quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Encontros e ex-encontros

Vinte e vários anos, um blog e nenhuma certeza. Uma ou duas quebradas da vida e aprendeu a não esperar mais pelo certo. Encontros que a vida proporciona, certos e errados.

Assim se conheceram. Força de expressão. Acharam-se. Ele a leu, diz curtiu o romantismo, já a conhecia há muito tempo? Intrigado, resolveu dar as caras.

Ela respondeu animada. Valei-me, Nossa Senhora da Interatividade. De brinde um presente musical e a dica de que ele prestava atenção.

Palavras escritas às duas da manhã, laptop apoiado em caixas de papelão. Pensamento ainda sem forma que começa a ocupar boa parte do dia.

Pergunta pouco, fala muito, descobre mais ainda. Tantas semelhanças com o ex que até se assusta. Mas não esquece a lição: viver o encontro...

Cento e quarenta páginas. Setenta per capita. Menos de um mês. Começa a assustar. Mas a conversa é boa...

Quer ser safa, mas tem coração de moça. É romântica, mas cabeça é de mulher. Não sabe se fica ou se vai, se vai ou se fica. Entra na toca, mas espalha farelos de pão (que os passarinhos não comeram) indicando o caminho do esconderijo.

Ele espera, espreita. Responde em código morse: sabe quem ela é, e ela também. Está tudo certo.

Daí pros esse-eme-esses um pulinho. Dois, três, quatro por dia. Loucura, baby, loucura. Quem é? Que cara tem? O último, lá pelos idos do século passado, não tinha um dos dentes da frente. Ela educada demais para fugir pela janela do banheiro. Achou-se vacinada. Qual!

Quando do desencontro, sem saber direito a cara de um, o focinho de outro (com dente? Sem dente?), ela decide passar da rede à vida. Vai no susto, pega desprevenido, ele em bicas, ela em frouxos de riso.

Só a música salva. Ela mezzo-mussarela, mezzo-calabresa: o descompasso era inevitável – mas, afinal, ele era ele!

Ele queria ouvi-la cantar ainda por um bom tempo...

Coração de moça e cabeça de mulher solteira andam cada um para um lado. Escolha é renúncia... O sim é maior que o não? Ele tão menino...

Reciprocidade assusta. Mais: a certeza do outro aumenta a dúvida do um. Ele vem com energia... Vem menino, manso, mas afirmativo. Escreve, torpedeia, convida, pergunta, conta, fica perto. Ela responde, retorna, não vai, vai, embarca, hesita, fica perto.

E o medo? Ele sabe dela. “Minha vida é um livro aberto”. Ela, não obstante, teme. Ele não veio de passagem. E ela é auto-declaradamente “definitivamente a mulher certa”, mas queria errar! Só não à custa dele.

Incertezas conduzem a desfechos precoces. Ao som de “Eduardo e Mônica”, um dia ela racha, ele diz vem, ela vai, uma coisa leva à outra, a outra leva a outra ainda e essa ainda leva a uma terceira, mas depois essa última não leva a lugar nenhum. E diante disso, ela segue recomendações médicas e sorri um sorriso amarelo.

O que fazer quando se chegou perto demais? O impostor só fala sobre o tempo – persona ou self.

Ela tenta ser bad, bold, wiser, hard, tough, stronger, cool, calm, mas não calça 36. Entre o que se deve ser ou o que se é, fica com a segunda opção, torcendo pela múltipla escolha. Suas entranhas numa bandeja.

Altruísmo ou inconsciência, ele tenta, desajeitado, mas não nasceu equipado para tal (Ah, o curioso hiato existente entre o discurso e a ação!).

Por fim, jorra: “não quero!”.

Primeiro o alívio (mulheres amam palavras!), depois a mansidão e, por fim, o vazio. Vida irônica. Disse uma sábia: “cada um de nós assume um risco ao entrar em relação com o outro. Cuide do seu que ele cuida do dele”.

