quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Poliana sou eu

Nesses dias de grandes pequenos acontecimentos que me fazem saborear a vida com avidez, contando a uma amiga que o rapaz – aquele – de quem eu estava gostando disse que podíamos ser amigos, mas que não achei isso necessariamente ruim (pois para alguns isso pode ser um ponto de partida, e não de chegada), ela logo soltou: “Poliana!”

Contei para minha prima que tinha acertado a minha mudança para outro apartamento aqui no prédio e, quando ela comentou sobre a trabalheira e respondi que eu estava animada com a perspectiva de pintar uma parede da sala e pendurar vários quadrinhos, ela lembrou: “que bom que você é Poliana (versão brasileira) que nem eu!”

Nunca me vi como uma pessoa essencialmente otimista. Na verdade, sempre me achei bastante realista (pessimista certamente não sou). Mas de fato sou alguém que tem fé e esperança nas pessoas, no amor, na felicidade, enfim, no humano.

Poliana foi um ícone da literatura juvenil dos tempos da minha mãe e tias que respingou até a minha infância e adolescência e até hoje é uma referência para as mulheres de vinte a noventa anos. Li não só o livro “Poliana” como também o “Poliana Moça” (várias vezes, como de praxe), uma continuação do primeiro, coisas de um tempo em que as trilogias ainda não tinham virado moda.

Se a memória não me falha (é raro, mas acontece), Poliana era uma menina pobre, talvez órfã de mãe (depois, para a tragédia tomar proporções bíblicas, também fica órfã de pai e vai viver com algum parente diabólico – enredo certeiro de boa parte dos livros que li na infância), criada pelo pai com altas e maciças doses de otimismo. O pai ensina a Poliana o “Jogo do Contente” (seria a pré-História do limão e da limonada?), segundo o qual, para cada coisa ruim que nos acontece, há pelo menos uma coisa boa que a neutraliza ou mesmo supera.

Pois bem. Hoje era o deadline para devolver minhas muletas. Uma das minhas sacrossantas amigas (alô, Carol!) as havia alugado para mim dois dias depois do meu pequeno acidente doméstico. E foi um tal de “quebrou o pé”, “não quebrou o pé”, “ande mais”, “ande menos”, “pode ser A, B, C, todas as acima ou nenhuma das anteriores” até finalmente chegar ao diagnóstico final – uma simples mas importante fissura no osso calcanho do pé, cuja consolidação leva de seis a oito semanas e, enquanto isso, andar pouco, subir e descer pouca escada e dirigir à vontade, mas com cautela – que as muletas acabaram ficando apoiadas na parede do quarto, just in case, até eu ter certeza de que não precisaria mais delas.

E, mesmo se não tivesse sido assim, provavelmente eu teria deixado para devolver as muletas no último dia possível. Procrastinar – procristinar – é um dos primeiros verbetes do meu dicionário (por que fazer hoje algo se você pode deixar para amanhã?). No entanto, neste caso, era imprescindível respeitar o prazo, já que as conseqüências inevitáveis se voltariam contra a caução do cartão de crédito da minha sacrossanta amiga, que nada tem a ver com a maneira como lido com o tempo ou as obrigações.

Como Deus é clown (copyright by Marcio Ballas, 2007) ou Murphy impera (a depender da convicção religiosa de cada um), de última hora apareceu um compromisso irrecusável que acabou espremendo meu dia no trabalho entre a devolução das muletas e o curso noturno in company bissexto das quartas-feiras, que quando está quase morrendo ressuscita e calhou de reiniciar justo hoje. Além de procrastinar (e a procrastinação contribui pra isso), sempre faço questão de preencher o dia com mais compromissos do que eu deveria poder dar conta – mas dou conta de todos, com alguns efeitos colaterais. Por isso aceitei o convite para almoçar com a minha queridíssima comadre (alô, Helô!) e o meu lindo-amado-idolatrado-salve-salve afilhado Gabo (alô, Gabo!) no nosso Di Nóca. Mas, pra variar, dormi tarde, não acordei tão cedo quanto deveria, atrasei 15 minutos pra sair de casa e desconsiderei os 15 minutos de praxe para imprevistos, trânsitos infernais e afins.

