segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Divã

- Depois que fui embora naquele dia fiquei muito mal e passei umas duas semanas bem difíceis... não sei o quanto foi resultado da nossa conversa ou não... de qualquer jeito fiquei tentando entender o que havia acontecido e uma das coisas que me chamou a atenção é que eu nem mesmo conseguia reproduzir o diálogo que havíamos tido. Vou te dizer então o que é que eu pensei durante esses dias e como foi que interpretei o que aconteceu. Acho que talvez eu tenha sido infeliz na maneira como expus aquilo que eu queria te dizer, e talvez isso também se deva ao fato de os nossos encontros serem mensais e haver muita coisa para se dizer em muito pouco tempo. De qualquer forma, três semanas atrás eu ainda não tinha tanta clareza sobre o que estava tentando dizer, e pensar sobre isso me fez sistematizar um pouco melhor os meus pensamentos e chegar a uma síntese. O que eu estava querendo dizer, e não sei se você entendeu, é que todas aquelas leituras e aqueles questionamentos sobre a terapia, a psicanálise, as questões existenciais com as quais o homem se debate etc. me fizeram pensar o que se pode, de fato, esperar de um processo terapêutico. Qual é o ponto de chegada? Em que momentos estamos? Parei para pensar que, quando finalizamos a primeira etapa da minha análise, cinco anos atrás, você foi muito enfática na sua opinião de que eu ia me beneficiar daquele término, que eu já havia desenvolvido uma série de recursos dos quais não havia ainda lançado mão porque no fundo não queria me separar de você. E agora estamos juntas novamente já há quase quatro anos, é claro que em uma situação diferente, que não poderíamos chamar de análise, já que temos nos visto uma vez a cada quinze dias, três semanas, um mês... e durante todo esse processo você nunca mais tocou no assunto sobre concluirmos o trabalho. Então me peguei pensando sobre qual (ou quem) é o parâmetro para se concluir se o processo terapêutico foi satisfatório ou chegou a um termo. E concluí que esse parâmetro é o próprio paciente! (ou cliente, ou analisando, não importa)... Foi então que me dei conta de que eu estou satisfeita com o resultado do nosso trabalho. Ou seja, eu gosto de ser quem eu sou. E quando disse que estava “de saco cheio desse papo de Sherazade” não quis de forma alguma desprezar o longo caminho que percorri junto com você e nem dizer que a partir de agora vou sentar no pudim e simplesmente seguir os meus impulsos naturais... Quis dizer apenas que talvez as minhas armas de sedução não sejam as mesmas da Sherazade e eu estou ok com isso, gosto de ser profunda, sensível, da entrega, de intimidade, de abertura. E se isso não for o suficiente para atrair um homem ou se isso afugentá-lo, paciência... Não quero mudar, estou reconciliada com a minha história, com quem eu sou. E mesmo naquele episódio recente que discutimos, era isso o que eu queria dizer quando falei a fatídica frase “acho que ele fez um pouco de propaganda enganosa”. Eu não estava deixando de reconhecer a minha enorme parcela de culpa no fracasso da história, mas achei que já havíamos discutido isso suficientemente na sessão anterior, e o que eu estava identificando da parte dele é que talvez não estivesse em contato direto com os seus sentimentos, que deu uma impressão errada daquilo que queria ou esperava da nossa relação, mas não me relacionei com isso sentindo raiva ou desprezo; pelo contrário, foi exatamente identificando uma limitação dele e aceitando que as pessoas têm limites. Ou seja, tem uma parte que me cabe nesse latifúndio e tem outra que está para além do meu controle, que não me diz respeito. Mas estou ok em relação a isso. Gostei da maneira como lidei com toda a situação. É verdade que a consciência dessa vez veio junto com a ação mas não foi suficiente para freá-la, mas acho que ela já está vindo muito mais rápido. Enfim. Acho que o sofrimento foi administrável, suportável... E pensando também sobre a idéia de felicidade, que tenho discutido bastante com duas amigas do tempo da escola, argumentei com uma delas que felicidade não é ausência de sofrimento, dor... Felicidade tem muito a ver com a questão da liberdade, ou seja, com a nossa percepção sobre o fato de que somos apenas o resultado das nossas ações. E acho que a terapia tem muito a ver com isso também, com trazer para o paciente a percepção sobre a sua responsabilidade para com a sua felicidade ou infelicidade, que é o resultado da maneira consciente e voluntária com a qual ele interage com os dados imprevisíveis e inevitáveis da realidade. E fico satisfeita ao perceber que hoje, mesmo passando por momentos de grande angústia e sofrimento – e talvez aparentemente de forma paradoxal também por isso – me considero uma pessoa feliz.

E ela concordou.

4 comentários:

Anônimo disse...

muito bom.
queria ter tempo pra fazer análise.
como não tenho, uso o blog.
=)

beijo.

Mulher Solteira disse...

Drika, querida,
que bom que você gostou do meu excerto quase pornográfico de sessão de análise. Eu também não tenho tempo para ela hoje em dia, mas como o meu caso era grave comecei a apertar os parafusinhos aos 15 anos! :)
Beijão,
Cris.

MH disse...

é isso! ser feliz não é sorrir o tempo inteiro. É gostar de quem vc é, de como vive sua vida, buscar momentos e situações de felicidade...
é bom chegar nessa conclusão, né?

Mulher Solteira disse...

MH: Ô!