quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Superfantástico

Toda mulher relativamente normal – e por relativamente normal entenda-se a mulher que apresenta os índices mínimos, inevitáveis, aceitáveis e até desejáveis de neurose, histeria, paranoia, neurastenia, hipocondria, verborragia e unha encravada recomendados pelo Ministério da Saúde – passa a vida inteira lutando para conquistar uma aparência fantástica. Lá pelas tantas, descobre o poder do blush, a força da mousse e os milagres da cintura alta e passa a reservar aqueles quinze minutos a mais de manhã para colocar os seus devidos nos conformes.

Toda mulher relativamente normal sabe que a ciranda-da-bailarina e o poema-em-linha-reta também se aplicam à busca da aparência feminina fantástica. Em outras palavras, não importa o quão fantástica ela consiga parecer, inevitavelmente em algum momento do dia será flagrada ajeitando o elástico da calcinha, tirando uma alface do dente, se livrando de uma remela insistente, disfarçando o bafinho com um Trident, limpando um resto de pasta de dente da testa. Enfim, é a aplicação da Lei de Murphy à Demanda da Santa Aparência Feminina Fantástica.
Toda mulher relativamente normal que se preze tem pelo menos uma amiga que, contrariando a sina das mulheres relativamente normais, consegue passar 24 horas por dia sem que um único fio cabelo saia do lugar. Está sempre vestindo o último grito da moda – e todas as suas roupas têm um corte impecável e um caimento de dar inveja a qualquer Gisele –, tem o cabelo sedoso, macio e cheiroso, maquiagem discreta, mas eficaz, porte elegante, graça, inexistência de manifestações acústicas ou odoras suspeitas, está sempre com cinturinha de pilão, pernas torneadas e o músculo do tchauzinho onde ele deve ficar. Além disso, em geral essa mesma amiga reúne explosivamente a irresistível capacidade de sedução feminina com aquela aura de mistério que a mulher relativamente normal passa a vida inteira tentando imitar, conseguindo, no máximo, em um efeito colateral bastante previsível, passar por antipática ou sonsa.
Toda mulher relativamente normal um dia cai na besteira de chorar as pitangas da ausência de homens à amiga superfantástica. Envolvida no seu relato dramático sobre o longo período de seca, os questionamentos existenciais que acompanham as crises de abstinência e as análises sociológicas envolvendo homens inassertivos que simplesmente não conseguem fazer frente à exuberância da mulher contemporânea, ela não se dá conta do que está por vir. E quando percebe, já é tarde: os olhos da amiga superfantástica começam a expedição desde o seu dedo mindinho até o último fio de cabelo (naturalmente fora do lugar), passando pelo pânceps, parando nas suas unhas não feitas, examinando com leve ar de desaprovação a sua blusa larguinha e espremendo os olhos ao avaliar o seu batom borrado. Logo vem o decreto – firme, mas sem perder a doçura:
- Você precisa começar a se arrumar melhor...
Nesse momento, a mulher relativamente normal, no epicentro do seu complexo de abajur, tenta em vão reunir desculpas pouco convincentes para derrubar a tese da amiga superfantástica:
- Mas eu devo te dizer que você me pegou em um dia ruim! É que todas as minhas roupas estavam sujas e tive que apelar pra essa blusa velhinha... Ah, não deu tempo de fazer a unha. E esse final de ano, menina? Impossível manter a silhueta, né? Ah, o meu batom está borrado? Nossa, se eu te contar o dia que eu tive você não vai acreditar...
Passada a fase de negação e minadas as últimas resistências, a mulher relativamente normal acaba se rendendo à superioridade da amiga superfantástica. E, sabendo das suas boas intenções e do seu bom – e impecavelmente asseado – coração, deixa-se afundar no sofá enquanto a outra examina o seu guarda-roupa e sentencia:
- Esta calça boca-de-sino está totalmente fora de moda... Essa bota até que é legal, mas tente comprar uma com o bico mais fino... Você precisa de umas camisas sociais! Esse casaco é lindo, por que você nunca usa? Você precisa realçar esses olhos, não pode desperdiçá-los assim! São a sua maior arma!
A mulher relativamente normal assente, humilde, e promete que vai se esforçar. A partir de amanhã acordará quarenta minutos mais cedo, passará base, corretor de olheiras, rímel, blush, protetor solar, protetor labial, mousse. Escolherá uma calça justa que realce suas formas e valorize o seu traseiro, comporá com uma camisa social de corte moderno, um sapato de bico fino, uma bijoux descolada e algum toque charmoso no visual. Sorrirá para os homens, rirá de suas piadas sem graça, jogará os cabelos para trás e lançará olhares misteriosos a todos à sua volta, dona de um segredo íntimo e inconfessável.
Investida de novo ânimo, a mulher relativamente normal se despede da amiga, cheia de boas intenções e renovadas esperanças. Apenas na hora de dormir, na escuridão do quarto, vestindo o seu pijama de flanela e a sua placa de morder, a mulher relativamente normal suspirará, resignada, diante da obviedade que ela não confessa nem sob a tortura de uma depilação na virilha: não importa o quanto ela se esforce, ela nunca, jamais, em tempo algum alcançará a aparência superfantástica da sua amiga superfantástica.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Entre nós

