As viagens de férias sempre exerceram esse estranho efeito sobre mim. Nos primeiros dias ainda muito conectada àquilo que havia acabado de deixar para trás, fazendo planos e saboreando a expectativa do que estava por vir. Aos poucos, lentamente, ia me desligando do meu cotidiano, da minha casa, das minhas coisas, como se minha vida nunca houvesse sido outra que não aquela que eu vivia naquele momento, naquele lugar e com aquelas pessoas.
Não era à toa que eu tentava adiar a volta para a casa até o último minuto. Era assim nos acampamentos (eu sempre tentava ficar uma segunda temporada, mas minha mãe só deixou uma vez), foi assim quando fui ao Peru, era assim sempre que ia passar o ano novo em São Gonçalo, com meu primeiro namorado, em Brasília ou Minas com o último. A estratégia da procrastinação, minha velha conhecida, não só se mostrava inócua diante do propósito de afastar tanto quanto possível o retorno como o fazia ainda mais sofrido. Chegando na segunda de manhã e indo direto para o trabalho ou a faculdade, o choque de civilização causava um bode tremendo. Tudo parecia sem sentido, minhas escolhas não pareciam minhas, me sentia sem lugar.
O tempo passou, as férias diminuíram, os bodes também ficaram mais administráveis. Já não é preciso viver tudo até a última gota porque a Era dos Extremos ficou para trás. Volto a São Paulo em plena noite de quarta-feira, ainda com quatro dias de férias pela frente. Apesar do tempo para tomar pé, aquele leve e paradoxalmente familiar estranhamento me toma assim que chego à casa de minha mãe.
Lá faço uma parada de dois dias enquanto espero o mecânico concluir a revisão do meu carro, parado em uma oficina do bairro (curiosamente mais barata do que a do meu bairro). Aproveito para testemunhar o absoluto à vontade das minhas periquitas na “Colônia de Férias da Vovó”. Elas dominaram a casa, estão mimadas, mal-acostumadas, com todas as suas vontades caninas satisfeitas.
Me entupo de TV a cabo nas duas noites em que passo lá. Agora é oficial, definitivo: PRECISO de TV a cabo. Também aproveito para ler a biografia do Tim Maia (biografias casam perfeitamente com férias de janeiro) e tirar longos cochilos no sofá da sala.
Na sexta à noite, possante nos trinques, coloco a turminha no carro e nossa modesta bagagem de cinco malas, me despeço da mama (“ela vai sentir falta das cachorras”, profetiza meu pai) e rumo para o meu apê.
É como se essa breve passagem pela casa da minha mãe, que deixei para trás há quase três anos, me preparasse para o retorno à minha própria casa. Essa casa que só faz sentido pra quem acredita que se bastar – em todos os sentidos – faz parte do caminho natural do ser humano. Uma casa que um dia já foi encarada também como ponto de passagem – e no fundo todas são – e acabou se tornando paragem definitiva. Casa, diga-se de passagem, entendida como entidade metafísica, já que fisicamente ela mudou de lugar há quatro meses.
Chego carregada de malas, lembrando da bagunça que deixei para trás na pressa de viajar. Uma chuva fininha molha o estacionamento descoberto. Carrego as periquitas no colo, menos para evitar que se molhem e mais para tê-las perto de mim no momento da chegada.
Ocupamos o espaço aos poucos, caminhas voltam para os seus lugares, tigelinhas de comida, de água, jornal. Elas logo estão dormindo, capotadas da farra que aprontaram no último dia de férias. Zapeio a TV, tomo um banho e vou para o sofá ler mais um pouco do Tim. Não fosse por esses dois pequenos corpinhos peludos respirando perto de mim, eu estaria me sentindo quase como quando passei minha primeira noite nesse prédio, em janeiro de 2004. O apartamento anterior era branquinho e a rua tão silenciosa que eu me sentia na Lua, distante de tudo e de todos. Uma solidão levemente aterrorizante.
Aqui já é e não é a minha casa. O chão é diferente, a paisagem mudou, os vizinhos de porta também, mas os móveis e os hábitos são os mesmos. O chuveiro mudou para melhor. A disposição para cozinhar, que viveu seus dias de glória durante o namoro, tirou um ano sabático em 2007.
Vou dormir tarde, acordo tarde, ouço o recado de uma amiga no celular. Penso na outra amiga que havia sugerido um cinema e jantar na noite anterior. Penso em levar as dogs para um banho no pet shop. Penso em comprar um presente de aniversário para o meu pai. Mas a inércia me puxa para o sofá e de lá não saio a não ser quase cinco horas depois, com a biografia do “rei do soul” devidamente terminada. Só então tenho disposição para procurar as amigas, mas todas já estão programadas ou fora da área de serviço.
