Outro dia eu disse a alguém que, quando saí da casa dos meus pais, decidi morar sozinha, sem dividir apartamento com ninguém, porque queria saber quem eu era “longe de todo mundo”. Mas será que eu sou “eu mesma” longe de todo mundo? Ou será que, pelo contrário, eu só “sou” na e pela relação com o outro?
É claro que morar sozinha ajudou a confirmar algumas das minhas suspeitas fundamentais: eu sou mesmo uma bagunceira de marca maior – e não tenho pudor de criar fungos dentro da pia da cozinha –, sou péssima de planejamento doméstico – quando acaba o papel higiênico, apelo para o guardanapo, quando acaba o guardanapo, vou de papel toalha, quando acaba o papel toalha... enfim –, adoro dormir tarde, odeio acordar cedo, gosto de banho quente, cama quente e leite frio. Mas nada disso me diz, de fato, quem eu sou.
Há um texto belíssimo de Benveniste, chamado “Da subjetividade na linguagem”, em que ele demonstra que a linguagem só pode existir porque o sujeito se enuncia como “eu”, e ele só pode fazer isso quando e porque enuncia o “tu”. Ou seja, a linguagem já nasce do humano em relação.
Também já disseram que nenhum homem é uma ilha, e em todos os campos do conhecimento humano existem exemplos abundantes de que o homem é, por definição, um ser social.
Como, afinal, entender-se, perceber-se, emocionar-se, existir, sem a presença do outro? Sem um espelho?
Muitas vezes, quando nos apaixonamos, nos encantamos de fato por aquilo que vemos de nós mesmos através dos olhos do outro. O olhar apaixonado é um olhar que põe em relevo todos os predicados do objeto de desejo, que acolhe os seus defeitos, que minimiza as suas fraquezas. E pelos olhos desse outro nos apaixonamos por nós mesmos.
O problema é que as pessoas vêm e vão. Nem sempre, nem todas, não o tempo todo, nem sempre porque querem, mas muitas vezes quando a gente menos espera. E se a gente constrói a nossa imagem, a nossa beleza, a nossa delícia através do olhar do outro, quando ele vai embora, o que resta?
Quem sou eu sem o olhar do outro? Como não me esfacelar sem essa presença? O que resta de meu, de essencial, de perene, de necessário e não contingente? Talvez a dor de uma perda ou separação seja tão grande porque temporariamente a gente se perca da gente mesmo quando o outro se vai. Frases como “eu não existo sem você” e “minha vida não faz sentido” demonstram cruamente a dor de não se saber um “eu” sem o “tu” que foi embora.
Trata-se, então, de encontrar um centro de estabilidade em meio à instabilidade daqueles que vêm e que partem de nossas vidas todos os dias. Não é à toa que os gregos, lá atrás, já buscavam explicar o princípio que rege todo o universo. Seria o movimento? Ou, pelo contrário, o imobilismo? Ou, na verdade, o incrível e misterioso mecanismo que garante que as coisas mudem o tempo todo e, ainda assim, permaneçam?
Essa talvez seja uma pergunta para uma vida. Para muitas vidas, aliás, já que depois de Heráclito e Parmênides ainda gastamos uns bons séculos tentando decifrá-la.
Dentro de mim, no entanto, cada dia fica mais fácil gostar de quem eu sou, mesmo que “o que eu sou” seja, a cada dia, uma coisa diferente e, ao mesmo tempo, uma mesma coisa. As pessoas vêm, as pessoas vão, eu fico. Eu caio, mas levanto. Eu me entrego, mas me recolho e me acolho de novo.
Talvez aquela frase de que eu sempre gostei tanto – “o que é seu está guardado” – tenha sempre querido dizer o óbvio: o que é meu está guardado aqui, comigo, não é de mais ninguém, por mais que eu precise sempre dos outros para continuar sendo “eu”.
