quarta-feira, 24 de junho de 2009

O cheiro do ralo

Dias difíceis. A crise finalmente chegou à “firma”. Primeiro veio o anúncio (oficioso) da mudança de endereço, com a respectiva dose (oficial) de indignação. Sem se dar conta da agudeza de sua análise, uma amiga profetizou: “em tempos de crise, temos é que dar graças a Deus por estarmos apenas mudando de sede, e não sendo mandados embora”.

Uma semana depois, em um único dia, enxurrada de demissões. Amiga querida na lista dos dispensados. Fusão de equipes. Extinção de cargos. Reestruturação. Reuniões intermináveis entre diretores e gerentes – em salas-aquário que revelam rostos constritos e só aumentam a ansiedade dos peixes de fora. E-mail do diretor geral, supostamente de injeção de ânimo, pelo “tanto já alcançado”, pelo “tanto ainda a alcançar”. Exemplo vivo do “tapar o Sol com a peneira”: quem tem cabeça para isso nesse momento? Aliás, cada um só pensa mesmo em quanto tempo falta para a sua própria cabeça rolar.

Em meio à angústia dos telefonemas, da espera pelas notícias de quem sabia mais, das confabulações sobre o futuro da empresa, das análises sobre o acontecido, me peguei limpando furiosamente o ralo da pia do banheiro. Logo eu, o anti-herói das prendas domésticas, o terror das faxineiras, aquela cujo banheiro, segundo a Mãe Sereia, sempre parece ter sido perscrutado por um “filhote de São Bernardo”. Pois lá estava eu, cutucando o ralo com o que me aparecesse pela frente, esfregando-o com força, esquecida do mundo, como se daquilo dependesse toda a minha vida. Assim fiquei, minutos a fio. Só me dei por satisfeita quando ele brilhou e a água passou lisa pelo buraco, sem qualquer interrupção.

Aqui estamos nós, buscando sempre o Bom, o Bem e o Belo nas pequenas coisas, tentando extrair poesia das ausências, tentando atribuir sentidos aos espaços vazios. Mas o ralo continua sempre lá. E há horas em que temos de nos haver com ele, com a sua sujeira, e mais nada.

sábado, 20 de junho de 2009

Poetoterápico

Happy end
(Cacaso)

O meu amor e eu
nascemos um para o outro
agora só falta quem nos apresente

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Roll-on

O simpático Pipa-do-vovô vende cerveja na Augusta, em frente ao Studio SP. Como não bebo cerveja, talvez não tivesse tido razão suficiente para reparar nele, não fosse por um pitoresco diálogo que ele tomou a iniciativa de travar. Começou com uma escancarada conferida sobre a minha silhueta, de fio a pavio, sem a menor cerimônia. Em seguida, veio a sentença:

- Que mulherona!

Eu, que gosto de saber onde vão dar certos caminhos, dei corda:

- O senhor viu?

Rapidamente Pipa-do-vovô se sentiu na obrigação de se explicar:

- Assim... Grande, né?

Não me fiz de rogada:

- Pois é!

O espanto deu lugar a uma curiosa timidez. E, com a mão na cintura e a cabeça meio tombada para o lado, veio o pedido:

- Eu posso lhe fazer uma pergunta?

- Claro! – Respondi, curiosa.

Os olhos revirados de afetação, disparou:

- Se um homem assim, do meu tamanho, quisesse namorar com você... Você aceitava ele?

Respondi, com sinceridade:

- Lógico! – e acrescentei um dado técnico para dar mais credibilidade à minha afirmação – O senhor sabia que a média de altura do homem brasileiro é 1,68 m?
Imagine se eu fosse namorar só homem da minha altura!

- Hum... Desodorante...

Acostumada à minha surdez, sinalizei que não havia entendido o comentário. Ele completou o raciocínio:

- Aquele, de passar no sovaco...

E, com a mesma desfaçatez com que me medira no início da conversa, levantou meu braço e posicionou a cabeça na altura da minha axila, como a sublinhar a nossa diferença de altura:

- Ia ser o seu desodorante!

domingo, 14 de junho de 2009

Síntese dialética

Não são, afinal, passado, presente e futuro águas do mesmo rio caudaloso de Heráclito, aquele que é a um só tempo sempre o mesmo e sempre outro?