A comadre já estava a postos, com um par de bochechas cercado de bebê por todos os lados me esperando para pôr os assuntos em dia, e eu lá, presa no engarrafamento da Oscar Freire. Olhei para as muletas e pensei: “ninguém merece! Onde já se viu perder tanto tempo na vida para devolver muletas...”. Mas logo em seguida me censurei pensando na sorte de ter sacrossantas amigas que me alugam muletas (alô, Carol!), fazem supermercado (alô, Sá!), acompanham até o hospital (alô, Má!), levam pra fazer exame (alô, Carol!), compram bota ortopédica (alô, Má!), compram almoço (alô, Carol e Sá!), dão carona (alô Carol, Sá, Lé, Má, Rafa, Fê, outra Fê!), emprestam dinheiro (et alli)... e, sobretudo, na sorte de não ter tido de usar muletas por mais do que cinco dias. Francamente! Muletas só são divertidas quando não precisamos delas.

Foi então que o céu se abriu, os anjos cantaram e um facho luminoso se estendeu desde o infinito até o topo da minha cabeça e percebi: Eu sou a Poliana!

Logo no início do livro, Poliana e seu pai encomendam uma boneca através de um serviço de compras pelo correio (devia ser o Submarino daquela época) e, depois de meses de espera e ansiedade, quando a caixa chega, Poliana descobre, desapontada, que o pessoal da logística (só podia ser) se enganou e enviou no lugar da boneca um par de muletas. É nesta ocasião que o sábio pai de Poliana forja a filosofia do “Jogo do Contente”, lembrando à menina que ela deve se rejubilar (santa ética protestante) pelo fato de não necessitar das muletas...

É, meus amigos. É como se diz por aí: A vida imita a arte, a arte imita a vida...

8 comentários:

30 anos 200 palavras por minuto disse...

Cri!
Sabe que ando numa fase extremamente otimista também? Feliz pelas pessoas na minha vida, achando que tudo vai dar certo e deixando o medo do futuro para lá.
Tudo bem que eu não me rejubilaria (rs...) com um erro desses do submarino (Esse pai da Poliana também forçava a barra).
Mas sou plenamente convicta de que devemos mesmo desenvolver nosso lado P.
Beijos grandes, enormes!

Anônimo disse...

É inspirador quando alguém consegue ver um lado bom de situações claramente ruins mas eu, pessoalmente estou mais para José Saramago do que Poliana: "Não sou pessimista, o mundo é que é péssimo". Nesses momentos eu fico de mau humor, brigo com todo mundo, me lamento de estar naquela situação, curto a raiva. Depois passa... de um jeito ou de outro, tudo passa.

homem-solteiro-e-agora-comentador-de-blog

Anônimo disse...

O que há de errado com uma muletinha de vez em qdo???

Anônimo disse...

Maninha,
nem te vi de muleta! rs... beijão!
mana

Anônimo disse...

Oi Fantolina,

Na verdade não sei se eu chamaria isso de uma “fase otimista”... Acho que passei por um estado de euforia (já passou) e que, de uma maneira geral, estou conseguindo enxergar a vida de uma forma mais positiva e entendendo melhor o que é importante para a minha felicidade. Lado P é ótimo, hehehehehehe!!! :)

Dear Bachelor comentarista,

Há que se distinguir situações “chatinhas” (devolver muletas, organizar mudança de apartamento, não ter expectativas amorosas atendidas) de situações claramente ruins. Também acho que elas exigem uma certa “dedicação”, pois a dor que a gente não expressa ou vive acaba virando doença.

Ainda bem que, na pior das hipóteses, tudo passa. (e ouso dizer que você também tem o seu lado otimista, senão teria dito: não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe. Essa é de cortar os pulsos!)

Beijos, comente sempre!

Glends,

Você já teve que usar uma muleta por mais de dois dias? Um horror. Tudo dói: do sovaco aos pés. Agora, se você está se referindo às pequenas muletinhas do dia-a-dia, também acho que elas fazem parte...

Manérsa: cá pra nós, você não perdeu nada, né? ;)

Anônimo disse...

Creio que tbm sou a Poliana. Em 2008 tive vários momentos péssimos, mais logo em seguida surgiram momentos que já nem esperava mais.

poliana 100% linda e mto maravilhosa disse...

td poliana é linda e verdadeira pelo menos eu sou linda,maravilhosa,legal,etc...

Anônimo disse...

*Somos todos filhos de Deus, vivificados pela generosa natureza. *Ar, água,
vegetais, animais, tudo faz parte da Natureza. O Sol, que ilumina a terra, é
a fonte de energia que a Natureza proporciona. São infinitas as dádivas da
Natureza. A força infinita está latente na Natureza e em tudo que nela
existe. Acredite que essa força está presente também dentro de você, e viva
todos os dias a emoção de manifestá-la. ( A escola da vida é Maravilhosa –
Seicho Taniguchi)

Antônio
ant.rj@ibest.com.br