domingo, 18 de novembro de 2007

Descartes

Ele tinha mesmo traços fortes como a amiga havia descrito. “Um turcão”. Alto, braços grossos, olhos grandes esverdeados, olheiras, barba mal-feita, cabelos crespos, orelhas grandes. Afável, mas olhava de um jeito levemente incômodo, embora lisonjeiro, e de quando em quando arriscava uma frase que podia tanto ser um flerte quanto um comentário ao acaso.

Ela, por motivo qualquer, estava às voltas com a sua necessidade de categorizar, classificar e pôr ordem no mundo. Foi parar no samba rindo de si e da sua incapacidade de poesia.

Lá pelas tantas ele a tirou para dançar. Tinha envergadura, braços firmes, condução certeira. Ela se sentia a mais leve das bailarinas do alto de seu metro e quase oitenta. O salão de baile era um estreito corredor, ladeado por mesinhas de metal, passagem para qualquer parte. O samba aconteceu assim, esbarrado, mas a graça do casal não escapava aos olhos do passante.

O sambista resolveu emendar na próxima música, homenagem involuntária àquela dança tão bem timbrada. Ela, saindo de crise de bronquite alérgica, respiração difícil mas foi até o fim, acompanhando o par no improviso, rosto bem encostado no dele pra facilitar a sincronia.

Fim do samba, ele deu o parecer:

- Você não é cartesiana. Você dança!

3 comentários:

Isabella Kantek disse...

Muito bom. "Você não é cartesiana. Você dança!"
Esse é um daqueles textos que a gente facilmente lê como ficção. E é isso mesmo, a cena aconteceu de verdade?
Um beijo.

Anônimo disse...

Amiga,

o que você acha??? Alguma vez você já leu algum texto nesse blog que não fosse baseado em fatos reais? ;)
Aconteceu com essas mesmíssimas palavras, um pouco antes de eu começar o blog. Bem diz a Jô que tem certas coisas que são bloggable mesmo...

Anônimo disse...

Manelson, lindju
beijos