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Elogio ao amor

Laura sempre gostou de livin' la vida loca e nunca achou que o casamento tinha sido feito para ela. Um dia, porém, conheceu Dênis. Cismou com ele, com seu jeito tímido, com seu ar misterioso. Fez tudo ao contrário do que mandam os manuais... O rapaz não deu muita bola no começo, tinha até namorada. Mas um dia acabou caindo em si, chamou-a na chincha e, desde então, nunca mais quis largar dela. Laura, a solteira convicta, acabou se casando aos 25 anos de idade, e atualmente curte com o marido a realização do primeiro grande projeto conjunto: a compra de um apartamento.

Patrícia namorou com Lúcio durante quatro anos e meio. Ele sempre foi ciumento até dizer chega e ela, bem, não era exatamente uma moça tímida. As amigas viam o tempo passando e achavam que uma hora aquele caldo ia entornar. Entornou: Patrícia foi pra Inglaterra, descobriu o mundo e achou que estava na hora de viver outras experiências. Ela e Lúcio nunca deixaram de se ver e de se falar, mas para ela aquela história tinha ficado para trás. Quatro anos e meio depois... Patrícia descobriu que Lúcio era mesmo tudo o que ela queria. Casaram, tiveram uma filha e hoje administram a saudade durante cinco dias por semana, pois o emprego de Lúcio exigiu que ele fosse morar em outra cidade.

Dana não imaginava que a vida ao lado de alguém podia ser tão boa e tranquila até conhecer Marcelo. Depois de alguns meses de namoro mudou-se para a casa dele, depois de outros tantos meses morando juntos decidiram se casar, e tudo seguia seu rumo sem previsão de chuvas nem trovoadas. Mas, quando Dana passou por uma situação difícil, Marcelo não soube estar junto. E, mesmo dividindo toda noite a mesma cama, os dois acabaram se distanciando, até chegar em um ponto em que o amor, mesmo tão grande, acabou. Dana não condena ninguém que decida manter um casamento por comodidade, pois sabe que a separação pode ser a coisa mais dura que uma pessoa enfrenta na vida. Tentando juntar os cacos, resolveu investir nos seus próprios planos: foi fazer aula de francês para tentar um emprego no Canadá. Lá reencontrou Igor, seu namorado dos tempos do colégio. A velha chama reacendeu... Dana descobriu, afinal, que o amor mais tranquilo nem sempre é o mais verdadeiro. Lá estão eles, Dana e Igor, tentando descobrir como conciliar a bagunça dele com a mania de organização dela, poucos meses depois de terem juntado os trapinhos.

Fabíola e Tim eram daqueles casais que todo mundo dava como certo que ficariam juntos para sempre. Mas, como dizia o poeta, “pra sempre sempre acaba”... Ele veio para São Paulo, ela ficou em Brasília, o namoro foi ficando morno e um dia acabaram achando que aquela história não ia mais dar samba. Cada um pra um lado, meses depois, Fabíola já curtindo a vida de solteira de novo, resolveu se consultar com o Caco, seu astrólogo. No fim da sessão, quase indo embora e meio sem saber por que, decidiu perguntar ao guru o que os astros diziam sobre Tim. Caco olhou o mapa do moço e foi enfático: se você não for atrás desse bofe, vou eu! Um mês depois, lá estava Fabíola em São Paulo, juntando as escovas de dentes com Tim, em um casamento que já dura mais de cinco anos e acabou de render um mini ser humano.

Lena comeu muita grama vivendo amores não correspondidos. Dona de um coração do tamanho do mundo, ensaiou um ou outro namoro, mas sempre acabava na mão, com os olhos inchados e a impressão de que não havia vindo ao mundo para ser feliz no amor. Um dia, sem muita explicação, começou a se sentir muito bem consigo mesma. Raspou o cabelo, viajou pela primeira vez sozinha, decidiu mudar de área. Foi nessa época que, numa festa, conheceu Roberto. E o moço, versado em senso prático e com especialização em companheirismo, nunca deixou que ela se sentisse diminuída: ligou no dia seguinte, e no outro, e no outro, e quis namorar com ela, e morar junto com ela, e casar com ela. A vida, é claro, nem sempre é um mar de rosas, mas já lá se vão sete anos juntos e eles se mantêm firmes...