Passo o primeiro sábado do ano como muitos que eu vivi em 2007: em casa e sozinha. Na época em que eu namorava, quando o ex, envolto em crises existenciais, me informava às seis da tarde que queria passar a noite em casa e sozinho, a perspectiva de um sábado como esse me parecia sombria. A maior parte das amigas se solidarizava, mas uma delas, mais velha e mais sábia do que as outras, me deu o chacoalhão: “desde quando o coração sabe o dia da semana?”.
Hoje os meus sábados solitários já não assustam nem doem. Aos poucos a minha vida vai se tornando minha, escolhida, apropriada, assumida, vestida, agarrada. Faço compras sem pressa no mercadinho do bairro. Passo na locadora e alugo três filmes, para me dar a liberdade de escolher entre o existencial, o de humor fino ou o sentimentalóide. Já em casa, cozinho amorosamente uma refeição para mim mesma. Nada de mais: arroz, bife e salada. Mas como com gosto, feliz enquanto vejo a novela das oito.
Antes de me preparar para a sessão de cinema, escrevo o primeiro post de 2008 com uma periquita dormindo refestelada na caminha que ganhou da vovó e outra pertinho dos meus pés, e penso: esse vai ser um ano danado de bom.
Não era à toa que eu tentava adiar a volta para a casa até o último minuto. Era assim nos acampamentos (eu sempre tentava ficar uma segunda temporada, mas minha mãe só deixou uma vez), foi assim quando fui ao Peru, era assim sempre que ia passar o ano novo em São Gonçalo, com meu primeiro namorado, em Brasília ou Minas com o último. A estratégia da procrastinação, minha velha conhecida, não só se mostrava inócua diante do propósito de afastar tanto quanto possível o retorno como o fazia ainda mais sofrido. Chegando na segunda de manhã e indo direto para o trabalho ou a faculdade, o choque de civilização causava um bode tremendo. Tudo parecia sem sentido, minhas escolhas não pareciam minhas, me sentia sem lugar.
O tempo passou, as férias diminuíram, os bodes também ficaram mais administráveis. Já não é preciso viver tudo até a última gota porque a Era dos Extremos ficou para trás. Volto a São Paulo em plena noite de quarta-feira, ainda com quatro dias de férias pela frente. Apesar do tempo para tomar pé, aquele leve e paradoxalmente familiar estranhamento me toma assim que chego à casa de minha mãe.
Lá faço uma parada de dois dias enquanto espero o mecânico concluir a revisão do meu carro, parado em uma oficina do bairro (curiosamente mais barata do que a do meu bairro). Aproveito para testemunhar o absoluto à vontade das minhas periquitas na “Colônia de Férias da Vovó”. Elas dominaram a casa, estão mimadas, mal-acostumadas, com todas as suas vontades caninas satisfeitas.
Me entupo de TV a cabo nas duas noites em que passo lá. Agora é oficial, definitivo: PRECISO de TV a cabo. Também aproveito para ler a biografia do Tim Maia (biografias casam perfeitamente com férias de janeiro) e tirar longos cochilos no sofá da sala.
Na sexta à noite, possante nos trinques, coloco a turminha no carro e nossa modesta bagagem de cinco malas, me despeço da mama (“ela vai sentir falta das cachorras”, profetiza meu pai) e rumo para o meu apê.
É como se essa breve passagem pela casa da minha mãe, que deixei para trás há quase três anos, me preparasse para o retorno à minha própria casa. Essa casa que só faz sentido pra quem acredita que se bastar – em todos os sentidos – faz parte do caminho natural do ser humano. Uma casa que um dia já foi encarada também como ponto de passagem – e no fundo todas são – e acabou se tornando paragem definitiva. Casa, diga-se de passagem, entendida como entidade metafísica, já que fisicamente ela mudou de lugar há quatro meses.
Chego carregada de malas, lembrando da bagunça que deixei para trás na pressa de viajar. Uma chuva fininha molha o estacionamento descoberto. Carrego as periquitas no colo, menos para evitar que se molhem e mais para tê-las perto de mim no momento da chegada.
Ocupamos o espaço aos poucos, caminhas voltam para os seus lugares, tigelinhas de comida, de água, jornal. Elas logo estão dormindo, capotadas da farra que aprontaram no último dia de férias. Zapeio a TV, tomo um banho e vou para o sofá ler mais um pouco do Tim. Não fosse por esses dois pequenos corpinhos peludos respirando perto de mim, eu estaria me sentindo quase como quando passei minha primeira noite nesse prédio, em janeiro de 2004. O apartamento anterior era branquinho e a rua tão silenciosa que eu me sentia na Lua, distante de tudo e de todos. Uma solidão levemente aterrorizante.