Palavras não quebram ossos. Silêncio de lado a lado. Quantos equívocos...

Resta um blog. Ela tem internet discada, mas desconfia que nem uma banda larga teria dado conta de tantos desejos velados.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Meditação

Nos meses de dor a amiga dizia: “é como ver uma cidade pela janela de um carro. Agora você acabou de sair dela, mas aos poucos vai começar a vê-la cada vez mais longe... daqui a um tempo você vai vê-la longe, longe... até ela ser só um borrão, uma mancha colorida no horizonte”.

A analista dizia: “tem pelo menos um ano para começar a doer menos. Você vai ter que atravessar todos os aniversários – o seu, o dele, o de vocês –, o Natal, o Ano Novo... não se assuste se você ficar um pouco regredida nessas datas.”

Eu dizia: “é como um espiral. A minha recuperação vai fazendo voltas, passando por momentos de dor e momentos de tranqüilidade. Não é uma linha reta, é circular, mas cada volta para a dor é menos doída do que a anterior.”

Todas tínhamos razão. Já faz quase um ano e meio. Cada vez fica mais longe. Os primeiros aniversários ainda doeram. A cada etapa da recuperação, uma pequena recaída, mas levantando cada vez mais rápido.

E o seu aniversário veio de novo. E sabe do que mais? Eu só lembrei dele quase no fim da tarde, fazendo um ofício apressado. Ainda me bateu uma dúvida: 18 de outubro? Era 18 de outubro? Ah, é, era no mesmo dia que o meu, só que em outubro...

Eu passei a madrugada da véspera quase sem dormir, com uma enxaqueca horrível. Mas não me lembrei do seu aniversário. Ele chegou, passou e a vida continuou.

Tento me projetar para o futuro como uma pessoa evoluída, que vai conseguir te encontrar de novo e sorrir, perguntar sobre as suas coisas, contar das minhas sem ficar amarga, sem parecer irônica e nem sentir as pernas bambearem. Será que um dia vai dar pé?

Eu não sei. Faço esse exercício mental quase diário de te ver de longe, como a cidadezinha da janela do carro. Às vezes consigo, às vezes não. Hoje, por exemplo, me peguei entrando no seu site e clicando no botão para a minha música.

As suas músicas são quase como filhas para mim. Filhas postiças, que vieram junto com você e, depois da separação, eu deixei de visitar porque não são minhas, só posso vê-las de longe, do outro lado da rua. Mas vira e mexe me pego distraída, cantarolando uma delas. E a música que você fez pra mim é como a filha que um dia a gente quis ter juntos, aquela com quem você sonhava e que agora vai ser de outra mulher.

A minha música faz o meu coração dar nó. Vem uma saudade que quase não cabe dentro da minha casa. Como o amor que você um dia teve por mim, aquele que não cabia dentro de você.

E por que eu continuo fazendo isso, mesmo com você lá longe, mesmo doendo cada vez menos, mesmo tendo aprendido a viver sem você?

Talvez para confirmar para mim mesma, como numa oração: eu vivi. Eu amei. Minha vida não passou em branco.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Fiat lux

Após uma semana nas trevas, finalmente a linha telefônica da minha casa foi restabelecida. E, por incrível que pareça, na minha casa é assim: sem telefone, não tem Internet. E sem Internet, nada de Mulher Solteira.

Lamentavelmente – ironia das ironias! – agora que tenho telefone e tempo, me falta inspiração.

sábado, 13 de outubro de 2007

Comédias da vida privada

Mudança de apartamento, uma novela que nunca termina. Domingo, final de tarde, traslado das roupas do bloco B para o bloco A. A mãe sereia já havia dado uma boa ajuda no dia anterior, carregando cabides e mais cabides pendurados em cabos de rodo e vassoura, mas vejam bem, a mãe sereia já é uma sessentona. Não dá mais para abusar.

