Para meu amigo Marko Concá
Dia desses me lembrei que na quarta série trabalhamos com feijões. A idéia era montar um experimento científico – criar um procedimento, levantar hipóteses e buscar a sua comprovação ou refutação. A Simone G., por exemplo, plantou feijões na terra e no algodão e comparou o crescimento das duas plantinhas. Anos depois a Simone G. virou cientista.
Lembrei de tudo isso contemplando o vaso da minha finada violetinha. Ela está em glória já tem semanas e o vaso continua lá, vazio, seco, em cima da mesinha de centro, sabe-se lá se resultado de pura inércia ou cumprindo a sina de ser emblema de alguma coisa que às violetinhas não foi dado conhecer (mas que os humanos conhecem muito bem).
Enquanto olhava o vaso vazio e lembrava dos gordos pés de feijão obtidos pelo bem-sucedido experimento da Simone G. (e concluía que os feijões são a solução da lavoura para quem não nasceu vocacionado para a maternidade herbívora), me peguei tentando lembrar qual teria sido o meu experimento.
Lembrei. Decidi plantar o meu feijão dentro de uma batata. Não me perguntem por quê. Assim como na poesia, tem coisas na vida que prescindem de razão.
************
O feijão germinou e cresceu viçoso dentro da batata. Era um orgulho só. Primeiro cortei a tampinha da batata, extraí o miolo, joguei o feijão dentro e tampei de novo. Depois que ele se fincou na base, criou raízes e espichou até começar a cutucar a hospedeira, espetei palitos de dente na borda do corte e lá fixei a tampa para que o feijão pudesse conhecer o mundo, mas ainda assim se sentir seguro no seu lar.
Tempos depois, quando o sonho do feijão se tornou grande demais para a batata, cortei as paredes em volta da base e o transportei, heróico, para a terra.
Ele não resistiu (nunca tive dedo verde). Resultado do experimento: sonhos de batata não vingam na terra.
************
Lembrei de duas cebolas que há alguns meses estavam habitando a gaveta de legumes. Cada vez que abria a porta da geladeira, elas me olhavam de soslaio, como a denunciar o meu fracasso doméstico. Enquanto eu fechava a porta depressa, adiando o momento da confissão, as cebolas trocavam comentários maldosos com os ovos da prateleira (esses também abdicaram do seu promissor futuro de galinha “em prol de um destino que se revelou inútil!”).
Um dia marchei obstinada até a cozinha decidida a pôr fim àquilo tudo. Abri a geladeira e ataquei primeiro os ovos, que se renderam sem oferecer resistência (será que eu poderia doá-los para produção de vacinas? – pensamento ecológico em tempos de reciclagem).
Na seqüência abri a gaveta das cebolas e furei o saco plástico com o voyeurismo mórbido de quem procura a inexorável ação do tempo.
Lá descobri vida. Inúmeros feixes haviam brotado do topo de cada uma delas.
Com reverência, enchi um copo d’água e lá plantei a minha cebola de geladeira. Há que se celebrar a vida nas suas mais ínfimas manifestações.
Dia desses me lembrei que na quarta série trabalhamos com feijões. A idéia era montar um experimento científico – criar um procedimento, levantar hipóteses e buscar a sua comprovação ou refutação. A Simone G., por exemplo, plantou feijões na terra e no algodão e comparou o crescimento das duas plantinhas. Anos depois a Simone G. virou cientista.
Lembrei de tudo isso contemplando o vaso da minha finada violetinha. Ela está em glória já tem semanas e o vaso continua lá, vazio, seco, em cima da mesinha de centro, sabe-se lá se resultado de pura inércia ou cumprindo a sina de ser emblema de alguma coisa que às violetinhas não foi dado conhecer (mas que os humanos conhecem muito bem).
Enquanto olhava o vaso vazio e lembrava dos gordos pés de feijão obtidos pelo bem-sucedido experimento da Simone G. (e concluía que os feijões são a solução da lavoura para quem não nasceu vocacionado para a maternidade herbívora), me peguei tentando lembrar qual teria sido o meu experimento.
Lembrei. Decidi plantar o meu feijão dentro de uma batata. Não me perguntem por quê. Assim como na poesia, tem coisas na vida que prescindem de razão.
************
O feijão germinou e cresceu viçoso dentro da batata. Era um orgulho só. Primeiro cortei a tampinha da batata, extraí o miolo, joguei o feijão dentro e tampei de novo. Depois que ele se fincou na base, criou raízes e espichou até começar a cutucar a hospedeira, espetei palitos de dente na borda do corte e lá fixei a tampa para que o feijão pudesse conhecer o mundo, mas ainda assim se sentir seguro no seu lar.
Tempos depois, quando o sonho do feijão se tornou grande demais para a batata, cortei as paredes em volta da base e o transportei, heróico, para a terra.
Ele não resistiu (nunca tive dedo verde). Resultado do experimento: sonhos de batata não vingam na terra.
