quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Chame a Júpiter

– Alô, bom dia! É da Júpiter? Por geintileza, *snif*, vocês têm convêñio com o...*Snif*, só um biduto... AH... AH... ATCHIM! Desculpe... Vocês têm convêñio com o Condobíñio, *funga-funga*, Baresias para deseintupibeinto de ralo, correto? Perfeito, *snif-snif*! Gostaria de ageindar a, *schuif*, visita de um de seus técnicos e... Bobentiño, por fav... AH-AH-AAAAAAAATCHIM!!!!! *Schuif*, desculpe, boço. Olha, se você tiver um serviço de deseintupibeinto de dariz, tô precisando também, viu?

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Conversas privadas em lugares públicos

Mais uma de banheiro, fonte permanentemente renovada de inspiração.

Mudamos de sede. Foram-se os banheiros individuais. Durou pouco a minha alegria: voltei aos velhos tempos de proletariado, partilhando com as colegas de trabalho os odores e ruídos de nossos momentos mais íntimos.

Nada que se compare aos constrangimentos do emprego anterior, quando a chefe nos chamava para ir ao banheiro e despachava em pleno ato de, digamos, despachar. Aqui pelo menos se mantém certo decoro; respeita-se, na medida do possível, a privacidade alheia.

Ainda assim, confesso que ando tendo problemas. Não sou do tipo que se recusa a fazer o número 2 fora de casa; pelo contrário, sofrendo de prisão de ventre desde criança, aprendi a nunca ignorar um chamado da natureza (e ela se supera a cada dia na capacidade de me chamar nos lugares e momentos menos apropriados – conheci o banheiro de boa parte das livrarias, supermercados, farmácias, lojas de móveis e rodoviárias que já visitei na vida). Mas já vou para o banheiro rezando para não encontrar ninguém e, se encontro, torço para não puxar assunto. E acabo levando pelo menos o dobro do tempo que levaria no antigo banheiro individual, em radicais e surpreendentes manobras para me tornar invisível, inaudível e inodora.

O número 1 também é uma lástima. Se acontece de eu entrar em uma cabine ao mesmo tempo em que outra pessoa adentra a cabine ao lado, nunca, jamais, em tempo algum consigo iniciar os meus trabalhos antes dela. Parece até um acordo de cavalheiros: “você primeiro, por favor, faço questão!”; “que é isso, de forma alguma, tenha a bondade!”.

Tempos atrás, a situação, que já não era das mais confortáveis, ganhou um novo ingrediente. Tentei ignorá-lo o quanto pude, afastando meus pensamentos dessa perturbadora constatação. Até o dia em que o inevitável e-mail de Amiga Fanta entrou em minha caixa postal: “MEU!!! É impressão minha ou quando a luz do banheiro está acesa dá para ver o interior da cabine refletida no vidro da janela???”. Me fingi de morta: “Pois é, parece que sim...”. Mas Amiga Fanta não deixou barato: “Ai, depois desce aqui no meu andar para fazer um teste comigo? Eu entro na cabine e te dou tchauzinho e você vê até onde me enxerga?”. Desconversei, mais uma vez: “Ai, Amiga Fanta, forget about it... Vamos partir do pressuposto de que ninguém vai entrar no banheiro com intenções voyeurísticas, né?”. E lá foi ela, a nossa certificadora de qualidade, inclemente, fazer o teste do banheiro e constatar que a visão externa da cabine revelava a intimidade da usuária do pescoço para cima. Sim, um tanto quanto perturbador. Mas procuro fazer disso um exercício de crescimento espiritual.

Naquela mesma semana, em uma carona coletiva até o Metrô Vila Madalena, a tal janela indiscreta rendeu muitas e muitas anedotas sobre banheiro, chamados inconvenientes da natureza e saias-justas envolvendo o aparelho excretor. Todo mundo tem pelo menos uma história própria, ou ocorrida com alguém próximo, para contar. A minha, por exemplo, envolve uma dor de barriga tenebrosa na minha chegada ao Peru, na casa dos amigos do meu avô, quando a descarga me deixou na mão. Sorte que havia um balde embaixo da pia e, com alguma paciência e muitos baldes de água, consegui eliminar as provas do crime. Bem, essa é uma história publicável. As impublicáveis, nem aqui...

Coroei a minha fase de problemas privados em lugares públicos na última quinta-feira, durante a festa de fim de ano da “firma”. Depois de uma “atividade cultural” (a única, apesar do grandiloquente nome do evento de dia inteiro: “Jornada cultural”) de uma hora e vinte, corri para o banheiro com a bexiga em ponto de bala. Logo atrás de mim mais uma horda de mulheres igualmente precisadas daquele momento íntimo com a privada. Pronto, foi o que bastou: meu xixi não saía de jeito nenhum. Precisei me concentrar, fazer uma breve meditação e entoar alguns mantras para vencer aquela barreira psicológica. E, ao sair da cabine, ainda me senti na obrigação de dar uma satisfação “a la Costinha”: “Nossa, só de saber que tinha esse monte de gente aqui fora, esperando para usar o banheiro, fui acometida pela síndrome do pinto tímido!”

Bem na minha frente, liderando a multidão, nada mais nada menos do que ela, verdadeira força da natureza, primeira, única e inigualável: a temível Moça do Comercial. Vamos chamá-la assim para evitar constrangimentos. Se você não a conhece, posso traçar o seu perfil psicológico em poucos segundos: animada, fala alto, ri mais alto ainda, desconhece qualquer traço de timidez e é o retrato da extroversão. É claro, ela é da Equipe Comercial! É ela quem sorteia os brindes da Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho; é ela quem grita “LINDOOOO!!!! EU TE AMOOOOO!!!” para o seu colega de equipe músico que resolveu dar uma discreta palhinha no almoço da festa de fim de ano; é ela quem aproveita o descuido do garçom, que derruba uma garrafa de cerveja em cima do moço da área de TI, para cantar uma música de strip tease e tentar tirar a blusa do rapaz em frente ao Diretor Geral. Sim, senhoras e senhores! Essa é a Moça do Comercial!

Voltemos à cena que há pouco acontecia no banheiro. Antes que eu pudesse atinar quanto às consequências do meu ato, soltei a piada do “pinto tímido” em alto e bom som diante da Moça do Comercial. “PINTO TÍMIDO?????” Ela repetiu, certificando-se de que ninguém em um raio de 30 metros deixasse de ouvir. “Feminino...”, acrescentei, derrotada, com um fio de voz.

No dia seguinte, a Moça do Comercial passou algumas vezes diante da minha mesa sem dar sinais de se lembrar do ocorrido. Minhas esperanças se renovaram: nem tudo estava perdido! Mas, antes de deixar o andar, a uma distância suficiente para que todos os meus colegas de equipe a ouvissem, soltou: “Muito interessante aquela sua frase no banheiro ontem, heeeeeein?”.

Por alguma razão, pensei em empadinhas envenenadas.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Sexo seguro, questão de vida ou morte

Meu blog não aspira a qualquer finalidade pragmática. Escrevo quando quero, sobre o que quero, falando daquilo que me toca, choca ou move sob uma ótica absolutamente pessoal. Fico feliz quando as pessoas gostam do que leem aqui, mas não levanto bandeiras, nem espero que concordem com o que eu digo.
Por outro lado, inegavelmente atinjo com meus posts um número de pessoas considerável. Alguns me conhecem e leem sempre, outros caem de paraquedas e acabam ficando, outros ainda dão uma bisbilhotada ocasional e depois seguem seu caminho. Pois hoje resolvi tirar partido dessa visibilidade para falar sobre algo que tem me preocupado muito, mesmo correndo o risco de me expor mais do que eu gostaria. Desculpem se minhas palavras incomodarem ou ofenderem alguns, mas há verdades que precisam ser ditas sem rodeios.
Estou muito, muito impressionada com a quantidade de homens que, em encontros casuais, já tentaram me convencer a transar sem camisinha. Estar desprevenido é chato, mas acontece nas melhores famílias; daí a achar que a falta de camisinha pode ser ignorada “só dessa vez” é uma burrice atroz. Essa proposta literalmente indecente costuma vir seguida de perguntas e afirmações tão absurdas quanto ela: “mas você não toma pílula?”; “confia em mim”; “eu tiro antes”; e mais uma infinidade de comentários que me fazem lamentar não ter um sistema de ejeção para expulsar o infeliz da minha casa antes que ele tenha tempo de abrir a boca novamente.
Acho inconcebível que em pleno século XXI, convivendo há décadas com a existência da AIDS, pessoas instruídas, bem nutridas e bem informadas ainda consigam se expor e expor os outros a esse tipo de risco, sem preocupação nem peso na consciência. Hoje, felizmente, a AIDS não é mais a sentença de morte que já foi antigamente; nem por isso se tornou menos grave e diminuiu a necessidade de se fazer sexo seguro.
Não estou tentando convencer ninguém a achar que camisinha é uma delícia, ou que dá na mesma transar com ou sem. No entanto, diante da evidência de que a via sexual é privilegiada na transmissão de doenças graves, só posso responder ao argumento duvidoso de que “a camisinha tira o prazer da transa” com outra evidência: não é uma questão de escolha. Não existem duas alternativas. Se o homem não consegue manter a ereção com camisinha, que não faça sexo com penetração. Você chuparia uma bala com veneno?
Outra coisa que não entra na minha cabeça é o discurso da “confiança”. Hoje já chegamos a um ponto da disseminação do HIV em que, se não conhecemos de perto alguém que já foi infectado, no mínimo conhecemos alguém que conhece alguém. E são pessoas exatamente iguais a nós, com o mesmo estilo de vida, com os mesmos anseios, medos e preocupações. Não dá pra saber olhando na cara de alguém se é soropositivo ou não (ainda bem!), por isso alguém que transa sem camisinha com frequência está sujeito a se tornar soropositivo sem sequer se dar conta disso. Quando um menino me diz “confia em mim”, penso: “e por que ele acha que pode confiar em mim?” Realmente, é muita ingenuidade, ou muita ignorância, achar que é possível saber “só de olhar” se alguém pode ou não estar infectado.
Toda essa situação, que já me deixa bastante chocada, tem me causado ainda mais preocupação porque, em mais ocasiões do que eu gostaria, ouvi amigas minhas contarem que também transaram sem camisinha. “A vontade falou mais alto, não deu para segurar”; “ele insistiu e acabei cedendo”; “eu sabia que estava fazendo merda, mas não consegui parar”. Sei que elas me contam isso esperando ter o meu apoio, ouvir algo como “não se preocupe, tenho certeza de que está tudo bem com você”, “todo mundo faz isso” ou “não se culpe, essas coisas acontecem”. Não consigo. Meu único jeito de ser amiga nessas horas é ser honesta: “faça o exame, e nunca mais faça isso, pois você se expôs a um risco muito grande”. É muito ruim falar assim com alguém que quer ser consolado por você. Mas como tapar o sol com a peneira?
Infelizmente, acho que tudo isso que estou escrevendo vai ter pouco efeito ou nenhum efeito para quem adota o sexo sem camisinha como prática (frequente ou ocasional). Duvido que alguma dessas pessoas não esteja suficientemente informada dos riscos que está correndo, dos meios de transmissão das DST – Doenças Sexualmente Transmissíveis (cujo nome é autoexplicativo) –, das formas de prevenção. Dar uma bobeira dessas só pode ser sinal de onipotência ou de autodestrutividade. De qualquer forma, não custa repetir mais uma vez: no que diz respeito à AIDS, ou a outras dezenas de doenças – Hepatite, HPV, Sífilis, Clamídia, Gonorreia, só para citar algumas –, não faz diferença que seja “só um pouquinho”, “só dessa vez” ou “rapidinho”. Uma única exposição a um parceiro contaminado já é suficiente para a transmissão. E a maior parte dessas doenças é incurável, ainda que tratável.
Há muitas ocasiões na vida em que corremos riscos calculados, sabendo que estamos nos expondo, mas julgando que o risco vale a pena porque pode nos trazer uma grande recompensa no final. Transar sem camisinha definitivamente não é um desses casos. Tenha amor próprio. Use camisinha SEMPRE.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O(s) dia(s) em que a Terra parou