E, não importa o que aconteça, a minha grande lição eu nunca esqueço: existe algo dentro de mim que nunca vai se quebrar.
É claro que morar sozinha ajudou a confirmar algumas das minhas suspeitas fundamentais: eu sou mesmo uma bagunceira de marca maior – e não tenho pudor de criar fungos dentro da pia da cozinha –, sou péssima de planejamento doméstico – quando acaba o papel higiênico, apelo para o guardanapo, quando acaba o guardanapo, vou de papel toalha, quando acaba o papel toalha... enfim –, adoro dormir tarde, odeio acordar cedo, gosto de banho quente, cama quente e leite frio. Mas nada disso me diz, de fato, quem eu sou.
Há um texto belíssimo de Benveniste, chamado “Da subjetividade na linguagem”, em que ele demonstra que a linguagem só pode existir porque o sujeito se enuncia como “eu”, e ele só pode fazer isso quando e porque enuncia o “tu”. Ou seja, a linguagem já nasce do humano em relação.
Também já disseram que nenhum homem é uma ilha, e em todos os campos do conhecimento humano existem exemplos abundantes de que o homem é, por definição, um ser social.
Como, afinal, entender-se, perceber-se, emocionar-se, existir, sem a presença do outro? Sem um espelho?
Muitas vezes, quando nos apaixonamos, nos encantamos de fato por aquilo que vemos de nós mesmos através dos olhos do outro. O olhar apaixonado é um olhar que põe em relevo todos os predicados do objeto de desejo, que acolhe os seus defeitos, que minimiza as suas fraquezas. E pelos olhos desse outro nos apaixonamos por nós mesmos.
O problema é que as pessoas vêm e vão. Nem sempre, nem todas, não o tempo todo, nem sempre porque querem, mas muitas vezes quando a gente menos espera. E se a gente constrói a nossa imagem, a nossa beleza, a nossa delícia através do olhar do outro, quando ele vai embora, o que resta?
Quem sou eu sem o olhar do outro? Como não me esfacelar sem essa presença? O que resta de meu, de essencial, de perene, de necessário e não contingente? Talvez a dor de uma perda ou separação seja tão grande porque temporariamente a gente se perca da gente mesmo quando o outro se vai. Frases como “eu não existo sem você” e “minha vida não faz sentido” demonstram cruamente a dor de não se saber um “eu” sem o “tu” que foi embora.
Trata-se, então, de encontrar um centro de estabilidade em meio à instabilidade daqueles que vêm e que partem de nossas vidas todos os dias. Não é à toa que os gregos, lá atrás, já buscavam explicar o princípio que rege todo o universo. Seria o movimento? Ou, pelo contrário, o imobilismo? Ou, na verdade, o incrível e misterioso mecanismo que garante que as coisas mudem o tempo todo e, ainda assim, permaneçam?
Essa talvez seja uma pergunta para uma vida. Para muitas vidas, aliás, já que depois de Heráclito e Parmênides ainda gastamos uns bons séculos tentando decifrá-la.
Dentro de mim, no entanto, cada dia fica mais fácil gostar de quem eu sou, mesmo que “o que eu sou” seja, a cada dia, uma coisa diferente e, ao mesmo tempo, uma mesma coisa. As pessoas vêm, as pessoas vão, eu fico. Eu caio, mas levanto. Eu me entrego, mas me recolho e me acolho de novo.
Talvez aquela frase de que eu sempre gostei tanto – “o que é seu está guardado” – tenha sempre querido dizer o óbvio: o que é meu está guardado aqui, comigo, não é de mais ninguém, por mais que eu precise sempre dos outros para continuar sendo “eu”.
E, não importa o que aconteça, a minha grande lição eu nunca esqueço: existe algo dentro de mim que nunca vai se quebrar.
8 comentários:
Quando eu comecei a ler o post, logo nas primeiras linhas pensei na questão eu-tu... achei que seria coincidência demais e não é que mais pra frente você fala sobre ela!