************
Lembrei de duas cebolas que há alguns meses estavam habitando a gaveta de legumes. Cada vez que abria a porta da geladeira, elas me olhavam de soslaio, como a denunciar o meu fracasso doméstico. Enquanto eu fechava a porta depressa, adiando o momento da confissão, as cebolas trocavam comentários maldosos com os ovos da prateleira (esses também abdicaram do seu promissor futuro de galinha “em prol de um destino que se revelou inútil!”).
Um dia marchei obstinada até a cozinha decidida a pôr fim àquilo tudo. Abri a geladeira e ataquei primeiro os ovos, que se renderam sem oferecer resistência (será que eu poderia doá-los para produção de vacinas? – pensamento ecológico em tempos de reciclagem).
Na seqüência abri a gaveta das cebolas e furei o saco plástico com o voyeurismo mórbido de quem procura a inexorável ação do tempo.
Lá descobri vida. Inúmeros feixes haviam brotado do topo de cada uma delas.
Com reverência, enchi um copo d’água e lá plantei a minha cebola de geladeira. Há que se celebrar a vida nas suas mais ínfimas manifestações.
12 comentários:
Cris, suas cebolas começaram a germnar na geladeira? God...
Hehehe
coitadas das cebolas... mas pelo menos brotaram na casa de alguém mais caridoso que eu, que jogo no lixo sem dó nem piedade...
adorei o feijão plantado na batata! Certas idéias só podiam mesmo surgir na sua cabeça! (e isso é um elogio, viu?)
beijo
Cri,
as minhas batas sempre germinam, mas cebolas é novidade.
A-d-o-r-e-i o feijãozinho na batata e o novo provérbio: "sonhos de batata não vingam na terra."
A propósito, embora eu comente o conteúdo, o que tenho a elogiar é a forma.
Você está virando uma senhora cronista amiga fanta.
"Há que se celebrar a vida nas suas mais ínfimas manifestações".
Beijocas!!
A-filha-pródiga-do-pai-de quem mesmo????
um viva para a vida!!!
mas ainda tô imaginando o feijãozinho na batata!
beijo.
Oi Gasta,
foi isso mesmo! Vc tá impressionado com o milagre da vida ou com a minha ingerência doméstica? :P
MH: Hahahahahahaha!!! Eu não tenho dúvidas de que é um elogio... um feijão em uma batata é bem coisa da minha cabeça mesmo! ;)
Fantolina,
obrigada pela parte que me toca, mas nesse caso a crônica já estava no pé pronta pra colher, né? Imagina só, uma cebola, contra todas as leis naturais, decidir procriar numa geladeira! Quem sou eu para interferir...
Drika,
é mesmo uma imagem gostosa de visualizar, né? Ele era uma fofura!!!
Que texto delicioso! Já aconteceu isso com as minhas cebolas. Não me lembro se eu joguei no lixo ou se eu comi mesmo assim... Vou querer saber o futuro das suas - será que vc vai passar para a terra? Feijão na batata... hihi... que idéia engraçada!
Li todos os posts dessa página e adorei todos!
Muitos beijos e vamos marcar mais um encontro um dia desses...
Eu tive uma esperiência com feijões também, não me lembro o que aconteceu com eles...
Você falando das suas violetinhas, me lembra as flores que meu namorado me dá. Eu sempre planto, até compro vaso e tal, mas nunca vingam... (me bateu uma depressão, agora...)
=(
eXperiência.
Silenciosa,
não tive coragem de comer as cebolas... cebola dá botulismo??? :)) Hhahahahahaha!!! Que bom receber sua visita... Pois é, amiga, feijão na batata, veja só...
Fabiana,
como eu disse em outro texto, as plantas morrem, mas a capacidade de amar não morre nunca... e como disseram vários leitores: plantas são temperamentais! A gente tem é que encontrar o jeito certo de lidar com elas...
Que maravilha...rs! Cebolas na minha geladeira vivem o mesmo drama, mas esse olhar sublime sobre a manifestação da vida...isso sim é evolução. Adorei!
Sempre bem vinda lá no blog, ok? Bjs!
Sall
www.blogdosall.wordpress.com
Amiga, botulismo é uma doeça rara mas que pode ser fatal. É causada pela toxina de uma bactéria presente no solo e em alimentos mal conservados.
Eu não arriscaria comer a cebola. Ela ficou belíssima na história, mas não sei se ficaria bonita no seu intestino.
As mães que leram De Lamare conhecem a doença. É muito comum ouvir dizer que não se deve dar mel para bebês menores de um ano de idade, isso por causa do risco alto de contaminação com a bactéria do botulismo.
; )
Oi Sall!
A recíproca é verdadeira! E vivam as cebolas!!! :))
Amiga,
não se preocupe que eu sou desencanada com prazo de validade mas não chegou a tanto... já tive a minha cota de intoxicação alimentar e hoje em dia prefiro desperdiçar a comida (mesmo com dor no coração) do que correr o risco de comer alguma coisa estragada só pra não dar o braço a torcer...
Mas é muito chato perder comida, né?
Postar um comentário