Márcia sabia que Fábio não era nem de longe o bom partido que as mães desejam para suas filhas. Ainda assim, achava-o apaixonante, e com ele viveu alguns dos momentos mais mágicos da sua vida. Quando ele terminou com ela, a moça sofreu horrores, mas soube tirar proveito disso para, alguns meses depois, retomar o namoro fortalecida. Um dia, um amigo de Fábio, casado com uma amiga de Márcia, declarou-se apaixonado por ela. Márcia nem cogitava se separar de Fábio, era feliz com ele; mas o que fazer com esse novo amor que subitamente ela descobria? Foram meses de sofrimento, para os quatro. Por fim, nessas acomodações que a vida promove mesmo quando isso pareceria impossível, Márcia e Gil acabaram se acertando. Hoje não imaginam viver um sem o outro. Para Márcia, foi seguramente a experiência mais difícil da sua vida, o que mostra que vida e morte, prazer e dor, chegadas e partidas andam sempre juntas.

Elisa e Artur fizeram juntos algumas matérias no primeiro ano de faculdade, mas ele logo pediu transferência e pouco tempo depois eles perderam o contato. Naquela época, envolvido com uma ex-professora, ele viveu um relacionamento intenso que virou um casamento de três anos. Um dia não deu mais para ficarem juntos. Artur teve ainda outra namorada com quem passou bons anos. Elisa, nesse tempo, também viveu as suas histórias. A mais longa delas durou cinco anos e se espalhou por todos os cantos da sua vida: com Márcio ela trabalhava, brincava, amava, viajava, brigava, consertava. Eles eram tão igualmente diferentes que pareciam mesmo feitos um para o outro, mas tanta proximidade acabou desgastando a relação. Com o coração refeito, um dia Elisa reencontrou o amigo Artur em uma virada cultural. A paixão foi tão violenta que dava pra se perguntar como eles levaram quase dez anos para se descobrir. Namoro, ajuntamento, filha... Tudo isso em pouco mais de vinte e quatro meses! Felizes, muito felizes...

Renata não tinha tido muitas experiências no amor antes de conhecer Bruno. Pelo menos, no que diz respeito a relacionamentos não platônicos e correspondidos. Quando a história dos dois engatou, as amigas comemoraram. E não é que toda tampa tem mesmo a sua panela? Um ano se passou, e outro, e outro, e outro e mais outro... O primeiro namoro acabou virando casamento. Paciência, se Renata não teve a oportunidade de construir outros parâmetros. Tem gente que passa a vida inteira procurando uma história de amor que valha a pena; outras, encontram de primeira! O negócio é abraçar a oferta da vida e continuar acreditando que tudo, sempre, valeu a pena. Mesmo nos dias em que é difícil ser dois...

Juliana teve o primeiro namorado sério aos dezoito anos. Tempos modernos, conheceu-o no antigo IRC, junto com um monte de outros amigos virtuais que faziam questão de se tornar reais. O namoro durou dois anos e depois perdeu o prazo de validade. Dali em diante, foram muitos os rolos, ficadas, paqueras e até um ou outro namoro, mas parecia que Juliana tinha perdido a mão. Seria possível que ela não encontraria mais alguém com quem realmente valesse a pena estar junto? As amigas acompanhavam as aflições, e desacreditavam de como uma mulher com tantos predicados pudesse ser tão pouco agraciada pelo amor. Mais de dez anos depois do primeiro namorado, foi navegando novamente em águas virtuais que ela conheceu Roger. Mesmo não tendo visto fogos de artifício, investiu com graça e energia até o rapaz perder o medo e decidir pedi-la em namoro. Quase dois anos depois, os dois curtem o prazer de uma relação madura e cheia de afinidades.

