Eles estão por toda parte. Às vezes vestem terno e gravata, tailleurs, exibem cargos importantes e se escondem por trás de uma grande fachada institucional. Desses eu quero distância, embora seja impossível escapar de ter pelo menos um ocupando um papel importante na sua vida.
Os que me interessam mesmo são aqueles que vivem a céu aberto, dizendo suas verdades aos transeuntes, exibindo as entranhas que todos nós, ao longo da vida, aprendemos a ocultar.
No bairro da minha mãe havia um. Estava sempre descalço, sentado no chão em frente à padaria, em uma pose infantil com as pernas esticadas e abertas e um pedaço de papelão à sua frente. Falava muito sozinho. Tinha a pele morena e a cabeça calva. Às vezes, em meio ao seu solilóquio, parecia um pouco agressivo, por isso meu coração de menina nunca teve coragem de se aproximar. O que mais me atraía e aterrorizava eram os desenhos sempre iguais que ele fazia no pedaço de papelão, com uma velha caneta esferográfica: eram bustos de seres meio-homem, meio-macaco, como as figuras de 2001 – Uma Odisséia no Espaço ou do Planeta dos Macacos.
Aqueles homens-macacos exerciam em mim o mesmo fascínio e repulsa que as cobras. Não há como não olhar, mas não há como olhar e não se sentir repelido. Ele fazia parte da paisagem, do caminho de casa. Ele e sua caneta esferográfica, seu pedaço de papelão, sua pose infantil, seu monólogo agitado e seus homens-macacos.
O louquinho do meu bairro é de outro tipo. É aquele que a gente costuma chamar de “louco manso”. Idoso, sem um dente na boca, rosto enrugado, cabelos branquinhos. Está sempre caminhando e conversando, com alguém que pode ou não estar lá. Às vezes me diz frases incompreensíveis, desconfio que faz críticas a políticos ou defende alguma teoria conspiratória.
Ele adora as minhas cachorras e, acho eu, me adora também. Lembro muito bem da primeira vez em que nos encontramos, como ele exibiu a gengiva banguela e disse como elas eram bonitinhas. Desde então, sempre que o encontro, faço questão de parar, dar bom dia/boa tarde e esperar que faça uma festinha nas cachorras e o seu mini-discurso.
Uma vez fui tomar um lanche perto de casa com minha mãe e encontramos com ele. Eu a apresentei a ele como se apresenta a mãe a qualquer amigo. A mãe-sereia estranhou um pouco, mas entrou na história. Percebeu que ele era inofensivo.
Em outro dia quente e modorrento, topei com o “meu louquinho” no caminho de volta para casa. Ele sorriu de longe as gengivas vermelhas, se abaixou para aguardar a chegada das cachorras, me olhou com olhinhos brilhantes e saudou: “as bonequinhas!”.
Quando cheguei mais perto, dei boa tarde, esperei que concluísse os afagos nas chuquinhas e então ele disse, entre tímido e galante: “são três!”. Cogitei que ele estivesse enxergando uma terceira cachorra imaginária e resolvi entrar na brincadeira: “Três bonequinhas? Cadê a terceira?”. E ele respondeu, exibindo a banguela e me apontando o dedo: “É você!”.
Os que me interessam mesmo são aqueles que vivem a céu aberto, dizendo suas verdades aos transeuntes, exibindo as entranhas que todos nós, ao longo da vida, aprendemos a ocultar.
No bairro da minha mãe havia um. Estava sempre descalço, sentado no chão em frente à padaria, em uma pose infantil com as pernas esticadas e abertas e um pedaço de papelão à sua frente. Falava muito sozinho. Tinha a pele morena e a cabeça calva. Às vezes, em meio ao seu solilóquio, parecia um pouco agressivo, por isso meu coração de menina nunca teve coragem de se aproximar. O que mais me atraía e aterrorizava eram os desenhos sempre iguais que ele fazia no pedaço de papelão, com uma velha caneta esferográfica: eram bustos de seres meio-homem, meio-macaco, como as figuras de 2001 – Uma Odisséia no Espaço ou do Planeta dos Macacos.
Aqueles homens-macacos exerciam em mim o mesmo fascínio e repulsa que as cobras. Não há como não olhar, mas não há como olhar e não se sentir repelido. Ele fazia parte da paisagem, do caminho de casa. Ele e sua caneta esferográfica, seu pedaço de papelão, sua pose infantil, seu monólogo agitado e seus homens-macacos.
O louquinho do meu bairro é de outro tipo. É aquele que a gente costuma chamar de “louco manso”. Idoso, sem um dente na boca, rosto enrugado, cabelos branquinhos. Está sempre caminhando e conversando, com alguém que pode ou não estar lá. Às vezes me diz frases incompreensíveis, desconfio que faz críticas a políticos ou defende alguma teoria conspiratória.