Parecia uma terça como outra qualquer. Saí esbaforida de casa, às 6h55, cinco minutos antes do início do rodízio. Estou a dez minutos de carro do trabalho e, com um pouco de sorte, até hoje nunca fui multada nos meus cinco minutos de atraso, apesar de passar bem em frente à CET na Marquês de São Vicente.
Chuvinha chata, tudo molhado, tempo feio. Na Pompeia, alguns semáforos desligados. Confusão de carros nos cruzamentos. “Onde estão os marronzinhos quando precisamos deles?”, pensei, concluindo que chegaria ao trabalho mais tarde do que nas outras terças-feiras.
Diante do Shopping Bourbon, a fila de carros já não andava. Até então, parecia tudo culpa dos semáforos. Na Marquês de São Vicente o trânsito definitivamente parou. “É hoje que não escapo do rodízio”, pensei. Paciência. Liguei o rádio. Nada de o carro andar. Nenhuma informação de trânsito na Alpha, nem na Nova Brasil. Resolvi sintonizar na Eldorado.
“Nesse momento há 65 pontos de alagamento em São Paulo. As duas marginais estão fechadas. Não há rotas alternativas. Se puder, não saia de casa. Chove há mais de doze horas e a cidade está em estado de atenção”.
Desligo a chave no contato. Estou ridiculamente perto do trabalho, mas a fila simplesmente não anda. Alguns carros começam a atravessar o canteiro e pegar a pista em direção oposta. Além de temer a infração (a poucos metros da CET...), penso que não faz sentido voltar para casa agora, que estou tão perto.
Dez minutos. Vinte. Trinta. Cinquenta. O locutor de rádio pede que os motoristas mandem SMS com informações de trânsito. Nunca participei de um programa ao vivo! Logo ouço o meu recado no ar: “Andei 20 metros nos últimos 50 minutos. E estou a 200 metros do trabalho! Estou na Ermano Marchetti, perto da TV Cultura. Cristina”. O locutor comenta: “realmente, esta parece ser uma das regiões mais problemáticas, Regina”. REGINA? Puxa, na minha primeira participação ao vivo o locutor errou meu nome. Falta de consideração...
Os motoristas continuam escapando pelo canteiro da esquerda. Troco SMS com meus colegas de trabalho: onde estão? Não venham para cá! A Lu me avisa que a empresa está às escuras, com apenas três funcionários, e que a região do entorno está alagada. Sugere que eu volte para casa.
Mando mais um SMS para a Eldorado: “Pô, Caio, você me chamou de Regina! Mandei SMS há 40 minutos, continuo no mesmo ponto da Ermano Marchetti, com o carro desligado. Cristina”. O locutor pede desculpas, repete meu nome três vezes, diz que eu entendi mal e que ele não me chamou de Regina. Meus cinco minutos de fama graças às chuvas de São Paulo.
Quando vejo que daquele mato não sai coelho, rendo-me à barbárie. Dou seta para a esquerda, atravesso o canteiro, pego a pista contrária e chego em casa em dez minutos, às 9h15, praticamente duas horas e meia depois de ter saído. Hoje não tem expediente...
Não foi a minha primeira experiência do tipo. Dez anos atrás, durante as férias da faculdade, fui passar uns dias em Lorena, na casa de uma amiga. Na hora de comprar a passagem de volta, apesar de ser em geral a última a deixar a festa, resolvi ser ajuizada. Tinha uma sessão de acupuntura marcada para de manhã cedo, resolvi voltar no fim da tarde da véspera. Mesmo sendo Lorena tão perto de São Paulo, se algum imprevisto acontecesse eu chegaria atrasada e perderia a sessão, nada barata, com a qual eu arcaria do meu próprio bolso.
No meio da Dutra, o ônibus para. E não anda mais. E continua sem andar durante mais de uma hora. Um mar de carros para frente e para trás, todos desligados. Era a greve dos caminhoneiros. Não havia o que fazer, para onde ir. Dormimos lá, dentro do ônibus, no meio da estrada. O pior foi eu achar que, pelo fato de não ser um ônibus leito, não havia banheiro disponível. Minha bexiga foi duramente testada naquela noite.
No dia seguinte, seguimos viagem. Cheguei em São Paulo na hora do almoço. Obviamente, perdi a sessão de acupuntura.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Cuidar do lixo

Já faz alguns anos que separo dejetos não orgânicos para reciclagem. Em meu prédio há uma caçamba só para eles, no térreo, recolhida pela Prefeitura uma vez por semana. Não é preciso separar o lixo entre vidro, metal e papel: basta colocar tudo o que é reciclável em uma sacola e despejar no contêiner. A separação é feita na cooperativa. Meu único trabalho, nesse caso, é limpar e secar os dejetos antes de colocá-los na sacola, e depois levá-los até a caçamba dos recicláveis.

Pois essa pequena tarefa, por vezes, me é muito penosa. Confesso que frequentemente a faço só pela metade: separo caixas de leite sem lavar, potes de iogurte ainda molhados, um vidro com restos de molho de tomate... Convenço-me de que ainda é melhor separá-los assim do que simplesmente jogar tudo no lixo comum, mas às vezes tenho medo de que a minha falta de disposição para fazer o serviço completo torne os restos de embalagem inutilizáveis para a reciclagem.
E foi pensando nesse pequeno dilema doméstico, e no quanto por vezes adio o momento de jogar algo fora justamente para não me haver com esse dilema, que me vi mais uma vez refletindo sobre os relacionamentos e nossa nada simples condição de humanos. Como é difícil cuidar do lixo! Como é difícil encontrar disposição para lidar com algo que já não nos concerne, mesmo quando esse mesmo algo já nos proporcionou momentos de prazer e de saciedade da fome.
Cuidar do lixo é um esforço que só se sustenta se conseguimos contextualizar esse nosso pequeno gesto na luta por um bem maior. O lixo que sai da sua casa, e que você tem preguiça ou nojo de manusear, nunca volta imediatamente para a sua mesa ou geladeira, mas quando cuidado adequadamente se torna lá na frente um novo objeto que atenderá as necessidades de outro consumidor.
Aos chatos de plantão, peço que não sejam muito severos ao julgar a minha analogia: não penso nos relacionamentos como uma forma de consumo, nem defendo que as pessoas tratam seus ex-companheiros como lixo. Pelo contrário: penso que a sustentabilidade é um valor que deve ser cultivado tanto com os bens de consumo quanto com as pessoas. Requer algum esforço cuidar de algo que já não é nosso e que pode, inclusive, ter se tornado incômodo em nossas vidas, mas com algumas medidas simples podemos ajudá-lo a reingressar no ciclo da vida, voltando mais adiante a pertencer a outro contexto, com outro alguém.
No caso das pessoas, esse cuidado significa reconhecer a importância que tiveram para nós, e aceitar e assumir que o término de um relacionamento raramente se dá por uma ou outra característica do outro que nos incomoda, pois somos mais do que a simples soma de nossas partes e quem nos ama o faz para além de pequenos defeitos ou traços incômodos. Cuidar é ter coragem de dizer ou de aceitar que simplesmente estar junto com o outro deixou de fazer sentido. É poder preservar o nosso olhar afetivo em relação a esse outro, desejar-lhe bem, assumi-lo como parte da nossa história, deixá-lo ir sem alimentar ambiguidades ou tomá-lo como um substituto fácil quando nossas outras histórias não dão certo.
Não por acaso, ao assistir ao filme Annie Hall na Mostra de Cinema Woody Allen, me emocionei profundamente com as cenas finais, em que o protagonista Alvy (o próprio Woody Allen) reencontra por acaso sua ex-namorada Annie (Diane Keaton), convida-a para um café e eles passam uma tarde agradável lembrando os velhos tempos. A voz em off de Alvy comenta, enquanto eles se despedem à distância na calçada: “No final daquela tarde me lembrei de como Annie era uma pessoa boa e me senti feliz simplesmente por tê-la conhecido e por ela ter feito parte da minha vida”.
Quando estamos em nossa pior forma ou alguém nos trata com o maior desprezo possível, costumamos dizer: “me senti um lixo!”, ou “ele/ela me tratou como lixo...”. Por aí se adivinha que nossa relação com aquilo que não nos serve mais é da ordem do mais profundo descaso.
Cuidar do lixo não é fácil, mas com algum esforço podemos superar nossas resistências e dar um destino mais digno às coisas que um dia nos proporcionaram prazer. Lá na frente, esse mesmo cuidado tomado por outras pessoas também nos proporcionará novas e boas experiências.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Alô, Johhny!


Nem só de estudos avançados em esportes radicais de compreensão da mente masculina vive o Instituto Mulher Solteira. De tempos em tempos, realizamos em parceria com o Inmetro e o IPT testes de qualidade em aparelhos celulares.

A marca testada – e aprovada – de hoje é a Sansung, com o aparelho M2710, The Beat edition. Além de cumprimentar o fabricante, o Instituto Mulher Solteira torna público o seu agradecimento ao atendente da Claro Johnny, eleito o funcionário do ano pelo voto popular desta organização.

Além de simpático, Johnny revelou-se um funcionário ético e altamente comprometido com os interesses e a satisfação do cliente. Diante de oito aparelhos de marcas e modelos variados, todos disponíveis pela promoção de troca da operadora – e já descartados todos os modelos da marca Sony Ericsson, que haviam sido equiparados à empadinha envenenada dos piores planos de vingança da Mãe Sereia* –, Johnny foi educadamente intimado pela pesquisadora a escolher um deles como se o estivesse adquirindo para si. Seu nome e sua imagem foram devidamente registrados para reclamação posterior caso houvesse insatisfação por parte da usuária.