Helena não sentiu nada de especial na primeira vez em que viu Felipe. Ele, por sua vez, ficou de queixo caído. Não deu descanso durante meses, colou, chegou junto, encarnou até ela decidir dar uma chance... Começaram a ficar, a namorar, a viajar junto... Um dia a mala voltou de viagem e a roupa não voltou para ser lavada em casa. Os dois já tinham trabalhado juntos e agora moravam juntos. Eles eram meio como água e vinho, mas ainda assim achavam que tinha graça tentar ajeitar aquele tanto de diferenças. E foi nesse exercício diário de tolerância que, juntos, realizaram o feito mais bem acabado de suas vidas. Infelizmente a vida depois dos bebês nem sempre é fácil para os casais, as diferenças falaram mais alto e foi preciso dividir as vidas novamente. Mas quem presenciou o parabéns do segundo aniversário desse filho, de pé em um banquinho entre a mãe e o pai separados, com o sorriso mais lindo e meigo do mundo, sabe que algumas histórias, mesmo quando não dão certo, valeram a pena.

Isabel nasceu em uma família católica e sempre foi mantida debaixo de rédea curta pela mãe. Quando veio fazer faculdade em São Paulo, deixou o namorado no interior. Naquele tempo o controle ainda era rígido e qualquer coisa que se fizesse entre quatro paredes era pecado. Um dia o namorado deu no pé. Isabel sofreu... Até que, navegando na internet com Fátima, conheceu Arnaldo. Fátima gostou de Arnaldo, mas Arnaldo gostou mesmo foi de Isabel... que também gostou de Arnaldo. A amizade não resistiu ao triângulo, mas o amor se mostrou mais forte do que a mãe católica, virou ajuntamento em poucos meses e só depois foi consagrado nos ritos da santa igreja. Com a primeira filha no colo, Isabel foi de mala e cuia com Arnaldo tentar a vida em Nova Iorque. É lá que ela aprende todo dia a ser mãe, a confiar em si e a não deixar o copo d’água virar tempestade. Foi lá, também, que ela se descobriu escritora. E que teve o seu segundo filho, criando um laço perene com aquela terra estrangeira que ela agora chama de lar.

Fabiana estudou com Alberto desde o primeiro ano da faculdade. Nunca alimentou por ele qualquer sentimento diferente de amizade; dele já não se pode dizer o mesmo. Alberto, na verdade, sempre gostou de Fabiana... Era difícil driblar as indiretas, as sabotagens, as investidas de Alberto, mas Fabiana fingia que não tinha visto e tocava o barco. Cada um teve os seus respectivos relacionamentos, Alberto chegou a morar junto com uma namorada, Fabiana foi morar em San Diego. Um dia, sem mais nem por que, Fabiana olhou para Alberto de um jeito diferente... Ainda levou uns meses para se convencer do que acabou se revelando óbvio: a amizade tinha virado amor. Quer coisa melhor do que se apaixonar por alguém que sempre esteve ao seu lado, mesmo quando ainda não era possível corresponder a esse amor? Casaram-se no começo desse ano e passam muito bem, obrigada.

Cristina já conheceu o amor. Como a última vez em que ela o encontrou não foi a primeira, também não quer supor que tenha sido a última. Quando esse amor acabou, Cristina precisou olhar muito para si mesma e redescobrir o seu prazer nas pequenezas, reassumindo as suas escolhas, reaprendendo o seu caminho. Mesmo não tendo sido o caminho que ela escolheu, soube torná-lo significativo e encontrar a sua dose de paixão em tudo aquilo que faz. Cristina ainda acredita que o amor está à espreita, esperando o melhor momento para surpreendê-la novamente. Enquanto isso, diverte-se com a paisagem...

Uma homenagem a algumas de minhas amigas (a quem agradeço, mesmo sem ter pedido licença, por me deixar contar suas histórias – com nomes devidamente trocados para preservar sua identidade) e a todas as mulheres casadas, solteiras e separadas que continuam acreditando no amor, apesar de tudo...

terça-feira, 9 de junho de 2009

Dalila

Decidida a deixar o passado para trás, resolveu começar pelos cabelos.

Em seguida, foi exibir o corte novo ao seu passado.