Aqui já é e não é a minha casa. O chão é diferente, a paisagem mudou, os vizinhos de porta também, mas os móveis e os hábitos são os mesmos. O chuveiro mudou para melhor. A disposição para cozinhar, que viveu seus dias de glória durante o namoro, tirou um ano sabático em 2007.
Vou dormir tarde, acordo tarde, ouço o recado de uma amiga no celular. Penso na outra amiga que havia sugerido um cinema e jantar na noite anterior. Penso em levar as dogs para um banho no pet shop. Penso em comprar um presente de aniversário para o meu pai. Mas a inércia me puxa para o sofá e de lá não saio a não ser quase cinco horas depois, com a biografia do “rei do soul” devidamente terminada. Só então tenho disposição para procurar as amigas, mas todas já estão programadas ou fora da área de serviço.
Passo o primeiro sábado do ano como muitos que eu vivi em 2007: em casa e sozinha. Na época em que eu namorava, quando o ex, envolto em crises existenciais, me informava às seis da tarde que queria passar a noite em casa e sozinho, a perspectiva de um sábado como esse me parecia sombria. A maior parte das amigas se solidarizava, mas uma delas, mais velha e mais sábia do que as outras, me deu o chacoalhão: “desde quando o coração sabe o dia da semana?”.
Hoje os meus sábados solitários já não assustam nem doem. Aos poucos a minha vida vai se tornando minha, escolhida, apropriada, assumida, vestida, agarrada. Faço compras sem pressa no mercadinho do bairro. Passo na locadora e alugo três filmes, para me dar a liberdade de escolher entre o existencial, o de humor fino ou o sentimentalóide. Já em casa, cozinho amorosamente uma refeição para mim mesma. Nada de mais: arroz, bife e salada. Mas como com gosto, feliz enquanto vejo a novela das oito.
Antes de me preparar para a sessão de cinema, escrevo o primeiro post de 2008 com uma periquita dormindo refestelada na caminha que ganhou da vovó e outra pertinho dos meus pés, e penso: esse vai ser um ano danado de bom.
12 comentários:
Oi Amiga Fanta!!
Feliz ano novo!
Tentei te pegar no msn, mas vc saiu rapidinho demais.
Emendei o Natal numa viagenzona de ano-novo. Só voltei hoje; descascando a pele; perdidona de volta à civilização e, principalmente, em dívida com as mensagens de felicidades.
Mas nunca é tarde para desejar um "ano danado de bom"
Nos falamos por esses dias.
Beijões!!!!!!!!!
Adorei o profético final ;-)
e terça é nóis e BBB8! ahahaha
shhhh... era *segredo*? :-P
feliz 2008, moça!
que seja mesmo danado de bom.
te cuida!
beijo.
Não tenho dúvidas que 2008 vai ser um ano otimo!!!
Cris querida,
Adoro tudo o que escreve! Em muitas destas situações, posso dizer que "I've been there", só não sei colocar no papel ou no PC, rsrsrs, com esta facilidade que você tem e que é uma delícia de se ler!
Com certeza este vai ser um ano danado de bom, linda!
beijos, Bó (who else?)
Que esse ano realmente seja danado de bom, prima!
Beijão!
Amiga Fanta: nem te vi no msn nesse dia! Mas de qq forma 5a é nóis na fita, né? Feliz ano novo!
Manersa: a resposta está na página 25, quer dizer, no post acima, hehehehehe!!!
Drika: o mesmo pra você, mulé!
Ingrith: oxalá!!!
Tia Bó! Que honra ter você como leitora do blog...:)) tenho certeza que o "I've been there" deve soar muitas vezes, para todo mundo. No fundo estamos todos vivendo uma grande análise combinatória das mesmas velhas situações. Bom ano pra você também!
Rebi-chan: ele há de ser, prima! ;)
Sabe, vivemos mais ou menos a mesma situação, as vezes uma preguiça louca de ir para casa, fico enrrolando na rua, no mercadinho, na locadora.... até que chego e vejo como meus 2 peludos me fazem feliz. Vejo como é bom ter um lar assim, onde chegar em casa é sempre receber uma festinha surpresa. A solidão não me atinge mais.
Este ano vai ser muito bom mesmo....
bjs Re
Rê,
você também tem dois peludos em casa? Aff... gente corajosa... :)
Lambidas e gritinhos a perder de vista!
Tenho sim.... dois viras.... em casa. Mais 1 cocker que agora está com meu marido passando férias.... bjs
Que o seu ano seja realmente danado de bom. Divirta-se com os amigos, esteja cercada de pessoas queridas, mas quando for necessário, baste-se!...rs. Bjs e um ótimo 2008!
Sall
www.blogdosall.wordpress.com
Sall, falou e disse! Todos os seus votos em dobro! Beijoca...
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