O aparelho Sansung já vinha apresentando desempenho altamente satisfatório em todas as categorias funcionais, com boa durabilidade de bateria, utilização amigável, ergonomia, estética, suingue e sensação. No entanto, não havia ainda sido submetido ao mais exigente dos testes – o Teste Morre, Infeliz, Morre, Infeliz ou, simplesmente, Teste Mimi.

Para maior objetividade e imparcialidade na avaliação do produto, o teste é sempre realizado durante a ausência da pesquisadora – em geral, quando esta se encontra no chuveiro. Dessa forma, o barulho da água caindo pode encobrir os ruídos dos golpes desferidos contra o sujeito avaliado, ampliando a fase conhecida como SF – Suspiros Finais. De modo a avaliar a perfomance do aparelho em condições de alta adversidade, o alarme do Teste Mimi costuma soar durante a segunda metade do banho da pesquisadora, para que ela o interrompa e recolha, ainda molhada, as partes do aparelho espalhadas ao longo da área de testes.

Segue o laudo da avaliadora: “Tendo em vista as categorias Resistência a Patadas, Resistência a Unhadas, Resistência a Mordidas, Resistência a Arremessos, Resistência a Decomposição das Partes, Resistência a Técnicas Avançadas de Tortura, Resistência a Saliva, Lambidas e Pelos, Resistência a Vandalismo Canino, Resistência a Esmagamento, Afogamento e Achatamento, uma vez recompostas as suas partes o aparelho Sansung M2710, The Beat edition voltou a funcionar normalmente, sendo, portanto, considerado APROVADO pelo Teste Mimi do Instituto Mulher Solteira”.

Valeu, Johnny!

* Ao sentir-se lesada por terceiros, a Mãe Sereia costuma apaziguar seus instintos de vingança por meio da fantasia de envio de empadinhas envenenadas aos cidadãos responsáveis pelo dolo.

sábado, 28 de novembro de 2009

Informe

Prezado visitante,
Se esta é a sua primeira passagem pelo Mulher Solteira, seja bem-vindo, a casa é sua. E se você é leitor habitual e tem levado um susto cada vez que esbarra no F5 de sua máquina, pedimos sua compreensão e paciência.
A mudança de layout é o correlato gratuito, indolor e reversível de um novo corte de cabelo. Enquanto a vida real aguarda que o ímpeto de autorreinvenção da blogueira se manifeste, este blog se torna, provisoriamente, o palco de pequenos e constantes ensaios de renovação.
Por favor, não desanime. Sua visita é muito importante para nós.
Pela atenção, obrigada.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Posteridade

O copo está meio cheio ou meio vazio? O senso comum se encarrega de nos lembrar que toda situação tem, no mínimo, dois lados, a depender da perspectiva de quem a vê. Quando minha mãe, constrita, contou a uma amiga de longa data que meu pai estava em Nova Iorque durante o ataque ao World Trade Center, e ainda não havia conseguido voltar para o Brasil porque os aeroportos estavam interditados, a reação da tia Regina foi imediata e, digamos, surpreendente: “Eliana, que BÁRBARO!!! O Coaraci está vivendo um momento histórico!”

De fato: passado o susto, a preocupação, a angústia, e descontado o fato de se tratar de uma enorme tragédia com marcas indeléveis, hoje meu pai bem que gosta de contar com detalhes tudo o que viveu e presenciou durante aqueles dias que passou em Nova Iorque, hospedado em um hotel na periferia da cidade, aguardando o momento de poder voltar para casa. Foi uma daquelas experiências que ficam para a posteridade.
Isso posto, poderia não ser de todo ruim o fato de eu estar no Shopping Bourbon durante o começo de incêndio ocorrido algumas semanas atrás. Seria, no mínimo, história para se contar aos netos: “Eram idos de 2009... Jamais imaginara que naquela tarde tão pacata, algo tão impressionante estava para acontecer... As labaredas atingiam quase cinco metros, o calor era insuportável... [...] Então, mantendo toda a calma, ajudei a socorrer as vítimas, conduzi os velhinhos para a saída e ganhei uma medalha de bravura”. Ou, talvez de forma um pouco mais modesta, mas nem por isso menos emocionante: “foram momentos de muita tensão, mas felizmente não houve vítimas e tudo acabou bem”. No entanto, nem para isso aquele projeto de incêndio me valeu.
Eu pagava tranquilamente um cafezinho e um alfajor no Havana Café quando alguém comentou com o atendente sobre o começo de incêndio. À nossa volta, tudo permanecia calmo. Depois de alguns segundos, olhei para trás e percebi um movimento mais intenso de pessoas caminhando para as escadas. Um pouco sem saber o que fazer, acabei de pagar a minha conta e resolvi “seguir o fluxo”. Alguns se encaminhavam para a escada rolante, outros para a escada não rolante. Meu carro estava no estacionamento, no quinto andar. E agora? Digamos que não é exatamente sensato subir as escadas rolantes durante um incêndio, mas por falta de orientação e já que todo mundo o fazia, resolvi testar. Será que saio sem pagar o estacionamento? Digamos que não é exatamente inteligente se preocupar em validar o tíquete durante um incêndio, mas imagina se eles não liberam a cancela do estacionamento, vou passar o maior carão e ainda barrar a passagem dos outros carros. Por falta de orientação, e já que todo mundo o fazia, resolvi pagar. Fila quilométrica para sair do Shopping. Nem sinal de fumaça. Muito menos de fogo.
Alguns minutos depois, já na rua, vejo um aglomerado de gente, lojistas uniformizadas, carros da imprensa. Nada de bombeiros. Ligo o rádio, tentando descobrir alguma informação. Nada...
Mais tarde, já em casa, recebo telefonema da Mãe Sereia: “Filha, você viu que teve um começo de incêndio lá no Bourbon?” Respondo: “Pois é, ver eu não vi, mas bem que eu estava lá!”
Com uma calma incomum para o porte da situação, ela continua: “Han-han, pois é, imaginei... Eu sabia que era um horário possível de você estar lá, almoçando. Mas como disseram que foi um evento bem controlado, apenas um começo de incêndio no quinto andar do estacionamento, não me preocupei...”.
E eu: “Ah, que curioso, pois o meu carro estava no quinto andar do estacionamento e não vi ABSOLUTAMENTE NADA! E olha que depois que informaram sobre o incêndio ainda deu tempo de subir a escada rolante, pegar a fila do caixa, pagar o tíquete e enfrentar o rush na saída do estacionamento!”
Enfim... Não consegui fazer o que precisava no Shopping e nem mesmo tenho uma boa história para contar. O máximo de “posteridade” que aquele evento me rendeu foi isso aqui: um post!

***
De volta depois de longo e tenebroso inverno. Mas não foi culpa do incêndio!

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Truco, marreco!

O Instituto Mulher Solteira de Pesquisa Avançada dos Esportes Radicais de Compreensão da Mente Masculina, Estudos Anexos e Afins informa:


Estamos há 33 0 dias sem escrever

(Pequeno blefe de efeito moral. O que falta de tempo sobra em malandragem, suingue e senso de humor – e modéstia, é claro)

sábado, 17 de outubro de 2009

Analfa

Acredite se quiser, em um tempo não muito distante bastava um cidadão saber escrever o próprio nome para ser considerado alfabetizado. O conceito de “analfabetismo funcional” mostra o quanto nosso entendimento sobre a complexa inserção social do sujeito em um meio letrado e grafocêntrico se alargou. Saber assinar um nome definitivamente não é sinônimo de saber ler e escrever, e mesmo quem domina um sistema alfabético ou é capaz de decodificar palavras e frases em um texto escrito não necessariamente sabe fazer um uso social, contextualizado, real e competente da leitura e da escrita.

Como profissional da área de letras e de educação, uma das minhas grandes preocupações recai justamente sobre a ampliação das possibilidades de letramento, ou seja, de inserção e participação efetiva dos cidadãos nas práticas sociais letradas. Confesso, no entanto, que como “mulher solteira” outra sombra paira sobre o meu quase inabalável otimismo e ocupa grande espaço na minha lista de perplexidades: o “analfabetismo emocional” da minha geração. Tome-se, por exemplo, um diálogo real, colhido recentemente em contexto de paquera entre dois jovens adultos, poucos minutos depois de terem se conhecido:

Ele: Hum... Adorei você... Onde você mora?
Ela: ... Mas já???
Ele: Já o quê, ué... Tô só perguntando onde você mora.
Ela: Hum, tá... Moro na Vila Madalena.
Ele: Posso te levar para casa?
Ela: Mas já???
Ele: É... Pra gente ficar juntinho, numa boa...
Ela: Olha... Não me leva a mal não... E desculpa pela generalização... Mas como vocês, homens, são apressados!
Ele: Ué, mas não é pressa, é vontade...
Ela: Ahn, sei...
Ele: E, depois, eu não posso pedir o seu telefone e combinar de te encontrar amanhã, né???
Ela: ...Não? Por que não???
Ele: Ah, primeiro que eu não ia nem saber onde te levar...
Ela: ... [imagina se não tivesse “me adorado”...]
Ele: ... Depois porque seria, sei lá, assumir um compromisso para o qual talvez eu ainda não esteja preparado. E então, vamos?


Líderes de movimentos sociais, representantes da sociedade civil e do governo, autoridades responsáveis pela elaboração de políticas públicas: como ensinaremos a esses jovens que se relacionar não é simplesmente trocar fluidos corporais, que sentir e demonstrar interesse genuíno não é desonra nem doença e que conhecer alguém para além da superfície, mesmo que apenas para fins recreativos, não arranca pedaço?

