quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A distância das coisas

A distância é uma coisa engraçada.

A distância afasta? Nem sempre. Tão longe, tão perto. Se assim não fosse, não haveria paixão platônica, namoro à distância, amor que resiste a anos de separação.

A distância faz arrefecer os sentimentos? Às vezes. Longe dos olhos, longe do coração. Há aqueles amores que só se constroem no miúdo, no juntar dos corpos, nas vidas que caminham na mesma direção.

A distância é mesmo engraçada. Uma palavra atravessada pode tornar meio metro em um oceano. Uma palavra bem-dita atravessa o mundo para acariciar o ouvido.

Perto demais, o amor pode acabar. Longe demais, também.

A distância entre nove anos? O esquecimento.

A distância entre sete quadras? Uma escolha.

A distância entre dois andares? A prudência.

A distância é assim: ora estica, ora encolhe. O que ela vai fazer comigo e com você, só o tempo vai dizer.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Altas literaturas

Que o Sig me perdoe, mas verão é tempo de ler Marian Keyes.
Los Angeles, aqui vou eu!

Novas lições introdutórias sobre a jardinagem literária

Caro leitor,

Posso imaginar, a esta altura, a sua (mais do que justificada) saturação de posts versando sobre a regular e sistemática – embora absolutamente involuntária – jagunçagem de plantas protagonizada por esta que aqui escreve, assim como as inesgotáveis metáforas decorrentes desta contumaz incompetência vegetal: a crônica da violetinha suicida, a lenda da cebola que germinou na gaveta do refrigerador e sobreviveu ao plantio invertido, o hai kai do cacto falecido, a fábula da cravina endurecida pela vida, a parábola da cravina renascente. No entanto, em nome da sinceridade herbal, é mister que eu cá faça uma retratação pública e retifique informações inverídicas divulgadas neste sítio virtual.

Por ocasião de recente e ilustre visita da Mãe Sereia ao recinto de minha residência, orgulhosamente exibi a ela meu vistoso vaso sobre a mesa de centro da sala:
- Mãe, viu a minha planta que ressuscitou?
- Qual, esta Azedinha?
- Ahhhnmmfff – resmunguei, em um muxoxo (então não era mesmo uma cravina? Bem que eu desconfiei que as folhas eram redondas demais... Maldita Poliana!) – é esse o nome dela, é?
- Sim... Mas e então, você replantou a cravina neste outro vaso?
- Não, mãe, esta outra cravina já existia. Lembra-se de que eram duas, uma rosa e a outra branca? A branca morreu, tirei os restos mortais do vaso e... nasceu essa Azedinha aí.
- Sei (cara de quem já viu de tudo nessa vida). Natural, minha filha... a vida é uma eterna luta pela sobrevivência. Provavelmente a Azedinha veio de gaiato no vaso e acabou parasitando a cravina. Isso acontece o tempo todo na natureza.
- Sim, claro, naturalmente...
Hoje voltando para casa, já havendo me despido do véu de ignorância que cobria meus olhos, constatei o óbvio: a Azedinha é a planta mais ordinária que existe, daquelas que dão – com o perdão do trocadilho – em qualquer moita. Ainda assim, caro leitor, seguirei envidando esforços em prol da sobrevivência de mais este legítimo representante da natureza e das figuras de jardinagem.
Aos aspirantes a escritor (dentre os quais humildemente me incluo), a vida – e as plantas – ensinam mais uma: nem sempre a verdadeira lição é aquela que se julgou haver aprendido.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Tsé-tsé

E com o poder investido em mim por mim mesma, por Irene e por Greiscou, declaro o dia 20 de novembro o Dia Mundial do Sono. E que conste nos autos e que se revoguem todas as disposições contrárias e que tragam o meu travesseiro. E tenho dito. Amém.

domingo, 16 de novembro de 2008

Vicky Cristina Barcelona

Então eles se casaram e viveram felizes para sempre.
Ou quase.

Vinte anos aparentemente felizes, dois filhos criados, uma casa comprada, um negócio prosperando e muitos planos conjuntos concretizados depois, um dia ela nota algo de diferente.

- Você está bem, amor?
- Não.
- O que foi?
- Acho que não te escolhi. A vida escolheu por mim, não fui eu que te escolhi.
- ...
- Não sei se te amo. Não sei se quero continuar com você.
- ...

Ainda levaram dois anos – longos e sofridos – para se separar efetivamente.
Hoje ele caminha em busca de algo que não sabe bem o que é. Espera poder dizer um dia que algo em sua vida foi fruto de uma escolha sua. Ela, na outra direção, caminha em busca de aprender a desejar novamente, depois de quase uma vida inteira de certeza sobre o acerto da sua escolha.

Como pode ser acertada uma escolha para dois que só foi feita por um?
Como é possível viver durante vinte anos com aparente felicidade uma vida que não foi escolhida?

A cada instante, a vida vai se revelando menos exata do que nos ensinaram. Ou talvez ninguém tenha ensinado, talvez tenha sido tudo fruto da nossa própria imaginação. Talvez seja apenas um arranjo psíquico necessário para suportar a angústia de saber que não há uma única pessoa no mundo que seja sempre igual a si mesma (nem nós mesmos), que amar alguém pode ser o caminho mais curto para causar sofrimento a ele ou ela, que nem sempre as pessoas precisam de um bom motivo para deixar de se amar.
Amar. Amor. É o tipo de conceito sobre o qual não se pode ter nada além de um juízo empírico, absolutamente singular, parcial e intransferível.

Que ninguém tenha a pretensão autoritária de julgar o amor de outrem menor, menos belo, menos válido. Que ninguém se arrependa de ter vivido um amor sem higiene, independente de quais tenham sido as suas circunstâncias e o seu fim.

A vida não é exata. O amor não é exato. É algo tão complexo que acaba ficando simples.

Woody Allen que o diga.

sábado, 8 de novembro de 2008

Livre-arbítrio

“Será que existe mesmo esse Deus que quer o que você quer que o outro queira?”

(Frase inspiradíssima do espetáculo “Noé Noé! Deu a louca no convés!”, de Ivaldo Bertazzo, em cartaz no Tuca, em São Paulo.)