nome e sua imagem foram devidamente registrados para reclamação posterior caso houvesse insatisfação por parte da usuária.

O aparelho Sansung já vinha apresentando desempenho altamente satisfatório em todas as categorias funcionais, com boa durabilidade de bateria, utilização amigável, ergonomia, estética, suingue e sensação. No entanto, não havia ainda sido submetido ao mais exigente dos testes – o Teste Morre, Infeliz, Morre, Infeliz ou, simplesmente, Teste Mimi.

Para maior objetividade e imparcialidade na avaliação do produto, o teste é sempre realizado durante a ausência da pesquisadora – em geral, quando esta se encontra no chuveiro. Dessa forma, o barulho da água caindo pode encobrir os ruídos dos golpes desferidos contra o sujeito avaliado, ampliando a fase conhecida como SF – Suspiros Finais. De modo a avaliar a perfomance do aparelho em condições de alta adversidade, o alarme do Teste Mimi costuma soar durante a segunda metade do banho da pesquisadora, para que ela o interrompa e recolha, ainda molhada, as partes do aparelho espalhadas ao longo da área de testes.

Segue o laudo da avaliadora: “Tendo em vista as categorias Resistência a Patadas, Resistência a Unhadas, Resistência a Mordidas, Resistência a Arremessos, Resistência a Decomposição das Partes, Resistência a Técnicas Avançadas de Tortura, Resistência a Saliva, Lambidas e Pelos, Resistência a Vandalismo Canino, Resistência a Esmagamento, Afogamento e Achatamento, uma vez recompostas as suas partes o aparelho Sansung M2710, The Beat edition voltou a funcionar normalmente, sendo, portanto, considerado APROVADO pelo Teste Mimi do Instituto Mulher Solteira”.

Valeu, Johnny!

* Ao sentir-se lesada por terceiros, a Mãe Sereia costuma apaziguar seus instintos de vingança por meio da fantasia de envio de empadinhas envenenadas aos cidadãos responsáveis pelo dolo.