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Meu primeiro amor

Porque o amor é complexo, difícil de explicar e impossível de medir, e porque ele se apresenta sob as mais diversas formas, nas mais variadas circunstâncias, é comum que cada um de nós tenha mais de um “primeiro amor”: o primeiro amor da infância ou da adolescência, o primeiro amor não-correspondido, o primeiro amor que deu certo, o primeiro “grande amor”, o primeiro amor adulto... A história que conto aqui é sobre um desses primeiros amores. Se o chamo de “primeiro” é porque, além de ocupar a gavetinha mais antiga nas minhas memórias daquele sentimento que com a vida aprendi a chamar de “amor”, foi com ele que vivi pela primeira vez a delícia, o êxtase e o arrebatamento de ser correspondida. Aquele dia em que céu e terra se juntam e você percebe, nos olhos do menino da oitava série, que também é especial para ele.
Nossa história começa em um acampamento de férias. Da primeira vez, que eu me lembre, só tivemos uma conversa, rápida, sobre lagartixas. Eu o achei incrível: bonito, inteligente e espirituoso. Não que eu soubesse, aos onze anos de idade, o que era ser espirituoso... Mas achei demais que aquele menino de treze anos gastasse o seu precioso tempo comigo, explicando, diante da minha expressão de genuína admiração e asco, que era possível enxergar os órgãos internos da lagartixa se você a virasse de barriga para cima. (Conhecem a teoria da vocação precoce? Esse aí virou médico...)
Não houve mais nenhum contato naquela temporada. E, como naquele tempo a minha autoestima era bem mais baixa do que eu, o simples fato de uma outra garota também gostar dele me fez achar que eles ficariam juntos e não havia esperança para mim.
Um ano se passou e, mais uma vez, nos encontramos na temporada de janeiro. Dessa vez, algo diferente aconteceu... Primeiro, torci com todas as forças para cairmos na mesma equipe na “gincores”. Bingo! Lá estávamos nós, na equipe azul (“Azul ODD líquido” era o nome da nossa equipe, e o hino era uma paródia de “Quero ver / Você não chorar...”), fazendo cartazes, bolando fantasias e montando carros alegóricos (a proposta era um tanto carnavalesca, e um prato cheio para a minha criatividade-em-busca-de-meios-de-expressão). Depois, quando fiquei gripada, torci para ele ficar também (afinal, se eventualmente rolasse um beijo, eu não queria carregar o fardo de lhe ter transmitido um vírus!). Bingo de novo. Os astros estavam ao meu favor!
Tenho lembranças doces daquela semana, embora muito esmaecidas pelo tempo. O que restou, sobretudo, foi a sensação maravilhosa de que alguém me notara na multidão: andávamos de mãos dadas, ríamos, conversávamos, estávamos sempre juntos, para cima e para baixo. Para oficializar a união, só faltava mesmo o beijo acontecer. E lá estava o bailinho de sábado à noite, para garantir clima e ambiente perfeitos.
Clima e ambiente perfeitos, com um detalhe: o meu medo de beijar. Ah, sim, eu era BV! E que fique claro aqui que não falávamos de um “medinho bom”, do tipo frio na barriga que antecede algo que desejamos muito. Estava mais para pavor, paúra, fobia, pânico, horror. Sim, sim, eu preciso confessar: amarelei.
A música era “Don’t cry”, do Guns n’ Roses. A luz era baixa, a pista estava cheia e os amigos na torcida. Na minha barriga, misturados o prazer de um contato físico tão próximo e o horror da iminência do momento de trocarmos fluidos salivares. Assim que a música acabou, meu pobre primeiro amor, arriscando um assunto qualquer para quebrar o gelo, lançou: “Puxa, que horas será que são?...”.
Imbuída do mais genuíno pânico, balbuciei “Não sei! Vamos perguntar?” e dei no pé. Ele foi me achar quase meia hora depois, enfiada no alojamento feminino, grudada no meu ursinho de pelúcia que tinha ganhado o nome de “Pacato” em homenagem a ele (era esse o seu apelido no acampamento). Burlando a barreira das monitoras, ficou em pé ao lado do meu beliche, segurando minha mão e tentando me convencer a sair com ele do alojamento. Em vão... Algum tempo depois, uma das monitoras descobriu o intruso e o expulsou de lá. Eu, mais aliviada e frustrada do que nunca. Será que ainda tínhamos algum futuro?
No dia seguinte, ele mal falou comigo. Eu não podia culpá-lo... Nem eu mesma sabia explicar minha atitude! No ônibus de volta para São Paulo, incumbi uma amiga de pedir o telefone dele. Tenho até hoje o papel guardado, os números quase apagados escritos a lápis...
Começamos uma época gostosa de telefonemas e cartas de amor. A primeira dizia: “beijos da garota que gosta muito de você”. A segunda: “beijos de quem te adora”. A terceira: “Te adoro muito!” Na quarta já nos amávamos e jurávamos amor eterno... O próximo passo, natural e inevitável, era nos encontrarmos de novo. Lá foi ele me visitar. À noite, fomos à festa de aniversário de uma amiga. Eu e “meu namorado”... Tudo lindo, tudo o que a então garota da oitava série podia querer, exceto por um detalhe: o tal beijo que ainda não havia acontecido. Quando a mãe dele veio buscá-lo, no fim da festa, eu o abracei e disse no seu ouvido: “Não tenta nada, pelo amor de Deus”... Como estava difícil sair da latência e me apropriar daquele corpo!
Uns dois meses depois, fomos viajar de férias, cada um com a sua respectiva família. Para o retorno, tínhamos a promessa de finalmente concretizar o nosso amor, o nosso namoro, o nosso primeiro beijo... Sim, está certo quem disser que eu amarelei de novo. Dessa vez, de um jeito que eu levei muitos anos para entender: transferi o meu horror, medo, pânico, fobia e asco do beijo para o seu mensageiro. Na volta da viagem, por telefone, terminei tudo. Ele, atônito. Eu, aliviada. E, dessa vez, nem um pouco frustrada.
(Pausa para agradecimento público à minha mãe que, notando que eu era uma adolescente “complicadinha”, logo me encaminhou para uma análise... Mãe, o que teria sido de mim sem essa sua intervenção precoce, hein?)
A inversão dos meus sentimentos se deu de forma tão surpreendente quanto eficaz, a ponto de, no meu aniversário do ano seguinte, ao saber que ele aparecera de surpresa no meu prédio, eu sequer tê-lo convidado a subir (não me orgulho disso, é claro, mas há certo jogo de cintura que a gente realmente só adquire no correr da vida...).
Passamos uns dois anos sem nos falar. E então, com o necessário distanciamento da situação – e ainda BV! –, pude perceber que eu perdera uma coisa preciosa e tive vontade de recuperá-la. Mas, como a fila anda, a essa altura meu primeiro amor já estava acompanhado há tempos.
Voltamos a nos falar com certa frequência, ele chegou a me visitar em casa e tivemos algumas conversas um tanto perturbadoras. Um dia, movido por um impulso, ele ligou para me comunicar que terminara com a namorada e que passaria para me pegar em casa no final da tarde. Pavor, pavor! Arrebatamento...
Uma adolescente "complicadinha" como eu não poderia ter encontrado um primeiro amor mais generoso. Pois com toda a paciência do mundo e sem se ofender ele suportou o meu ataque de riso histérico enquanto, aos poucos, vencia as minhas resistências para finalmente selar a nossa ligação com um beijo, com quase seis anos de atraso. E, com o seu humor peculiar, comentou: “viu? Não é nada complicado... Agora só falta você parar de rir!”.
Voltei para casa em estado de graça e não preguei o olho a noite toda (será que foi por isso que não passei na primeira fase da seleção da EAD no dia seguinte? Pelo menos no vestibular do domingo eu consegui a pontuação mínima para passar para a segunda fase...). Fui descobrir no dia seguinte que o beijo tão esperado não se repetiria. Afinal, nosso tempo passara. E, com o passar dos anos, descobrimos sem tristeza nem arrependimento que a nossa história seria escrita assim: Certa vez, um dia, em um tempo distante...
Felizmente, por termos cada um a sua parcela de culpa nos desencontros, soubemos nos perdoar e preservar um carinho desses que nunca se perde, mesmo que fiquemos anos sem nos falar. Aliás, em um desses recessos prolongados, o danado me deixou para trás na Bozocorrida da Vida Adulta, comendo fumaça... Chegou aos 30 anos casado, ajuizado e com dois filhos lindos! Como, aliás, eu sempre imaginei que aconteceria.
Em um dos nossos recentes cafés, gastamos alguns minutos tentando lembrar, com uma gostosa nostalgia, quando teria sido o momento exato em que nos “vimos” pela primeira vez. Comentei sobre o encontro no acampamento, sobre a conversa da lagartixa... Mas ele insistiu que não, que ele havia me visto antes que eu o notasse. E completou: “Foi na pracinha, no ponto de saída do ônibus para o acampamento. Lembro de ter te achado uma coisa de louco, e pensado: ‘essa menina é de outro mundo! De outro planeta’. Para mim, você estava em outro patamar...”.
Guardei essas palavras como uma joia no meu coração, assim como a mensagem que ele me enviou naquela noite, dizendo o quanto estar em minha companhia soava “familiar”, como se o tempo e o espaço fossem incapazes de produzir entre nós uma sensação de distanciamento. E que provavelmente ele poderia dizer isso de pouquíssimas pessoas ao longo da vida...
Meu primeiro amor foi assim: me olhou, me viu, achou que eu era de outro mundo e, mesmo com todas as curvas da vida, nunca mais foi embora de mim.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A cor do meu sorriso


Percebo que não estou tão bem quando decido sair à rua de pijama. O medo de topar com o fantasma do bairro na minha pior forma física não supera a preguiça de mudar de roupa. Essa, afinal, é a grande vantagem da moda casual: a mesma calça serve para dormir, fazer ioga e comprar lâmpadas.

Estaciono o carro bem próximo à Heitor Penteado. Eu poderia ter feito isso muitas vezes antes, usando a Ponte Orca e o trem para chegar mais rápido ao trabalho. Agora, são águas passadas. Nosso novo destino é a Lapa de Baixo, a Barra Funda ou a Água Branca, a depender do gosto do freguês. Enquanto isso, o limbo: uma semana de férias forçadas que começa a agoniar quem se acostumou a fazer do trabalho o seu porto seguro.

As direções não são tão exatas. Decido começar pela esquerda. O posto de gasolina é uma das referências. Caminho alguns metros para baixo, mas nem sinal da loja de lustres naquele trecho. Decido voltar e perguntar no posto.

O fim de tarde é frio, úmido e escuro. A sensação é de ter me perdido em algum lugar do tempo e do espaço, habitando uma vida que já não é minha. No posto, mandam-me seguir em frente. Bem, é o que venho tentando fazer, penso eu.

Mais alguns passos adiante, temo que a indicação esteja errada. Decido confirmar com o jornaleiro. Sim, Lustres Primavera, algumas casas adiante. Meu ânimo começa a melhorar. Por fim, encontro o que buscava. Compro todas as lâmpadas de que preciso, volto confiante para o carro e ainda tenho alguns minutos antes que a loja de molduras se feche.

Mas não será tão fácil encontrá-la agora. Sei que passei muitas vezes em frente a ela, mas nunca a vi de verdade. Talvez até haja mais de uma, não sei. Essas ruas não são minhas, afinal. Já são seis horas e é inútil prosseguir a busca por hoje. Tento celebrar a pequena tarefa cumprida.

Percebo que não estou tão mal quando trocar a lâmpada queimada melhora definitivamente o meu humor. Que seja assim. Hoje, uma lâmpada queimada; amanhã, quem sabe?

Mas é preciso esclarecer: não se trata de uma lâmpada qualquer. É a lâmpada de um lustre azul. Um lustre azul que permaneceu apagado durante muitos e muitos meses. E como pode o mundo não se tornar melhor quando nele volta a brilhar um sorriso azul?