A operação de guerra acontece a apenas duas mãos: junta caixa, abre elevador, põe caixa, fecha elevador, desce, abre elevador, atravessa do bloco A pro bloco B, abre elevador, põe caixa, fecha elevador, sobe, abre elevador, abre porta, tira caixa, põe caixa, fecha elevador, fecha porta, abre armário, põe roupa na caixa, abre porta, abre elevador, põe caixa, fecha porta, fecha elevador, desce, abre elevador, tira caixa, atravessa do bloco B pro bloco A, abre elevador, põe caixa, fecha elevador, sobe, abre elevador, tira caixa, abre porta, põe caixa, solta porta do elevador, ufa, entra em casa. Tudo isso repetido quatro vezes, a ponto de, após algumas idas e vindas, não saber mais se está no bloco A ou no bloco B, se tem que apertar o 11º ou o 4º, se a caixa deveria estar cheia ou vazia.

Lá pelo fim da terceira viagem, após, portanto, a segunda repetição de toda a tramitação supracitada, fecho a porta para descansar por alguns segundos. Toca o interfone na casa nova. Ih, deve ser a síndica reclamando que eu estou fazendo mudança em pleno domingo à noite. A síndica é gente boníssima, mas é linha dura. Atendo com a minha melhor voz:

- Alooou???
- Alô, Dona Mulher Solteira? É o Clayton.
- Oooi, Clayton, tudo beem?
- Tudo, obrigado. Viu... o cachorro da senhora desceu...

Três segundos de pausa. Radar materno procura focinhos, chucas e patinhas em volta e conta: um focinho, uma chuca e quatro patinhas. Temos um fugitivo.

- Meu Deus! Mas onde ela está?
- Ah, ela tá no elevador...

Abro a porta do apartamento em clima de resgate. Chamo os dois elevadores ao mesmo tempo – dane-se a política de economia energética. O primeiro a chegar é o social, cheio de gente, abro a porta esbaforida, peço desculpas e fecho novamente.

No segundo elevador encontra-se a fugitiva, com uma expressão corpo-facial que eu definiria entre “onde estou? Quem sou eu? Qual o sentido da vida?” e “xi, acho que fiz merda”. Sorte dela que o ataque de riso foi tão grande que a bronca ficou para outro dia.

Minha mãe é uma sereia II

I.

- Bereca, você precisa ver as fotos da viagem. As igrejas de São Petesburgo parecem a casinha de João e Maria!

II.

- Sabem, na semana passada o Pimpão [sobrinho canino da Mulher Solteira] começou a lamber a minha blusa de lã e primeiro eu achei que tivesse derrubado alguma coisa doce nela. Mas depois me dei conta de que ele deve ter achado que eu era um bicho com um pelo bem macio...

Rosa dos ventos

Após longo e tenebroso inverno, finalmente começo a retomar o ritmo das caminhadas com as cachorras pelo bairro.

Feriadão, visita marcada pra Comadre (alô, Comadre!), calor de rachar, voltinha rápida no quarteirão só para deixar as periquitas respirarem um pouquinho de ar fresco (ou morno).

Na saída do prédio, Lola puxando a caravana, Mimi cheirando cada cantinho da calçada, um par de olhos azuis cintilantes, desses que te fazem se sentir lambida, baixa o vidro do carro para pedir informação:

- Olá... você sabe me dizer onde fica a Rua Tal?

Pane no sistema. A minha ausência de bússola interna é pública e notória. Já faz anos que parei de dar informação na rua, pelo bem da Humanidade. Mas esses olhos, meu Deus, que olhos são esses... Sem me dar muita conta do que estou fazendo, balbucio algumas frases desconexas:

- Olha, a Rua Tal... é pra lá. Lá pra trás. Você tem que voltar pra lá, pegar por exemplo a Rua X, onde acaba essa... e depois ir mais pra lá... Eu sei que é pra lá...