Noite dessas, rolando na cama sem conseguir dormir (foram algumas assim, essa semana), me peguei pensando em você. E uma dúvida me passou pela cabeça: será que é comum você despertar nas pessoas essa sensação que desperta em mim? Uma hora me sinto próxima, muito próxima de você. No momento seguinte, você me parece um estranho.

Aí me peguei pensando o que é que você faz de vez em quando que me dá essa sensação de tanta proximidade. Talvez seja a sua sinceridade extrema – com contornos diferentes do meu Transtorno de Sinceridade Compulsiva – que, se às vezes chega ser desconfortável, em outros momentos deixa transparecer um afeto e até uma doçura que me surpreendem.

Por outro lado, os nossos tempos são absolutamente diferentes. Se eu passo dois meses sem falar com você, quando te encontro você diz: “estava quase te mandando um e-mail”... Se marcamos de nos encontrar e não dá certo, a sua próxima visita só vai acontecer muito tempo depois, por acaso, quando eu já não estiver mais esperando. Então, talvez seja esse seu timing, tão estranho para mim, que me faça sentir a anos-luz de você em outros momentos.

Uma vez te acusei de não ser transparente e você se chateou. Acho que você tinha razão. Não é que você se esconda; simplesmente é da sua natureza ser opaco. Ou, ainda, o meu olhar, “nítido como um girassol”, não é capaz de perceber e distinguir seus matizes. E, embora eu me ressinta do meu excesso de obviedade, não posso deixar de admitir como é boa a sensação de ter sempre ainda algo a descobrir a seu respeito.

Eu confesso, às vezes também me chateio. Você sabe disso. (E pede desculpas, me desconcertando mais uma vez.) Mas faço o possível para não te julgar. Quem disse que você tem que ser igual a mim? Quem disse que ser diferente de mim é sinal de indiferença? Você sabe, continuo praticando a tolerância às diferenças. Ainda acho que ela gasta mais calorias do que uma aula de hip hop e faz bem ao coração (será que ajuda a diminuir os efeitos do prolapso na válvula mitral?).

Eu poderia mandar essa mensagem diretamente a você. Mas, sendo este um desses momentos em que me sinto distante, preferi colocá-la em uma garrafa e soltá-la no mar, esperando que ela encontre o seu destino. Afinal, não foi assim que aconteceu da primeira vez?

É isso aí. Sinto sua falta.

Inverno austral

Me disseram que fazer 30 anos não ia doer nada. Vamos fazer uma rápida retrospectiva do último mês de minha vida:

- Na manhã da minha viagem de férias ao Rio de Janeiro, minha calça nova rasgou na passagem pelos quadris (o detalhe é que ela foi comprada exatamente porque minhas calças velhas estavam apertadas)
- No metrô carioca, uma mulher educada me ofereceu um assento no metrô (ahhhh, não estou grávida, obrigada!). Maldita moda das batinhas! – uma amiga tenta me consolar
- No dia do casamento da minha prima, descobri que três rugas haviam nascido embaixo do meu olho esquerdo (e ouvi da minha prima que uma dermatologista-carniceira lhe sugeriu uma aplicação de botox pré-casamento)
- Numa conversa com uma amiga de 25 anos, ela me perguntou se a moça de quem eu falava (que tem 32 anos e namora um rapaz de 21) está “conservadinha”
- Na praia, constatei com horror que minhas coxas começaram a raspar uma na outra

Só me resta afogar as mágoas no karaokê da Mama, cantando I’ll survive ao lado do Roberto Carlos japonês.

Fast forward

Aniversário, casamento, outro casamento, velório, outro aniversário, outro casamento, outro aniversário, outro aniversário [virose]... (isso sem falar nos aniversários que eu não pude prestigiar, ou porque estava em um casamento, ou com virose...)

Minino, que esse 2009 chegou com fome de viver!