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Dilemas, aspirinas e urubus

Na Era dos psicotrópicos, qualquer estado de alma que se afaste minimamente do (falso) paradigma de felicidade apregoado pela mídia passa a ser encarado como um mal a ser combatido. O sofrimento humano vira “transtorno”, “desordem”, fruto de desequilíbrio químico, localizado na anatomia humana e dotado de mil especificidades objetivamente descritas no DSM, dando a (falsa) impressão de que, uma vez identificado e nomeado, pode ser vencido. Diagnóstico, prescrição, tratamento e cura: fim do sofrimento. Mas a vida não é assim...
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Viver é perigoso. Dor e delícia andam juntos. Só quem sabe o que pode perder é capaz de dar valor ao que ganha. Não há vida sem morte, som sem silêncio, luz sem escuridão. Ser humano é isso: eterna corda bamba, travessia entre paradoxos, frágil equilíbrio que se perde e se recupera todos os dias.
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Há dias, porém, em que se alguém me oferecesse uma aspirina para a alma, eu aceitaria sem hesitar.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Travessias

“O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão.” (ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1984. p. 21.)
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Trago sempre Riobaldo no meu coração. Assim, fica mais fácil aceitar quando as pessoas desafinam.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Viver sem ela

Penso eu que todo exibido tem um pouco de enxerido. Pelo menos, a máxima vale para mim: a Mulher Solteira que aqui vos fala também tem curiosidade de saber quem se encontra aí, do outro lado da tela, lendo suas abobrinhas filosóficas.



De tempos em tempos, usando meus parcos conhecimentos digitais, recorro às fartas ferramentas da pós-modernidade para descobrir pegadas no meu altar. E, em uma dessas espiadelas, encontrei entre os visitantes o nome de um blog que lembrava um filme lindo e atordoante que eu acabara de ver: Viver sem mim (o filme se chamava Minha vida sem mim).


A referência era à música do Ultraje a rigor e praticamente um hino à redescoberta de si. Entrei naquele espaço sem pedir licença. O canto era fresquinho, mas já dava para sentir no ar o cheiro da inteligência, da agudeza de espírito, da sensibilidade daquela mulher. E a dona do pedaço ainda dizia não poder mais viver sem o Mulher Solteira. Que lisonja!


Mandei e-mail; recebi resposta! Trepliquei e veio de volta mais papo do bom. Assim, de mensagem em mensagem, chegamos ao msn, aos torpedos e, apesar dos mil quilômetros que nos separam, ao café e até a um jantar. Continuo leitora assídua da moça e, a cada novo post, penso, sem um pingo de modéstia: puxa, isso poderia ter sido escrito por mim... Nós nos sentimos assim, meio “cara de uma, focinho da outra”, mesmo vivendo vidas tão diferentes. Falamos a mesma língua. Somos da mesma tribo.


Taí uma mulher corajosa, serena, esperta, generosa, flexível, “mãe de menino, passarinho que fugiu da gaiola”, pandora sem medo da própria caixa, em permanente movimento de perguntação e responsidade. É dela essa pérola da filosofia do cotidiano: “quando se trata de amor, mais vale um erro inteiro do que um acerto pela metade”. Quem quiser mais pode se servir à vontade.


Parabéns, Bela! Simplesmente continue, pois você já é.


Beijos da sua amiga e fã.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Pés de anjo


Daquele dia pouco ou nada me restou na lembrança, a não ser suas palavras exatas e certa inflexão de voz, acompanhada de uma expressão que me era tão familiar. Um leve erguer de sobrancelhas, um sorriso maroto e silencioso, um olhar cúmplice e provocador.



Por uma ou outra razão, Vovó quis falar sobre meus pés. E, mistério profundo, referiu-se a eles como “pés de anjo”.


Reagi imediatamente, com espanto e desconforto, rejeitando o que temia pressentir em sua voz como uma condescendência excessiva, vergonhosa, eu já tão apercebida de mim mesma:

- “Pés de anjo”, Vó? Um pezão desse tamanho?

Das palavras exatas me lembro, acompanhadas da tal inflexão de voz e da expressão tão familiar:


- E quem foi que te disse que anjo tem pé pequeno?



O resto se perdeu no tempo. O que realmente importava, no entanto, permaneceu comigo.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Eu choro em casamento

Tive a sorte (e a esperteza) de estudar em um colégio que nunca subestimou a minha inteligência. No segundo ano do Ensino Médio, pude viver uma miniatura de experiência acadêmica e desenvolver uma pesquisa orientada que resultaria em uma pequena monografia. Foi assim que, aos 16 anos, conheci a Filosofia e Nietzsche (quem me imaginou com cara de CDF, aparelho fixo, calça de moletom “sansntropeito”, camisetão, zero senso estético e óculos de fundo de garrafa se enganou: eu nunca usei óculos).

Minha primeira ideia de desenvolvimento da pesquisa surgiu durante um episódio de Candid Camera, um programa norte-americano de “pegadinhas”. Uma câmera captava a reação de pessoas que entravam em um elevador no qual um ator havia se posicionado de costas para a porta. Eu nunca havia reparado nisso, mas é de praxe, ao entrar no elevador, virar-se de frente para a porta. Às vezes, com o elevador cheio, pode-se ficar de costas; mas nunca se faz isso ao ser a primeira pessoa a entrar. E qual era a reação de quem entrava no elevador e se deparava com aquela situação pouco familiar? Bastante variada: uns fingiam que nada estava acontecendo; outros fixavam o olhar no cidadão virado para os fundos do elevador durante toda a viagem; por fim, alguns se posicionavam como ele, também de costas para a porta. Foi o ponto de partida para que eu pensasse: por que agimos como agimos? O que é nosso de fato e o que é herdado? O quanto pensamos sobre nossas crenças e atitudes?

Assim nasceu a “Caminhada para o espírito livre”, um ensaio no qual, junto com Nietzsche, passei a tentar responder a essas perguntas, enquanto respondia a outras bem mais pessoais e importantes: quem sou eu? Eu sou assim porque quero ou porque nunca tentei ser de outra forma? Eu realmente acredito no que penso que acredito? Sou capaz de contrariar os valores da minha família? Até onde posso ir na minha rejeição às convenções sociais?

Apelidei aquela minha fase de “O diário de Biloca”: nada me convencia de que aquilo que eu estava escrevendo era mais do que o diário de uma adolescente em crise com a sua identidade. Nada a não ser o encorajamento do meu orientador, que a cada semana enchia minhas páginas hesitantes de comentários eufóricos sobre as minhas “cenas de filosofia explícita!” E, justiça seja feita, descobrir “quem eu era” naquele momento era um problema filosófico e tanto!

Graças à generosidade do meu orientador, o ensaio tomou corpo e forma e foi defendido diante de uma banca igualmente entusiasmada. Para uma adolescente com (desculpem o pleonasmo) problemas de autoestima, foi uma experiência e tanto. Mesmo depois de ter amargado três semestres na faculdade de Filosofia e feito uma necessária saída lateral pela direita, nunca mais deixei de pensar filosoficamente sobre a existência.

Graças ao desenvolvimento desse “desconfiômetro” de verdades inventadas e mesmo tendo vivido boas e bonitas histórias de amor, não foi muito difícil perceber que eu não deveria esperar sentada pelo Príncipe Encantado, que um dia viria me buscar em seu intrépido cavalo branco. Assim que comecei a ganhar o suficiente, fiz as malas e vim ver como era a vida para além de debaixo da asa dos meus pais. Casar na igreja, de branco, véu e grinalda? Difícil. Mais provável simplesmente juntar as escovas de dente com alguém, no máximo assinar um recibo no cartório.

Com mais alguns anos, mais análise, mais capacidade de observação e umas tantas porradas da vida, descobri também que o casamento, o modelo de relação que aprendi a desejar observando meus pais, não era necessariamente o único ou o melhor caminho para a realização pessoal. Descobri, aliás, que dividir a vida com alguém é tão ou mais difícil do que não dividi-la com ninguém. Que o amor acaba. Que, mesmo antes de o amor acabar, as pessoas frequentemente se machucam, muitas vezes de forma irreversível. Que ninguém é capaz de prever o dia de amanhã; que boas pessoas fazem coisas ruins. Que amar não é o suficiente para uma relação dar certo. Que quase nada é suficiente, aliás, para uma relação dar certo. Que é preciso rever o conceito de “dar certo”. Que a monogamia não é algo tão simples quanto parece. Que a obsessão por estar junto com alguém é, muitas vezes, apenas uma tentativa de evitar olhar para aquilo que nos faz sofrer.

Mais um tantinho de quebradas e sacadas e fui me dar conta até mesmo de que Oh! O Amor! é uma invenção social, fruto de uma conjuntura histórica específica, e que até mesmo em nossa sociedade contemporânea o seu valor é muito diferente a depender do grupo social, das aspirações, das lutas, dos desafios... (Foi chocante descobrir isso em uma entrevista da psicanalista Maria Rita Kehl, quando ela falava sobre a diferença entre as demandas romântico-amorosas tão frequentes em sua clínica particular e aquelas relatadas em seus atendimentos a alguns integrantes do MST.)

Sendo assim, queimemos nossos vestidos de noiva, certo? Alto lá. Tudo isso aí é verdade, uma verdade bem verdadeira, mas não é toda a verdade. Eu não estaria sendo honesta se não dissesse que, a despeito de tudo isso... Bem: eu choro em casamento.

Choro mesmo! De soluçar, de sacudir e de soltar meleca. Taí minha irmã que não me deixa mentir: lá estava ela respirando fundo para não borrar a maquiagem no dia do seu casamento e eu completamente desmilinguida, com o nariz escorrendo e o bocão aberto no altar. Taí a minha Amiga Fanta, outra testemunha ocular: também passou toda a cerimônia do seu casamento linda e radiante enquanto a madrinha despenteada se desfazia em baba e lágrimas. Taí minha prima Feca que não só é testemunha como tem uma prova concreta da minha confissão: uma foto com uma meleca bem comprida saindo do meu nariz durante o cumprimento dois noivos e padrinhos. (Amigas que ainda não casaram, já sabem: se não quiserem uma madrinha babando, uivando e soltando meleca ao seu lado no altar, não me deem essa honra.) Não há nada, nada que possa frear a minha emoção diante de duas pessoas que decidem assumir publicamente o seu amor, ritualizar a sua união e dividir a sua alegria com as pessoas que fazem parte da sua vida.

E, já que estamos aqui abrindo nossos corações, devo dizer também que não consigo passar em frente a uma loja de vestidos de noiva sem escolher o meu preferido. Não consigo deixar de usar os meus rudimentares conhecimentos de genética para imaginar como seriam os meus filhos com cada homem por quem eu me apaixono. Aliás, combinar mentalmente o meu nome com o sobrenome do gajo que me dá trela é tão automático quanto piscar os olhos. (A diferença entre uma louca neurótica e eu é que disfarço bem e não conto nada disso para os mocinhos que me interessam – portanto, se algum mocinho que me interessa estiver lendo esse post, solicito a gentileza de se retirar do recinto e/ou ignorar essas revelações, pela atenção obrigada.)

Minhas amigas-mães sabem que eu tenho um fraco por bebês. Não dá para estar perto de um sem ficar com cãibra nos lábios, falar em voz de tatibitate e afundar o nariz nas dobrinhas da criatura. Se forem os filhos das minhas amigas queridas, então, o risco de sequestro é iminente.