Os olhos agradecem, tento reconjuntar o corpo e a comitiva para prosseguir o passeio, rosto quente, mãos suadas. Mas os olhos azuis voltam à carga, dessa vez acompanhados de um sorriso de derreter neve:

- Eu consigo voltar por aqui?

E a boca responde, automaticamente:

- Consegue, consegue sim... é só dar a volta no quarteirão.

Não preciso de mais de um minuto para me dar conta de que não dá para voltar pelo caminho que indiquei. Duas ou três quadras para cima a rua fica contramão. Aliás, a Rua Tal era para o lado de lá mesmo? Gelo. Acho que indiquei a direção oposta.

Ainda bem que provavelmente nunca mais vou vê-lo, penso eu, envergonhada do meu desserviço.

É. Provavelmente nunca mais vou vê-lo.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Todos dizem eu te amo

Varei a noite assistindo ao Woody Allen.

Faz mal trocar a noite pelo dia.

Mas às vezes a vida precisa tanto de um pouco de ficção.

De manhã me deitei ao lado de uma lembrança doce e triste e dormi aninhada na minha pequena solidão.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

A árvore da felicidade

Quando eu estava na segunda série, a tia Liginha se casou. A tia Liginha era a minha professora da segunda série. Como era de praxe naqueles tempos (será que hoje ainda é assim?), a auxiliar de classe organizou os alunos para decidirmos que presente de casamento daríamos à tia Liginha. Depois o presente seria rateado pelos pais dos pimpolhos e todos ficariam felizes.

Tenho lembranças borradas desse episódio, mas anos depois, pensando sobre isso, algumas das sensações voltaram vívidas. A auxiliar deve ter feito uma espécie de brain storming com a gente (fico me perguntando como elas conseguiam fazer a gente criar aquelas histórias coletivas, que elas iam escrevendo na lousa à medida que a classe ia chegando a um certo consenso. Que talento!) e chegamos a duas idéias: uma árvore da felicidade e um aquecedor elétrico.

Eu nunca tinha ouvido falar na tal da árvore da felicidade e muito menos vira uma na vida, mas soou como música aos meus ouvidos de “Laurinha” (“isso é tão romântico, professora Helena!”). Que presente poderia ser mais apropriado a um casal, por ocasião do seu enlace matrimonial, do que uma árvore, o símbolo da vida, do renascimento, da natureza, e ainda por cima da felicidade? (Se alguém duvida de que eu tivesse esse tipo de pensamento aos nove anos – embora provavelmente eles não fossem expressos nessas palavras –, posso mandar um exemplar do livro de mitos e lendas que escrevemos na quarta série; a minha se chamava “A lenda da árvore renascente”. Laurinha na veia!) Imediatamente me convenci de que o presente não poderia ser outro! E curiosamente cerca de metade da classe se posicionou da mesma forma.

A outra metade, como se pode imaginar, estava mais preocupada era com os pés gelados da tia Liginha naqueles dias frios de agosto, e achava que um aquecedor elétrico era um presente bem mais útil e prático de que uma planta que ia morrer em alguns meses largada em algum canto da casa. Aliás, a outra metade estava completamente convencida de que a árvore da felicidade seria um presente de grego.

Essa talvez tenha sido minha primeira experiência vivida sobre o embate entre o romantismo e o pragmatismo – e eu, como não podia deixar de ser, precocemente assumi a minha essência romântica. Sempre dou risada hoje em dia ao pensar sobre isso – um bando de crianças de oito anos tentando decidir entre a matéria e o espírito, entre o real e o simbólico, entre o utilitarismo e o fim-em-si-mesmo. Grandes lições aprendidas na segunda série!

Felizmente optamos pelo caminho do meio, contamos os vinténs dos nossos pais e decidimos que podíamos dar os dois presentes – assim a tia Liginha e o seu marido estariam quentinhos para apreciar a felicidade proporcionada pela sua árvore.