Ele adora as minhas cachorras e, acho eu, me adora também. Lembro muito bem da primeira vez em que nos encontramos, como ele exibiu a gengiva banguela e disse como elas eram bonitinhas. Desde então, sempre que o encontro, faço questão de parar, dar bom dia/boa tarde e esperar que faça uma festinha nas cachorras e o seu mini-discurso.
Uma vez fui tomar um lanche perto de casa com minha mãe e encontramos com ele. Eu a apresentei a ele como se apresenta a mãe a qualquer amigo. A mãe-sereia estranhou um pouco, mas entrou na história. Percebeu que ele era inofensivo.
Em outro dia quente e modorrento, topei com o “meu louquinho” no caminho de volta para casa. Ele sorriu de longe as gengivas vermelhas, se abaixou para aguardar a chegada das cachorras, me olhou com olhinhos brilhantes e saudou: “as bonequinhas!”.
Quando cheguei mais perto, dei boa tarde, esperei que concluísse os afagos nas chuquinhas e então ele disse, entre tímido e galante: “são três!”. Cogitei que ele estivesse enxergando uma terceira cachorra imaginária e resolvi entrar na brincadeira: “Três bonequinhas? Cadê a terceira?”. E ele respondeu, exibindo a banguela e me apontando o dedo: “É você!”.
11 comentários:
kkkk. Que coisa mais fofa! Adorei esse post.
Que fofo o tiozinho. Antigamente fazia um trabalho voluntário num "hospicio" mas nao era hospicio e tinha um senhorzinho assim tb, só que ele falava que os alienigenas tinha costurado a boca dele e ele não poderia falar! Ele adorava ler, sabia todos os clássicos, acredita?
How sweet, Cris!
Aqui no meu bairro há
vários "louquinhos"!No da vovó tem aquele famoso também, rsrsrs
Amei o post, bonequinha!
Tem umas coisas que são janelas pra pureza desse mundo, né??
Adorei o post!
Manelson,
o louquinho que desenha índio chama-se Danilo.
Eu tb tenho um louco meu amigo, que fica aqui em perdizes... é o wagner... ele sempre que me encontra diz: "joana, joooaaaana.. tem umas coisas muito estranhas acontecendo, joanaaa"
hahahahaaha
beijinhos, adorei o post!
Que fofo!
É bom ouvir e receber carinho de pessoas que não esperamos, é tão mais natural, nos faz pensar, porque todos não nos tratam assim?
Muitas vezes estes louquinhos sabem muito mais que os ditos sãos....
bjs
Re
Normalmente foge-se deles, com medo de alguma agressão, sei lá.
Quando a confecção ficava no coração do Mundo Maravilhoso de Santo Amaro, todo dia vinha o nosso bêbado de estimação e nos informava que o Corinthians tinha ganhado de dois a zero.
Dali ele ia embora feliz.
bj
Um excelente post e mais alguma coisa em comum:
"Os que me interessam mesmo são aqueles que vivem a céu aberto, dizendo suas verdades aos transeuntes, exibindo as entranhas que todos nós, ao longo da vida, aprendemos a ocultar."
Beijo carinhoso.
D.,
sabe que escrevi esse post há tempos e engavetei? Precisei de um tempo para reencontrá-lo e gostar dele... Sooo delighted with your e-mails!!! ;)
Ingrith,
o seu louquinho parecia bem interessante, hein?
Ei, tia!
Tô por fora do louquinho do bairro da vovó... depois você me conta dele!!!
Sou tão tchonga que até esse seu comentário não tinha me dado conta da existência do seu blog! Achei lindo, tanto os textos quanto as imagens!
Kaká,
parece quase um mundo paralelo, não? Mas eu sinto um pouco isso passeando pelas ruas do meu bairro. Aqui não é São Paulo não...
Manersa,
o louquinho que desenha índios é o louquinho que desenha homens-macacos? Os homens-macacos são índios??? Maneeersa... tão acontecendo umas coisas estraaaanhas!!!
Rê,
os loucos são como as crianças, falam o que pensam sem se preocupar com o que vão pensar deles. Que bom que ele me acha uma bonequinha, né? :)
Claudia,
eu confesso que também tenho medo, mas gosto de ser amiga dos loucos mansos. Os bêbados mansos também podem ser boa praça...
Amiga,
you are my soul sister, don't you know?
Manelson, hahahahahahaah! é.. ele desenha macaco e índio. E, de fato, depois do teu sms de ontem, maaaneeeelson, tão acontecendo umas coisas estranhas, maneeeelson.. ahahahahaha
beijunda
fofo.
uma vez ouvi, ou li, não se ao certo. q pessoas assim precisam mais de gestos como o seu do que de esmola.
um simples minuto de atenção é capaz de afagar seu coração.
aqui na minha rua tinha o evandro. adorava soltar pipa. ele sumiu. mas todos do bairro sabem quem ele é. uma simpatia!
beijinhos.
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