Então, é isso: apesar de toda a pós-modernidade, da pose de descolada, do desprendimento, da lucidez, do ceticismo, da malemolência, do suingue, do gingado, da malandragem, eu sou nada mais nada menos que mais um coração romântico em busca da outra metade da laranja, que esteja disposta a ter comigo um monte de laranjinhas. Seu Nietzsche: que ingenuidade a nossa achar que seríamos capazes de separar o que é “nosso” do que é “dos outros”! O outro está em nós, nós somos o outro e ele nos é.

A vantagem de se acreditar na filosofia da metade da laranja é que facilmente se deduz um argumento lógico sobre o fato de a outra metade da laranja também acreditar em metades da laranja. E, para expandir mais um pouco a metáfora hortifrutífera, felizmente sou capaz de desafiar a matemática moderna e acreditar que cada metade da laranja pode ter muitas metades! E de torcer para que, em algum lugar desse mundo, uma dessas metades cruze o meu caminho, me dê a mão e enfrente comigo a jornada de transformar esse Oh! Amor romântico herdado, idealizado, construído, fantasiado e supervalorizado em um amor real, possível e verdadeiro.

(Em sumo: se a vida lhe der uma laranja, faça dela uma laranjada!)

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Monte seu prato

O curso da História é irreversível, o avanço da tecnologia é irrefreável e não adianta chorar pelo leite de saquinho derramado. Ainda assim, há quem sofra de uma espécie de nostalgia crônica que, de tempos em tempos, se manifesta de forma surpreendente nas mais prosaicas situações do cotidiano.

Sim, essa sou eu. E, não vou ser hipócrita, faço bom uso da maior parte das facilidades do mundo eletrônico, virtual, interativo, tecnológico e midiático da atualidade, embora não seja nenhuma profunda conhecedora de nenhum gadget eletrônico ou linguagem de programação. Mas vira e mexe tenho uma prova cabal de que nasci em outra era e não fui programada para executar algumas tarefas simples e necessárias à sobrevivência em nosso ecossistema digital.

A mais recente confirmação dessa inaptidão à era pós-moderna surgiu sobre mim como um raio (da natureza) em uma praça de alimentação do shopping, onde fui trocar o meu falecido-já-vai-tarde Sony Ericsson por um tô-pagando-pra-ver Sansung (com foto do vendedor para reclamação personalizada caso a nova aquisição me dê tanta dor de cabeça quanto a anterior). Em tempos de restrição alimentar, procurei um restaurante que oferecesse opções interessantes de salada (que vergonha, nunca pensei que um dia eu me venderia para o sistema dessa forma).

Pedi à simpática garçonete que me trouxesse um cardápio e no segundo seguinte eu tinha nas mãos um objeto-não-voador-e-não-identificado com símbolos nada familiares, diria mesmo incompreensíveis. Solícita, ela me explicou: a salada pequena são essas folhas e mais quatro ingredientes, e a grande as mesmas folhas e oito ingredientes. Pode escolher à vontade.

No centro da cartolina plastificada, imagens sobrepostas do que identifiquei como uma folha de alface, outra de rúcula, outra de agrião e mais uma de radicchio. Em volta delas, formando uma mandala, minúsculos ícones representando os ingredientes à disposição.

Travei. Daquele mato não saía uma salada. Eu olhava, olhava e olhava pra aqueles minúsculos ícones de ervilha, champignon e cebola e simplesmente não conseguia enxergar o prato que eu queria.

– Que engraçado, né? – comentei, constrangida, com a garçonete e a mocinha do caixa – Acho que algumas pessoas realmente não têm inteligência pictórica...

Dois sorrisos metálicos muito, muito solícitos se viraram na minha direção.

– Não seja por isso, a senhora pode virar o cardápio e consultar nossas opções de salada prontas.

- Ah, agora sim! – Exclamei, satisfeita, apenas para virar a cartolina e descobrir um novo criptograma. Dessa vez eram linhas horizontais que se formavam pelos mesmos ícones diminutos de tomates, alcaparras, milhos...

“Não é possível que eu não saiba ler isso”, pensei com os meus botões. Insisti: não saiu nada. Derrotada, lancei o meu melhor sorriso às mocinhas do restaurante e soltei o famoso “Obrigada, vou dar mais uma olhadinha!”.

Atravessei a praça de alimentação, li um cardápio cheio de fotos de pratos prontos com detalhadas descrições verbais dos ingredientes e rapidamente escolhi uma reconfortante salada mista com uma panqueca de queijo e outra de carne. A única opção que me deram – graças a Deus! – foi o molho da salada.

domingo, 16 de agosto de 2009

De molho

Tá bom, eu confesso. É o McDreamy.

É ele quem tem consumido minhas atenções, minhas energias, meus neurônios, minha inspiração e me impedido de escrever. Mas não só.

O George também, ah, o George... Que coisinha que é o George.

E o Denny, meu Deus! Que homem! Pobre Denny...

Até o Alex, quem é que não tem um fraco pelo cafajeste que maltrata os corações das mocinhas para ocultar as suas fragilidades?

(Todos eles, é claro, não me fazem abrir mão do Raj... Meu coração tem lugar para todos.)

Ah, mas eu não sou sexista. Antes deles também houve a Bette, a Shane... Ah, a Shane...

Meus leitores têm cobrado novos posts. Bom, não lembro quantas temporadas de Grey’s Anatomy eu ainda tenho pela frente, mas já esgotei as de The L Word que eu ainda não havia visto. Então, eu calculo que a abstinência não deva durar mais muito tempo.

O quê? Ora, bolas, é claro que de vez em quando eu me entupo de seriados americanos por semanas a fio, deixando de lado minhas leituras edificantes, meu intenso processo de escrita e minhas viscerais reflexões existenciais! Ser profunda cansa, não sabiam?

Volto logo.

domingo, 26 de julho de 2009

What u wearin’, babe?

Hum... Adivinha...
.
... meias esportivas brancas, meia-calça de lã marrom, meias de lã amarelas, calça de moleton cinza, camiseta azul, malha de lã verde, moleton azul, casaco de nylon preto, cachecol colorido e chinelos azul marinho.
.
Brrrrrrrrr!




sábado, 11 de julho de 2009

À deriva

Para Meine Liebe
No começo deste ano, fui presenteada por uma amiga com o livro Na praia, de Ian McEwan, e a seguinte dedicatória:

“Para Cris,
Um livro sobre a impossibilidade de se partilhar experiências e a filosofia do ‘Vive aí’”.

Penso que dar ou emprestar um livro é uma maneira de partilhar com uma pessoa querida a sensação de que alguém, em um momento de inspiração, foi capaz de dar forma a sentimentos, emoções e vivências que experimentamos muitas vezes sem sabermos nomear.

Neste caso, no entanto, o que minha amiga e eu partilhávamos era justamente a nossa percepção sobre o quanto as experiências podem ser “impartilháveis”. Em Na praia, um jovem casal em lua de mel partilha (!) uma refeição momentos antes da consumação carnal do casamento. Ambos se casaram por amor, sem qualquer dúvida sobre o que sentiam, sem que tivessem sido compelidos por qualquer outro motivo que não a sua própria vontade. Ainda assim, sentados de frente um para o outro naquela mesa, no quarto do hotel, cada um vivencia sentimentos absolutamente particulares em relação ao outro e àquele momento. McEwan leva ao extremo a impossibilidade de se dividir inteiramente a intimidade com alguém, mesmo que esse alguém seja justamente quem mais amamos. Essa impossibilidade leva a consequências devastadoras para os protagonistas do romance.

Eu e minha amiga pensávamos muito sobre isso na época em que ela leu esse livro e decidiu dá-lo para mim. Eu já havia contado a ela a respeito daquilo que meu pai me ensinou: que o que existe entre um casal tem sempre uma faceta invisível para quem está fora da relação. Concordamos nisso. Mas nos sentíamos especialmente espantadas com o fato de que, mesmo dentro da relação, cada indivíduo de um casal pode viver uma história absolutamente diferente da vivida pelo outro. Era algo que nos causava um impacto profundo, não exatamente por ser surpreendente, e sim por ser algo que reconhecíamos de forma clara em nossas próprias vidas, em nossas próprias relações.

A segunda parte da dedicatória – a “filosofia do ‘Vive aí’” – foi a única conduta factível que encontramos diante dessa constatação. Posto que é impossível saber o que realmente se passa no íntimo das pessoas – mesmo que essa pessoa seja alguém que se deita ao nosso lado todas as noites – só nos resta seguir vivendo, aceitando a nossa absoluta falta de controle sobre a vida, a total imprevisibilidade do nosso destino.

A impossibilidade de partilhar experiências pode se revelar para quem vive junto há anos. Basta pensar naquele casal que durante trinta anos foi incapaz de ir até a padaria sem dar as mãos para atravessar a rua. Um dia, sem mais, ele se descobre apaixonado por uma mulher trinta anos mais jovem. Sai de casa, se afasta dos filhos, sequer se dá ao trabalho de conhecer a primeira neta. Parece história de novela mexicana, mas é vida real. E a esposa, completamente perdida, só sabe se perguntar se tudo aquilo que ela achou que tinha vivido foi um sonho sonhado só. Era? Impossível saber.

Se a impermeabilidade dos sentimentos íntimos acomete um casal que se conhece há tanto tempo, é evidente que não poupa também os jovens enamorados. Foi assim comigo. Quando achei que a minha relação tinha chegado exatamente no lugar que eu esperava – um amor maduro, companheiro, equilibrado –, ela acabou. Sinal de que, do outro lado da linha, havia alguém bem menos satisfeito do que eu. Como saber? Como prever? Impossível.

Casais que vivem juntos há trinta anos, casais que namoram durante quatro anos. E quando apenas começamos a conhecer alguém? Nada se compara à tensão de tentar interpretar os primeiros passos, gestos, movimentos e palavras de alguém que nos interessou. Queremos atribuir sentido aos mais ínfimos comentários, encontrar o significado oculto de um olhar, buscar a intenção secreta de um roçar de ombros, descobrir a entonação exata de uma risada. Nós, mulheres, somos particularmente ansiosas na busca dos sinais. Não me livro disso.

E quando a desejada relação, em que tanta energia se investiu, se desfaz em meias palavras ou palavra nenhuma, é também típico das mulheres encostar os machos contra a parede – com diferentes níveis de delicadeza – esperando espremer deles as palavras que as libertarão das suas esperanças vãs. Se as palavras não vêm, elas insistem de todas as formas, até que seu orgulho as faça recolher-se novamente.

O que talvez as mulheres ainda não tenham aprendido é que o silêncio fala tanto quanto as palavras, ou, inversamente, as palavras são tão polissêmicas quanto o silêncio. As palavras, as meias palavras, as palavras mudas, todas elas falam o mesmo: da impossibilidade de partilhar experiências.

As palavras talvez criem a ilusão de que o amor que não vingou pôde, pelo menos, existir no espaço comum do entendimento. “Se ao menos pudéssemos falar sobre o que aconteceu!”. Acontece que o que aconteceu para um não aconteceu para o outro, e isso não é algo que possa ser explicado em palavras. Pode, simplesmente, ser vivido em silêncio.

