domingo, 29 de março de 2009

A traição das imagens

("A traição das imagens" - René Magritte)
Resolvi sacudir o esqueleto em uma aula de salsa. Um pouco traumatizada desde que sofri um assalto a mão armada no ano passado, comento com minha amiga o quanto a escola de dança me parece desorganizada e vulnerável. “Se eu fosse um ladrão, entraria em uma dessas salas e faria uma rapa nas bolsas”, comento.

As neuroses urbanas nossas de cada dia ficam de lado enquanto treinamos o nosso cross simples e com giro, rimos dos mocinhos desajeitados e perfumados que sofrem para aprender os novos passos, driblamos a empáfia dos vovôs dançarinos que insistem em apontar algum defeito no nosso suingue, aprendemos a ser conduzidas e não tentar adivinhar os passos do cavalheiro antes do tempo.

Ao fim da aula, encontro vazio o gancho onde deixara pendurada a minha bolsa. Congelo por dentro, chocada: que boca, meu Deus! Esse poder de predição aplicado à megassena faria um estrago. Mas no momento só penso mesmo no transtorno de refazer todos os documentos que, menos de um ano atrás, me fizeram percorrer todo o circuito banco-poupa-tempo-cartório-eleitoral-loja-da-claro, além daqueles que eu ainda não tinha naquela época, como o cartão de ponto e o cartão da catraca de entrada para o trabalho. E a chave do carro? No primeiro assalto me levaram uma, e agora, sem a outra, teria que ir até a concessionária para fazer uma nova cópia.

Enquanto tento me consolar pensando que pelo menos dessa vez fui poupada do trauma de ver apontada em minha direção uma arma de fogo, conto a notícia para Lóris. Checamos duas vezes o banheiro e a sala de aula antes de voar até a recepção. Lá, minha solidária amiga pergunta, com um fio de esperança na voz, se alguém por acaso deixou uma bolsa sem dono para identificação. Diante da negativa da recepcionista, damos a má notícia. Ela procura imediatamente o dono da escola. Pedem que eu descreva a bolsa; faço-o em minúcias: é preta, de tecido, com delicada estampa de fios brancos bem fininhos, alça de couro cor de ouro velho, com fivelas... Nem comento que acabei de ganhá-la de aniversário de Manélson e que, além de linda, tem enorme valor afetivo para mim.

Aproveito para dizer à recepcionista e ao dono da escola que, para além do meu pequeno drama pessoal, gostaria de aproveitar a oportunidade para sugerir que melhorem a segurança. Comento a ridícula coincidência do meu comentário sobre o assunto pouco antes da aula. Eles afirmam que jamais tiveram problemas como esse, que não sabem explicar como pode ter acontecido, que não notaram nenhum desconhecido dentro da escola naquela noite. Afirmo, um tanto resignada, que certamente o responsável pelo furto é alguém conhecido. A recepcionista volta comigo até a sala, mostro a ela que a bolsa não está no gancho em que a pendurei e em nenhum outro.

Voltamos para a entrada da escola. Comento com Lóris que é melhor verificar se o meu carro está estacionado onde o deixei; vai que o ladrão já tivesse me seguido desde a chegada e, de posse da minha bolsa, tenha levado o carro junto. A recepcionista e o dono da escola comentam sobre o incidente com o vigia e também com os professores de salsa. Todos repetem os mesmos comentários: isso nunca aconteceu antes, não viram nenhum desconhecido na escola naquele dia, estão sempre de olho em quem entra e quem sai de cada sala... Mais uma vez insisto na minha tese: não se pode confiar em ninguém, certamente um dos alunos aproveitou-se da desorganização da escola para partir levando a bolsa impunemente. Lóris balança a cabeça para cima e para baixo, em concordância. Eles pedem que eu descreva a bolsa; faço-o mais uma vez: preta, de tecido, detalhes em branco, alças de couro...

Antes que eu vá até o meu carro, o professor sugere uma última olhada na escola. Talvez o ladrão tenha pego apenas o que lhe interessava e descartou a bolsa e parte do seu conteúdo em algum lugar próximo. Ele me acompanha novamente até a sala e, no caminho, comenta sobre o furto de seu carro no fim do ano passado, com um prejuízo de aproximadamente 7 mil reais. Penso que o ladrão não levou nada de valor com minha bolsa, mas me deixou uma enorme dor de cabeça para refazer todos os documentos que eu carregava nela.

Entramos na sala discretamente para não atrapalhar a aula em andamento. Mais uma vez aponto para os ganchos na parede e afirmo, com convicção: “veja, minha bolsa estava exatamente aqui”.

Para dirimir qualquer dúvida, repouso as mãos em todas as bolsas penduradas, uma a uma, confirmando: “não é essa, não é essa, não é essa, não é es...”.

Durante cerca de cinco segundos, meus olhos e meu cérebro tentam chegar a um acordo. Diz meu cérebro: “veja, nenhuma dessas é a minha bolsa”. Meus olhos comentam: “Puxa, mas esta bem que se parece com aquela de couro marrom que minha mãe me deu de Natal...”. O cérebro devolve: “sim, mas não foi com essa bolsa que eu vim para a aula de salsa”. Os olhos: “amigo, se eu vim com essa bolsa ou não eu não sei, mas que essa é bolsa é minha, isso é...”.

Nos quinze segundos seguintes, em pânico, procuro as palavras certas para anunciar a descoberta ao meu professor. Seria mais digno fazer-me de desentendida, voltar para a casa a pé e esperar que me ligassem, no dia seguinte, contando que a bolsa reaparecera. Mas como eu não poderia tirá-la do gancho e jogá-la no meio do caminho em algum lugar que confirmasse o meu álibi, fatalmente a verdade viria à tona.

Não há o que fazer a não ser assumir o vexame e, de orelhas baixas, pedir sinceras desculpas. Na sequência, voltar para casa e me enfiar embaixo dos lençóis por pelo menos sete dias.
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Será que uma caixa de bombons da Kopenhagen é suficiente para convencê-los de que sou uma pessoa relativamente normal e inofensiva à sociedade?
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Bom, não se pode ter tudo. Se autorizarem novamente a minha entrada na academia, já estou no lucro.

4 comentários:

Amarilis disse...

Oi amiga! Quando a gente é roubada uma vez, é roubada várias vezes. A psicanálise deve ter explicação pra isso... Para o momento, só tenho a sugerir o uso de uma singela pochete. Beijo e se cuide ;-)

Rebeca Bondioli disse...

Ih prima, é de família isso ;D os araujos estão fadados a isso, pelo jeito: fui assaltada sábado e estou no corre-corre tenso de recuperar tudo de volta.

super beijo!

neli araujo disse...

Cris linda,

Eu consegui até sentir teu mal estar quando percebeu que a tua outra bolsa estava lá, rsrsrs

Já passei pos algo parecido, não me lembro o quê, mas lembro da sensação...horrível, hehehe

Espero que eles não barrem a tua entrada lá, linda! Estas coisas acontecem, hehehe
bjs

Anônimo disse...

Ahahahahahahahahha...... sorry, mas foi inevitável!!!

Bjs
Flor....