quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Monte seu prato

O curso da História é irreversível, o avanço da tecnologia é irrefreável e não adianta chorar pelo leite de saquinho derramado. Ainda assim, há quem sofra de uma espécie de nostalgia crônica que, de tempos em tempos, se manifesta de forma surpreendente nas mais prosaicas situações do cotidiano.

Sim, essa sou eu. E, não vou ser hipócrita, faço bom uso da maior parte das facilidades do mundo eletrônico, virtual, interativo, tecnológico e midiático da atualidade, embora não seja nenhuma profunda conhecedora de nenhum gadget eletrônico ou linguagem de programação. Mas vira e mexe tenho uma prova cabal de que nasci em outra era e não fui programada para executar algumas tarefas simples e necessárias à sobrevivência em nosso ecossistema digital.

A mais recente confirmação dessa inaptidão à era pós-moderna surgiu sobre mim como um raio (da natureza) em uma praça de alimentação do shopping, onde fui trocar o meu falecido-já-vai-tarde Sony Ericsson por um tô-pagando-pra-ver Sansung (com foto do vendedor para reclamação personalizada caso a nova aquisição me dê tanta dor de cabeça quanto a anterior). Em tempos de restrição alimentar, procurei um restaurante que oferecesse opções interessantes de salada (que vergonha, nunca pensei que um dia eu me venderia para o sistema dessa forma).

Pedi à simpática garçonete que me trouxesse um cardápio e no segundo seguinte eu tinha nas mãos um objeto-não-voador-e-não-identificado com símbolos nada familiares, diria mesmo incompreensíveis. Solícita, ela me explicou: a salada pequena são essas folhas e mais quatro ingredientes, e a grande as mesmas folhas e oito ingredientes. Pode escolher à vontade.

No centro da cartolina plastificada, imagens sobrepostas do que identifiquei como uma folha de alface, outra de rúcula, outra de agrião e mais uma de radicchio. Em volta delas, formando uma mandala, minúsculos ícones representando os ingredientes à disposição.

Travei. Daquele mato não saía uma salada. Eu olhava, olhava e olhava pra aqueles minúsculos ícones de ervilha, champignon e cebola e simplesmente não conseguia enxergar o prato que eu queria.

– Que engraçado, né? – comentei, constrangida, com a garçonete e a mocinha do caixa – Acho que algumas pessoas realmente não têm inteligência pictórica...

Dois sorrisos metálicos muito, muito solícitos se viraram na minha direção.

– Não seja por isso, a senhora pode virar o cardápio e consultar nossas opções de salada prontas.

- Ah, agora sim! – Exclamei, satisfeita, apenas para virar a cartolina e descobrir um novo criptograma. Dessa vez eram linhas horizontais que se formavam pelos mesmos ícones diminutos de tomates, alcaparras, milhos...

“Não é possível que eu não saiba ler isso”, pensei com os meus botões. Insisti: não saiu nada. Derrotada, lancei o meu melhor sorriso às mocinhas do restaurante e soltei o famoso “Obrigada, vou dar mais uma olhadinha!”.

Atravessei a praça de alimentação, li um cardápio cheio de fotos de pratos prontos com detalhadas descrições verbais dos ingredientes e rapidamente escolhi uma reconfortante salada mista com uma panqueca de queijo e outra de carne. A única opção que me deram – graças a Deus! – foi o molho da salada.

5 comentários:

Renatinha disse...

Eu tb não sei comer neste restaurante. As massas de lá tem que ser composta por vc e nunca, nunca, nunca fica boa. Adoro pratos prontos. Sem erro. Sabor conhecido. Devia ter ido no Mc donalds, lá eu sempre acerto.... rs
beijo

Anônimo disse...

Me identifiquei totalmente com este post.
Acho péssimo-péssimo-pésssimo!

Pior são aquelas pessoas que saem todas felizes com seu penne à la mistureba: molho funghi com uvas passas, gorgonzola, camarão, alcaparra, nozes, tomate seco, alho poró, e - ufa! - kani. Blargh...

Mas enfim, tem quem goste e gera emprego. Hehe!

Anônimo disse...

Ichi! Deixei escapulir uma crase indevida.
Afinal, "la" é artigo...

(Eu não resito a uma emendinha...)

Beijos!

Mulher Casada disse...

Hahahaha, posso até visualizar vc petrificada em frente ao cardápio do Espoleto...

Mas como dizia a Vovó Beá: "O que seria do azul se todos gostassem do verde?".

Eu adoro coisas com figuras, pois é só bater o olho e toda informação já está lá... Aliás, durante BH, esse foi meu meio de alimentação todos os jantares de sexta-feira antes de voltar prá SP.

Beijocas!

Eduardo Trindade disse...

Hummm... No mínimo, essa tua "inaptidão" rende boas histórias!
E fizeste me lembrar de um colega que seria tua antítese perfeita: afeito às novas tecnologias, ele usa seu iPhone-de-última-geração, todos os dias, para tirar foto do próprio almoço. Não contente com isso, levou a mania (inofensiva?) além, criando um blog para colocar as tais fotos:
http://tastefulpixel.com/
Para quê exatamente, nem ele sabe dizer... O fato é que já deve estar bem famoso no refeitório como o cara que fotografa o próprio prato. Enfim...