O silêncio polissêmico pode conter condicionais: “Se eu tivesse te conhecido em outro momento...”. Ou adversativas: “Você é legal, mas já tenho outra pessoa”. Às vezes, alternativas: “Ou eu fico sem você, ou me perderei de mim mesmo”. Aditivas: “Nem você, nem ninguém”. Concessivas: “Apesar de tudo, valeu a pena”.

Às vezes, no entanto, o silêncio pode ser tão unívoco quanto uma palavra chapada, bidimensional, afiada e precisa como uma faca. No silêncio, ouve-se apenas um sonoro e inequívoco NÃO.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Mulher Casada

Ela já começa avisando que não sabe se servirá como contraponto. E ainda comenta, possivelmente temendo uma resistência minha, que o nome pode ser mudado.

Respondo, de imediato, que não mude o nome! Eu não poderia me sentir mais lisonjeada... E acho que servirá de contraponto sim, mas não como a afirmação de que somos dois extremos opostos, e sim como confirmação de que, nas singularidades, nos encontramos. Família que escreve unida, unida permanecerá!

Não é à toa que eu sempre nos comparei a Arnold Schwartzenegger e Dany de Vitto. Tão diferentes, tão parecidas...

Mundo: conheçam minha irmã, a Mulher Casada!

domingo, 5 de julho de 2009

Nota mental aleatória em noite de domingo

Duas forças da natureza nunca deixam de me surpreender:

O poder restaurador de um dia de sol;

O poder destruidor de uma TPM.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

O cheiro do ralo

Dias difíceis. A crise finalmente chegou à “firma”. Primeiro veio o anúncio (oficioso) da mudança de endereço, com a respectiva dose (oficial) de indignação. Sem se dar conta da agudeza de sua análise, uma amiga profetizou: “em tempos de crise, temos é que dar graças a Deus por estarmos apenas mudando de sede, e não sendo mandados embora”.

Uma semana depois, em um único dia, enxurrada de demissões. Amiga querida na lista dos dispensados. Fusão de equipes. Extinção de cargos. Reestruturação. Reuniões intermináveis entre diretores e gerentes – em salas-aquário que revelam rostos constritos e só aumentam a ansiedade dos peixes de fora. E-mail do diretor geral, supostamente de injeção de ânimo, pelo “tanto já alcançado”, pelo “tanto ainda a alcançar”. Exemplo vivo do “tapar o Sol com a peneira”: quem tem cabeça para isso nesse momento? Aliás, cada um só pensa mesmo em quanto tempo falta para a sua própria cabeça rolar.

Em meio à angústia dos telefonemas, da espera pelas notícias de quem sabia mais, das confabulações sobre o futuro da empresa, das análises sobre o acontecido, me peguei limpando furiosamente o ralo da pia do banheiro. Logo eu, o anti-herói das prendas domésticas, o terror das faxineiras, aquela cujo banheiro, segundo a Mãe Sereia, sempre parece ter sido perscrutado por um “filhote de São Bernardo”. Pois lá estava eu, cutucando o ralo com o que me aparecesse pela frente, esfregando-o com força, esquecida do mundo, como se daquilo dependesse toda a minha vida. Assim fiquei, minutos a fio. Só me dei por satisfeita quando ele brilhou e a água passou lisa pelo buraco, sem qualquer interrupção.

Aqui estamos nós, buscando sempre o Bom, o Bem e o Belo nas pequenas coisas, tentando extrair poesia das ausências, tentando atribuir sentidos aos espaços vazios. Mas o ralo continua sempre lá. E há horas em que temos de nos haver com ele, com a sua sujeira, e mais nada.

sábado, 20 de junho de 2009

Poetoterápico

Happy end
(Cacaso)

O meu amor e eu
nascemos um para o outro
agora só falta quem nos apresente

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Roll-on

O simpático Pipa-do-vovô vende cerveja na Augusta, em frente ao Studio SP. Como não bebo cerveja, talvez não tivesse tido razão suficiente para reparar nele, não fosse por um pitoresco diálogo que ele tomou a iniciativa de travar. Começou com uma escancarada conferida sobre a minha silhueta, de fio a pavio, sem a menor cerimônia. Em seguida, veio a sentença:

- Que mulherona!

Eu, que gosto de saber onde vão dar certos caminhos, dei corda:

- O senhor viu?

Rapidamente Pipa-do-vovô se sentiu na obrigação de se explicar:

- Assim... Grande, né?

Não me fiz de rogada:

- Pois é!

O espanto deu lugar a uma curiosa timidez. E, com a mão na cintura e a cabeça meio tombada para o lado, veio o pedido:

- Eu posso lhe fazer uma pergunta?

- Claro! – Respondi, curiosa.

Os olhos revirados de afetação, disparou:

- Se um homem assim, do meu tamanho, quisesse namorar com você... Você aceitava ele?

Respondi, com sinceridade:

- Lógico! – e acrescentei um dado técnico para dar mais credibilidade à minha afirmação – O senhor sabia que a média de altura do homem brasileiro é 1,68 m?
Imagine se eu fosse namorar só homem da minha altura!

- Hum... Desodorante...

Acostumada à minha surdez, sinalizei que não havia entendido o comentário. Ele completou o raciocínio:

- Aquele, de passar no sovaco...

E, com a mesma desfaçatez com que me medira no início da conversa, levantou meu braço e posicionou a cabeça na altura da minha axila, como a sublinhar a nossa diferença de altura:

- Ia ser o seu desodorante!

domingo, 14 de junho de 2009

Síntese dialética

Não são, afinal, passado, presente e futuro águas do mesmo rio caudaloso de Heráclito, aquele que é a um só tempo sempre o mesmo e sempre outro?

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Elogio ao amor

Laura sempre gostou de livin' la vida loca e nunca achou que o casamento tinha sido feito para ela. Um dia, porém, conheceu Dênis. Cismou com ele, com seu jeito tímido, com seu ar misterioso. Fez tudo ao contrário do que mandam os manuais... O rapaz não deu muita bola no começo, tinha até namorada. Mas um dia acabou caindo em si, chamou-a na chincha e, desde então, nunca mais quis largar dela. Laura, a solteira convicta, acabou se casando aos 25 anos de idade, e atualmente curte com o marido a realização do primeiro grande projeto conjunto: a compra de um apartamento.

Patrícia namorou com Lúcio durante quatro anos e meio. Ele sempre foi ciumento até dizer chega e ela, bem, não era exatamente uma moça tímida. As amigas viam o tempo passando e achavam que uma hora aquele caldo ia entornar. Entornou: Patrícia foi pra Inglaterra, descobriu o mundo e achou que estava na hora de viver outras experiências. Ela e Lúcio nunca deixaram de se ver e de se falar, mas para ela aquela história tinha ficado para trás. Quatro anos e meio depois... Patrícia descobriu que Lúcio era mesmo tudo o que ela queria. Casaram, tiveram uma filha e hoje administram a saudade durante cinco dias por semana, pois o emprego de Lúcio exigiu que ele fosse morar em outra cidade.

Dana não imaginava que a vida ao lado de alguém podia ser tão boa e tranquila até conhecer Marcelo. Depois de alguns meses de namoro mudou-se para a casa dele, depois de outros tantos meses morando juntos decidiram se casar, e tudo seguia seu rumo sem previsão de chuvas nem trovoadas. Mas, quando Dana passou por uma situação difícil, Marcelo não soube estar junto. E, mesmo dividindo toda noite a mesma cama, os dois acabaram se distanciando, até chegar em um ponto em que o amor, mesmo tão grande, acabou. Dana não condena ninguém que decida manter um casamento por comodidade, pois sabe que a separação pode ser a coisa mais dura que uma pessoa enfrenta na vida. Tentando juntar os cacos, resolveu investir nos seus próprios planos: foi fazer aula de francês para tentar um emprego no Canadá. Lá reencontrou Igor, seu namorado dos tempos do colégio. A velha chama reacendeu... Dana descobriu, afinal, que o amor mais tranquilo nem sempre é o mais verdadeiro. Lá estão eles, Dana e Igor, tentando descobrir como conciliar a bagunça dele com a mania de organização dela, poucos meses depois de terem juntado os trapinhos.

Fabíola e Tim eram daqueles casais que todo mundo dava como certo que ficariam juntos para sempre. Mas, como dizia o poeta, “pra sempre sempre acaba”... Ele veio para São Paulo, ela ficou em Brasília, o namoro foi ficando morno e um dia acabaram achando que aquela história não ia mais dar samba. Cada um pra um lado, meses depois, Fabíola já curtindo a vida de solteira de novo, resolveu se consultar com o Caco, seu astrólogo. No fim da sessão, quase indo embora e meio sem saber por que, decidiu perguntar ao guru o que os astros diziam sobre Tim. Caco olhou o mapa do moço e foi enfático: se você não for atrás desse bofe, vou eu! Um mês depois, lá estava Fabíola em São Paulo, juntando as escovas de dentes com Tim, em um casamento que já dura mais de cinco anos e acabou de render um mini ser humano.

Lena comeu muita grama vivendo amores não correspondidos. Dona de um coração do tamanho do mundo, ensaiou um ou outro namoro, mas sempre acabava na mão, com os olhos inchados e a impressão de que não havia vindo ao mundo para ser feliz no amor. Um dia, sem muita explicação, começou a se sentir muito bem consigo mesma. Raspou o cabelo, viajou pela primeira vez sozinha, decidiu mudar de área. Foi nessa época que, numa festa, conheceu Roberto. E o moço, versado em senso prático e com especialização em companheirismo, nunca deixou que ela se sentisse diminuída: ligou no dia seguinte, e no outro, e no outro, e quis namorar com ela, e morar junto com ela, e casar com ela. A vida, é claro, nem sempre é um mar de rosas, mas já lá se vão sete anos juntos e eles se mantêm firmes...

Márcia sabia que Fábio não era nem de longe o bom partido que as mães desejam para suas filhas. Ainda assim, achava-o apaixonante, e com ele viveu alguns dos momentos mais mágicos da sua vida. Quando ele terminou com ela, a moça sofreu horrores, mas soube tirar proveito disso para, alguns meses depois, retomar o namoro fortalecida. Um dia, um amigo de Fábio, casado com uma amiga de Márcia, declarou-se apaixonado por ela. Márcia nem cogitava se separar de Fábio, era feliz com ele; mas o que fazer com esse novo amor que subitamente ela descobria? Foram meses de sofrimento, para os quatro. Por fim, nessas acomodações que a vida promove mesmo quando isso pareceria impossível, Márcia e Gil acabaram se acertando. Hoje não imaginam viver um sem o outro. Para Márcia, foi seguramente a experiência mais difícil da sua vida, o que mostra que vida e morte, prazer e dor, chegadas e partidas andam sempre juntas.