Escrevi um texto que faz uma breve e "camuflada" menção ao termo. As traças adoraram a leitura e a minha mãe também.
Belo post, minha cara.
Manelson,
além do leite frio, banho e cama quentes...
* requeijão na torrada
* macarrão com molho vermelho
* suco de uva
* teu banheiro não é recheado de cremes e cosméticos, mas vc sabe fazer uma bela maquiagem quando precisa
* na tua casa tem muitos livros e poucos DVDs
* Lilás e azul são tuas cores
* Tua cama é grande, caprichada, típica de quem gosta de todos os prazeres fisiológicos proporcionados por ela
* Móveis cleans
* Um pouco de badauísmo
essa é vc. e: sim, há coisas só tuas, ninguém tira.
amo vc
beijos febris,
Mana
as vezes me pergunto; qual e o motivo que sempre me levou, a ter um pouco de receio com a situacao de se apaixonar. fazem dois dias, e por incrivel que pareca, conheci uma garota e pela primeira vez, eu entendi o significado da palavra paixao!;mariposas no estomago, arrepios,e tudo mais que acontece com alguem que sabese-la esta apaixonado. sempre fui um cara muito timido, e por isso nunca fui um bom conquistador. mas porem, todas as minhas ex namoradas, diziam que eu tinha um poder de seducao inigualavel; vai entender!!!. mas o ponto e que quero conhecer, talvez aqui (quem sabe) alguem que tenha algo em comum . assim como eu, uma pessoa bonita e inteligente; dentre outras qualidades, a ponto de as pessoas mais proximas me questionarem o motivo de eu estar ainda sem uma pessoa ao meu lado! as vezes procuro respostas e nao encontro. mas tenho a conviccao de que um dia tudo se resolvera de acordo com as fases da vida. ___----quero que aconteca logo, quero me dedicar a uma mulher, que para mim e sinonimo de ... nao tenho como descrever. mulher e vida, amor, e algo mais que esta alem da compreencao masculina. obrigado a voce mulher!!!!!
anôninimo,
tá propondo que oblog da minha amiga vire agência de encontros? eheheheh! brincadeirinha!
boa sorte aqui ou em qualquer lugar :-)
Jô (Manelson)
Amiga,
o Benve é tudo, né? Fiquei te devendo o texto dele... fica pra próxima. E pode parar com esse papo de mãe e traças, hein? Humpf...
Manééélson... que comentário mais de melhor amiga, não? Daquela que sabe de todas as nossas coisinhas... :) Amo você também, Maninha do meu coração.
Anônimo: se apaixonar é TUDO DE BOM! Se jogue, homem! :) As suas ex-namoradas têm razão. Os homens tímidos têm um poder de sedução fortíssimo, às vezes até inconsciente. Estou aqui torcendo para que você se deixe arrebatar por esse sentimento e volte aqui outras vezes para me contar sobre a sua experiência. Um beijo!
Manélson! Deixa o anônimo em paz! hahahahahahahahahaha :)
Acho que acertou na mosca quando questionou se a dor de uma perda ou separação é grande porque temporariamente a gente se perde da gente mesmo... é como se a gente tivesse que se redescobrir, reencontrar, reidentificar... dói, tira o rumo, mas com tempo e vontade tudo se ajeita de novo.
Adorei esse texto! beijo
muito bom ler isso.
não é como um passo a frente?
um momento de descoberta íntima.
a nossa melhor companhia somos nós mesmos, e qdo descobrimos, todos os relacionamentos ficam bem melhores.
MH,
que bom que você gostou! E realmente dói, mas como a gente faz para doer cada vez menos, ou pelo menos para não dilacerar, né? Como a gente fica triste, mas inteira? É um aprendizado.
Drika,
a consciência é um passo a frente. Precisa vir outro muito importante: a ação. Não sei se a gente é a nossa melhor companhia, mas no fim do dia, é a única companhia certa debaixo do cobertor, né não?
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