Pensando na minha finada violetinha e considerando que o meu chuveiro e a minha cama já me deixam suficientemente aquecida, me ocorreu: será que não está na hora de ter uma árvore da felicidade?

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Nota de falecimento

É com pesar que comunicamos o falecimento da violetinha da mesinha de centro. A despeito da mudança para um apartamento com sol direto, dos constantes ajustes na freqüência com que se molhava o seu pratinho (porque violetas não gostam de água que vem de cima), da poda sistemática das folhas, a violetinha, como a camélia, suspirou uma última vez e decidiu que não queria mais permanecer nesse mundo. Restou um vaso com terra e nada mais. Duas cachorras com franjas aprisionadas por um amor-em-tóquio velam o seu silêncio.

A violetinha deixa no mundo irmãs, mães e filhas que, no Dia das Mulheres, tiveram um destino mais promissor: foram morar em casas ou mesas de trabalho de gente que sabe como fazer as plantas viverem.

(Nessa casa as plantas não sobrevivem.)

(Pelo menos a capacidade de amar não morre nunca.)

domingo, 7 de outubro de 2007

Dor e delícia

Uma das coisas que a minha vida de solteira me mostrou é que eu sou macha pra caramba. Mesmo com o coração em frangalhos, consegui sustentar a minha independência financeira e emocional e administrar uma casa, um trabalho, um carro, uma faxineira, três estagiários, duas cachorras e, principalmente, a mim mesma.

Em um determinado momento do ano passado a minha mãe me jogou um canto de sereia (afinal, ela é uma sereia, não?) para que eu voltasse a morar na casa dela, mesmo que temporariamente. O convite não fez sentido para mim. Embora eu me sentisse um pouco sem chão e tudo aquilo que eu havia sonhado e desejado para o meu futuro tivesse deixado de existir de uma hora para a outra, assumi as minhas escolhas como sendo minhas e decidi que o caminho da independência era um caminho sem volta.

O mais importante, porém, é que para além de sobreviver e conseguir administrar as coisas, em pouco tempo eu consegui resgatar a minha alegria. Reencontrei o prazer de pensar e conversar sobre a vida e os relacionamentos; de escrever sobre isso; de ler um livro até de madrugada, sem vontade de parar; de ver um filme que me deixa leve, leve ou me conduz para os meus recantos mais sombrios; de sentir o meu corpo através da yôga, das caminhadas pelo bairro com as cachorras, da dança; de ouvir música, de cantar, de conversar sobre a música; de ajudar, prestigiar ou simplesmente estar na companhia dos amigos; de rir até a barriga doer e as lágrimas escorrerem; de me emocionar com a beleza que existe em cada pessoa. De estar viva, enfim.

E quanto mais eu resgatava essas alegrias, mais forte me sentia. Foi-se o tempo da melancolia, da fragilidade, da instabilidade. Veio o tempo do equilíbrio, da sabedoria, da maturidade. E então eu me deparei com esse grande paradoxo: o amor, o estar com o outro, o relacionamento amoroso, que me parece um dos encontros mais sublimes e necessários da vida, sempre despertou em mim o meu lado mais primitivo, regredido, infantil.

Pensando sobre isso, me dei conta de que um dos maiores aprendizados da minha vida até hoje foi esse aqui: as pessoas não existem para promover o nosso prazer ou aliviar o nosso sofrimento. Elas existem, simplesmente. E espera-se que possam, na maior parte do tempo, compartilhar conosco os nossos momentos de dor e alegria. Mas ser o responsável pela felicidade ou infelicidade de alguém é um fardo demasiado pesado para se carregar.

Eu sempre me perguntava, com curiosidade: como será que essa minha fase “mulher solteira” vai afetar os meus próximos relacionamentos?

Então alguém se aproximou. E gostou de mim. E quis saber mais e mais sobre a minha dor e a minha delícia. E me deixou entrar na sua vida. E por mais que tudo isso viesse acompanhado de uma grande dose de medo, dúvida e angústia, o meu coração começou a bater acelerado outra vez.