Elisa e Artur fizeram juntos algumas matérias no primeiro ano de faculdade, mas ele logo pediu transferência e pouco tempo depois eles perderam o contato. Naquela época, envolvido com uma ex-professora, ele viveu um relacionamento intenso que virou um casamento de três anos. Um dia não deu mais para ficarem juntos. Artur teve ainda outra namorada com quem passou bons anos. Elisa, nesse tempo, também viveu as suas histórias. A mais longa delas durou cinco anos e se espalhou por todos os cantos da sua vida: com Márcio ela trabalhava, brincava, amava, viajava, brigava, consertava. Eles eram tão igualmente diferentes que pareciam mesmo feitos um para o outro, mas tanta proximidade acabou desgastando a relação. Com o coração refeito, um dia Elisa reencontrou o amigo Artur em uma virada cultural. A paixão foi tão violenta que dava pra se perguntar como eles levaram quase dez anos para se descobrir. Namoro, ajuntamento, filha... Tudo isso em pouco mais de vinte e quatro meses! Felizes, muito felizes...

Renata não tinha tido muitas experiências no amor antes de conhecer Bruno. Pelo menos, no que diz respeito a relacionamentos não platônicos e correspondidos. Quando a história dos dois engatou, as amigas comemoraram. E não é que toda tampa tem mesmo a sua panela? Um ano se passou, e outro, e outro, e outro e mais outro... O primeiro namoro acabou virando casamento. Paciência, se Renata não teve a oportunidade de construir outros parâmetros. Tem gente que passa a vida inteira procurando uma história de amor que valha a pena; outras, encontram de primeira! O negócio é abraçar a oferta da vida e continuar acreditando que tudo, sempre, valeu a pena. Mesmo nos dias em que é difícil ser dois...

Juliana teve o primeiro namorado sério aos dezoito anos. Tempos modernos, conheceu-o no antigo IRC, junto com um monte de outros amigos virtuais que faziam questão de se tornar reais. O namoro durou dois anos e depois perdeu o prazo de validade. Dali em diante, foram muitos os rolos, ficadas, paqueras e até um ou outro namoro, mas parecia que Juliana tinha perdido a mão. Seria possível que ela não encontraria mais alguém com quem realmente valesse a pena estar junto? As amigas acompanhavam as aflições, e desacreditavam de como uma mulher com tantos predicados pudesse ser tão pouco agraciada pelo amor. Mais de dez anos depois do primeiro namorado, foi navegando novamente em águas virtuais que ela conheceu Roger. Mesmo não tendo visto fogos de artifício, investiu com graça e energia até o rapaz perder o medo e decidir pedi-la em namoro. Quase dois anos depois, os dois curtem o prazer de uma relação madura e cheia de afinidades.

Helena não sentiu nada de especial na primeira vez em que viu Felipe. Ele, por sua vez, ficou de queixo caído. Não deu descanso durante meses, colou, chegou junto, encarnou até ela decidir dar uma chance... Começaram a ficar, a namorar, a viajar junto... Um dia a mala voltou de viagem e a roupa não voltou para ser lavada em casa. Os dois já tinham trabalhado juntos e agora moravam juntos. Eles eram meio como água e vinho, mas ainda assim achavam que tinha graça tentar ajeitar aquele tanto de diferenças. E foi nesse exercício diário de tolerância que, juntos, realizaram o feito mais bem acabado de suas vidas. Infelizmente a vida depois dos bebês nem sempre é fácil para os casais, as diferenças falaram mais alto e foi preciso dividir as vidas novamente. Mas quem presenciou o parabéns do segundo aniversário desse filho, de pé em um banquinho entre a mãe e o pai separados, com o sorriso mais lindo e meigo do mundo, sabe que algumas histórias, mesmo quando não dão certo, valeram a pena.

Isabel nasceu em uma família católica e sempre foi mantida debaixo de rédea curta pela mãe. Quando veio fazer faculdade em São Paulo, deixou o namorado no interior. Naquele tempo o controle ainda era rígido e qualquer coisa que se fizesse entre quatro paredes era pecado. Um dia o namorado deu no pé. Isabel sofreu... Até que, navegando na internet com Fátima, conheceu Arnaldo. Fátima gostou de Arnaldo, mas Arnaldo gostou mesmo foi de Isabel... que também gostou de Arnaldo. A amizade não resistiu ao triângulo, mas o amor se mostrou mais forte do que a mãe católica, virou ajuntamento em poucos meses e só depois foi consagrado nos ritos da santa igreja. Com a primeira filha no colo, Isabel foi de mala e cuia com Arnaldo tentar a vida em Nova Iorque. É lá que ela aprende todo dia a ser mãe, a confiar em si e a não deixar o copo d’água virar tempestade. Foi lá, também, que ela se descobriu escritora. E que teve o seu segundo filho, criando um laço perene com aquela terra estrangeira que ela agora chama de lar.

Fabiana estudou com Alberto desde o primeiro ano da faculdade. Nunca alimentou por ele qualquer sentimento diferente de amizade; dele já não se pode dizer o mesmo. Alberto, na verdade, sempre gostou de Fabiana... Era difícil driblar as indiretas, as sabotagens, as investidas de Alberto, mas Fabiana fingia que não tinha visto e tocava o barco. Cada um teve os seus respectivos relacionamentos, Alberto chegou a morar junto com uma namorada, Fabiana foi morar em San Diego. Um dia, sem mais nem por que, Fabiana olhou para Alberto de um jeito diferente... Ainda levou uns meses para se convencer do que acabou se revelando óbvio: a amizade tinha virado amor. Quer coisa melhor do que se apaixonar por alguém que sempre esteve ao seu lado, mesmo quando ainda não era possível corresponder a esse amor? Casaram-se no começo desse ano e passam muito bem, obrigada.

Cristina já conheceu o amor. Como a última vez em que ela o encontrou não foi a primeira, também não quer supor que tenha sido a última. Quando esse amor acabou, Cristina precisou olhar muito para si mesma e redescobrir o seu prazer nas pequenezas, reassumindo as suas escolhas, reaprendendo o seu caminho. Mesmo não tendo sido o caminho que ela escolheu, soube torná-lo significativo e encontrar a sua dose de paixão em tudo aquilo que faz. Cristina ainda acredita que o amor está à espreita, esperando o melhor momento para surpreendê-la novamente. Enquanto isso, diverte-se com a paisagem...

Uma homenagem a algumas de minhas amigas (a quem agradeço, mesmo sem ter pedido licença, por me deixar contar suas histórias – com nomes devidamente trocados para preservar sua identidade) e a todas as mulheres casadas, solteiras e separadas que continuam acreditando no amor, apesar de tudo...

terça-feira, 9 de junho de 2009

Dalila

Decidida a deixar o passado para trás, resolveu começar pelos cabelos.

Em seguida, foi exibir o corte novo ao seu passado.

sábado, 30 de maio de 2009

Salomão, uma história de amor

A primeira vez que vi Salomão, ele era uma coisa verde e amorfa na prateleira da loja de brinquedos. Dividida entre um piupiu e uma girafa, resolvi tirar a prova puxando pela pata aquele bicho cuja identidade eu não conseguia decifrar. Não sei se por vergonha ou por falta de jeito, Salomão se enroscou na bicharada e o zoológico inteiro veio abaixo. Hoje sei que ele não fez por mal, mas naquele instante o meu embaraço só me fez olhá-lo com mais desconfiança.

Devolvida a fauna à prateleira – obrigada, desculpe, Ah, o pinguim!, obrigada! – parei para examinar a espécime que se encontrava em minhas mãos. Corpanzil de pelúcia com uma fuça gigante, olhos maiores ainda, crina vermelha de trapos de pano, pernas longas e curvadas de aranha. Salomão não se encaixava em nenhuma das categorias animais do meu repertório. Havia nele algo de patético que chegou a me comover por alguns segundos, a ponto de eu esboçar alguns passos em direção ao caixa, mas logo mudei de ideia e resolvi colocá-lo de volta no lugar. Não sei se por desespero ou falta de jeito, Salomão se enroscou de novo na bicharada e nada o fazia entrar por completo na prateleira – ora era uma pata que ficava de fora, ora os olhos esbugalhados me encaravam, ora a bunda sobrava. Comecei a ficar aflita com a falta de colaboração daquele bicho. Respirei fundo e o empurrei com força, apenas para descobrir, com o coração aos saltos, que já era tarde. Eu não podia mais deixar Salomão para trás. Ele merecia ser de alguém que pudesse amá-lo, apesar de tudo.

***

A mãe trouxe Salomão para perto de Lia com cuidado – além de desajeitado, ele tinha quase o dobro do seu tamanho – e ela pareceu não se importar. Era um sinal positivo, a mãe explicou, e a adaptação deveria ser feita aos poucos. Lia aceitou que Salomão repousasse em seu colo durante alguns segundos. Todos comentavam, satisfeitos, que ela parecia ter gostado dele, embora a maior interessada não pudesse explicar se de fato o queria ou apenas o tolerava.

Foi então que, se aproximando lentamente, Theo tomou Salomão em seus braços e, com olhos redondos e brilhantes de que só as crianças de oito anos são capazes, fez seu apelo:

- Tia, que tal você trocar o jogo que me deu de presente por um bichinho menor para a Lia? E deixa esse aqui para mim...

Surpresa com a barganha, já que supunha que bichinhos de pelúcia fossem carta fora de baralho para pré-adolescentes de oito anos, perguntei se eu não poderia trocar o jogo por outro bicho igual ao Salomão, ficando cada um deles para um dos irmãos.

Mas Theo, que já conhecia Salomão antes mesmo dele existir, que já tinha até composto um rap em sua homenagem – rap que levou a mãe às lágrimas na reunião de pais da escola, com Lia ainda na barriga –, Theo sabia que não havia dois daquele. E explicou:

- Tia, a Lilica ainda é muito pequena. Deixa esse aqui comigo e troca o meu jogo por um bichinho menor para ela.

Eu e a mãe trocamos olhares significativos e optamos pela pedagogia do meio. Explicamos que Salomão poderia ser dos dois, assim como o jogo, se ele decidisse ficar com ele, ou um outro bicho, se ele assim preferisse.

Theo olhou nos olhos de Salomão e anunciou, solene:

- Este é o Salomão, gente.

Depois, passou a noite toda com seu cavalo de pano embaixo do braço. Na hora de ir embora, fiz uma última tentativa:

- E então, Theo, qual é a sua decisão em relação ao jogo?

E ele, com a convicção infantil que deixamos para trás em algum lugar:

- Pode levar, tia. Troca por um bichinho menor para a Lilica.

Olhei para a mãe, olhei para a Lia e, diante do seu consentimento silencioso, afinal cedi, na pretensão ridícula de que uma decisão de tal porte coubesse a mim.

- Tá bem, Theo. O Salomão é seu.

Enquanto eu lhe dava um abraço de despedida, Theo me contou, em segredo:

- Mas sabe, tia, não vou levar amanhã o Salomão na viagem que a gente vai fazer. É que lá tem muita gente, e eu tenho vergonha...

Dito isso, me deu um beijo, virou as costas e subiu as escadas carregando seu velho amigo pela mão.