Infelizmente, junto com o frio na barriga e o suor nas mãos vieram, com toda a força, a fragilidade, a melancolia, a instabilidade. E a pergunta: Por que essa necessidade, ou, mais ainda, essa vontade de mostrar tudo isso para o outro? É quase como uma forma de dizer: “Olha, eu sou isso aqui. O pacote é esse. Vai encarar? Não é bolinho não, pensa bem...”. Aos olhos do outro aparece uma pessoa desmantelada, desmilingüida, esfacelada. E por mais que esse outro tenha continência, afeto, disponibilidade e queira encarar a empreitada, às vezes fica tudo muito, muito indigesto.

Conversando sobre isso com uma amiga (o que seria de nós sem os amigos?) veio a luz: “Mulher, você não precisa repetir esse padrão de fragilidade em todos os seus relacionamentos. Você é forte, não precisa disso”. É verdade, não preciso mesmo. E o mais estranho de tudo é pensar no quanto, no momento em que tudo aconteceu, isso era algo muito consciente para mim. Ainda assim, não consegui fazer diferente. (Auto-sabotagem?)

Eu tinha muita curiosidade em relação ao meu futuro e ele chegou. E eu rateei. Mas já estou aqui apertando uns parafusinhos de novo. Se a gente não aprender com a experiência, não sai do lugar.

Eu sinto que perdi uma coisa muito preciosa e me sinto triste por isso. Não sei o quanto eu fui responsável pelo que aconteceu, porque, afinal, para além das nossas ações, desejos e buscas, há o eterno parecer do imponderável – aquele deus que decide, aleatoriamente, lá de cima, a quem ele vai conceder o privilégio do encontro. Mas não posso me eximir da minha responsabilidade – para comigo mesma. Não posso me deixar desmantelar – por mim mesma. Ficou a lição. Na hora em que tudo começar a derreter como uma geléia e der aquela vontade de sentar no pudim, tem que vir de dentro o comando: “Mulher! Put yourself together!”.

Já dizia o meu amigo Riobaldo: “viver é muito perigoso”. Mas também é danado de bom, não é? Então vamos em frente que atrás vem gente. E sem perder a ternura jamais...

sábado, 6 de outubro de 2007

Máxima do dia

Todos nós merecemos ser profundamente amados – eu, você, todos nós. Perdidamente, desvairadamente, indubitavelmente amados.

Um meio-amor que se pretende amor inteiro não deixa de ser uma forma de morte em vida.

Quem somos nós?

Outro dia eu disse a alguém que, quando saí da casa dos meus pais, decidi morar sozinha, sem dividir apartamento com ninguém, porque queria saber quem eu era “longe de todo mundo”. Mas será que eu sou “eu mesma” longe de todo mundo? Ou será que, pelo contrário, eu só “sou” na e pela relação com o outro?

É claro que morar sozinha ajudou a confirmar algumas das minhas suspeitas fundamentais: eu sou mesmo uma bagunceira de marca maior – e não tenho pudor de criar fungos dentro da pia da cozinha –, sou péssima de planejamento doméstico – quando acaba o papel higiênico, apelo para o guardanapo, quando acaba o guardanapo, vou de papel toalha, quando acaba o papel toalha... enfim –, adoro dormir tarde, odeio acordar cedo, gosto de banho quente, cama quente e leite frio. Mas nada disso me diz, de fato, quem eu sou.

Há um texto belíssimo de Benveniste, chamado “Da subjetividade na linguagem”, em que ele demonstra que a linguagem só pode existir porque o sujeito se enuncia como “eu”, e ele só pode fazer isso quando e porque enuncia o “tu”. Ou seja, a linguagem já nasce do humano em relação.

Também já disseram que nenhum homem é uma ilha, e em todos os campos do conhecimento humano existem exemplos abundantes de que o homem é, por definição, um ser social.

Como, afinal, entender-se, perceber-se, emocionar-se, existir, sem a presença do outro? Sem um espelho?

Muitas vezes, quando nos apaixonamos, nos encantamos de fato por aquilo que vemos de nós mesmos através dos olhos do outro. O olhar apaixonado é um olhar que põe em relevo todos os predicados do objeto de desejo, que acolhe os seus defeitos, que minimiza as suas fraquezas. E pelos olhos desse outro nos apaixonamos por nós mesmos.

O problema é que as pessoas vêm e vão. Nem sempre, nem todas, não o tempo todo, nem sempre porque querem, mas muitas vezes quando a gente menos espera. E se a gente constrói a nossa imagem, a nossa beleza, a nossa delícia através do olhar do outro, quando ele vai embora, o que resta?

Quem sou eu sem o olhar do outro? Como não me esfacelar sem essa presença? O que resta de meu, de essencial, de perene, de necessário e não contingente? Talvez a dor de uma perda ou separação seja tão grande porque temporariamente a gente se perca da gente mesmo quando o outro se vai. Frases como “eu não existo sem você” e “minha vida não faz sentido” demonstram cruamente a dor de não se saber um “eu” sem o “tu” que foi embora.

Trata-se, então, de encontrar um centro de estabilidade em meio à instabilidade daqueles que vêm e que partem de nossas vidas todos os dias. Não é à toa que os gregos, lá atrás, já buscavam explicar o princípio que rege todo o universo. Seria o movimento? Ou, pelo contrário, o imobilismo? Ou, na verdade, o incrível e misterioso mecanismo que garante que as coisas mudem o tempo todo e, ainda assim, permaneçam?

Essa talvez seja uma pergunta para uma vida. Para muitas vidas, aliás, já que depois de Heráclito e Parmênides ainda gastamos uns bons séculos tentando decifrá-la.

Dentro de mim, no entanto, cada dia fica mais fácil gostar de quem eu sou, mesmo que “o que eu sou” seja, a cada dia, uma coisa diferente e, ao mesmo tempo, uma mesma coisa. As pessoas vêm, as pessoas vão, eu fico. Eu caio, mas levanto. Eu me entrego, mas me recolho e me acolho de novo.

Talvez aquela frase de que eu sempre gostei tanto – “o que é seu está guardado” – tenha sempre querido dizer o óbvio: o que é meu está guardado aqui, comigo, não é de mais ninguém, por mais que eu precise sempre dos outros para continuar sendo “eu”.

E, não importa o que aconteça, a minha grande lição eu nunca esqueço: existe algo dentro de mim que nunca vai se quebrar.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Lição de casa

Quem espera sempre alcança.

Quem sabe faz a hora.

A pressa é inimiga da perfeição.

Quem fica parado é poste.

Quem tudo quer, nada ganha.

Quem não chora não mama.

O apressado come cru.

Quem não arrisca não petista.

Devagar se vai ao longe.

Bobeou, dançou.

De grão em grão, a galinha enche o papo.

Foi pra Portugal, perdeu o lugar.

Roma não se fez em um dia.

Um olho no gato, outro no peixe.

Panela olhada não levanta fervura.


Alô, pessoal, dá pra decidir???


Faxina

Tem cabimento ficar tanto tempo sem escrever? De jeito nenhum.

Afinal, o Mulher Solteira é uma das poucas coisas do mundo que é minha, só minha e nada mais que minha... e uma boa dose de auto-erotismo não faz mal a ninguém.

Ademais, escrever é uma boa maneira de tentar se manter sã. Tentar, é claro, já que, com o perdão do trocadilho, as tentações à loucura também abundam.

Vamos então pôr as cadeiras de pernas pra cima, passar uma vassourinha básica, espanar as teias de aranha e arregaçar as mangas.

Ao trabalho!