quinta-feira, 23 de agosto de 2007

O Relatório ATT

Este texto foi escrito em abril de 2007 e os clarins já anunciavam o término da minha fase “gandaia”. Sei que não se deve começar o jantar pela sobremesa, mas como não tive vontade de terminar o texto após os últimos acontecimentos da história, vale dizer que o homem em questão estranhamente (ou sabiamente) recusou o pacote perfeito que ofereci a ele – sexo com amizade e sem compromisso – e com isso deixei de querer os caras errados e voltei a procurar o cara certo.

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A Lua, o conhaque e o diabo
Nossa história começou de um jeito improvável. Porque você era definitivamente o cara errado e eu sempre tive um fraco pelos homens que pareciam certos – mesmo quando eles eram claramente errados.

Não bastasse o fato de ser o cara errado, era o cara errado da minha melhor amiga. Aquela cujos namorados, rolos e ex-rolos sempre serão samambaias para mim, até que ela diga o contrário.

A minha melhor amiga entrou numa fase generosa. Começou a dividir os ex-rolos com as amigas. Mas quando eu te vi pela primeira vez você ainda fazia o coração dela doer, e eu só conseguia olhar para você e pensar “que raios ela vê nele”, porque ela é foda, e não era para sofrer tanto por um cara todo errado como você. E daí quando a gente se viu de novo, a minha melhor amiga, que é foda, já tinha te adotado como amigo.

Poucas pessoas seriam generosas a esse ponto, mas ela foi e ninguém que a conhece se espantou com isso. E te adotando como amigo ela passou a tolerar todos os seus defeitos, acolher a sua dor e delícia, te pôr no colo e te ninar. E quando eu te vi de novo, vi o menino assustado, desprotegido, sozinho que ela estava vendo também. E eu fiz questão de te acolher também, porque eu sempre tive um fraco pelos seres desprotegidos (velhinhos, empregadas domésticas, cachorros sem dono, crianças abandonadas). E quis ser simpática e quis me interessar por você e quis mostrar que eu também vivia a minha pequena solidão, embora ela já não me assustasse tanto.

Mais tarde a noite nos abraçou e eu fui dançar sem quase lembrar que você estava lá. Mas a amiga, meio-bêbada-meio-sóbria, veio contar no meu ouvido que você tinha gostado de mim. E eu meio que desacreditei daquilo. A amiga gosta de formar casais. Os caras errados não se interessam por mim, porque eu sou definitivamente a mulher certa. Mas até isso eu estou aprendendo a desaprender, aprendendo a ser errada também e me divertindo com os meus erros e os dos outros.

Então eu resolvi te olhar de novo e melhor. E vi o seu interesse. Você é mais baixo do que eu, mas me pôs sentada e mais tarde me disse que não se incomoda com essas bobagens e só nessa frase você quase já me ganhou. Falamos da vida, da minha e da sua, e eu gostei de quem eu era perto de você. Falei com naturalidade das minhas descobertas recentes e vi que você me admirou, e isso me fez bem. A amiga me contou que você fala quatro línguas, você fez literatura em Londres, você é culto e inteligente, mas como sempre não foi isso que me pegou. O que me pegou foi a sua sensibilidade, levemente cafajeste, levemente disfarçada de humor barato, mas uma sólida e palpável sensibilidade. Eu ainda me lembrei que você era errado e, além de errado, era o menino desprotegido, e achei que talvez fosse uma péssima idéia abrir espaço para a minha curiosidade. Mas a própria amiga incentivou e você garantiu que daquele mato não saía mais coelho. Tive medo de te afastar da minha amiga, pelo seu possível futuro medo de mim. Mas o beijo que você me deu no rosto me desmontou. E eu te beijei e gostei.

E beijei mais. E te levei pra casa. E passei a noite com você. E gostei. E no dia seguinte descobri que você tinha gostado também. E me senti ótima. Mesmo você não tendo pedido o meu telefone, me senti ótima e achei que a nossa história ainda estava só começando. Você pediu o meu telefone para a minha amiga, mas não me ligou. E quando você ligou, eu não atendi porque estava ocupada e o telefone estava desligado. E até imaginei que pudesse ser você, número novo, celular, quinta-feira, pensei em perguntar para a amiga mas preferi esperar e viver a espera em silêncio.

Pouco tempo depois você ligou de novo, e dessa vez eu não ouvi a campainha mas ouvi o recado caindo na caixa postal, e quando liguei para o centro de mensagens eu já sabia que ia ouvir a sua voz. E você me deixou um recado banal, vago. E eu não te liguei de volta. Porque eu sabia que você era errado. Porque eu achei que era assim que se agia com homens errados, porque eles gostam de ser temidos e respeitados e eu quis respeitar as regras sobre homens errados. Também porque eu tive dúvidas sobre o meu interesse por você. Afinal, eu não sou de gostar de homens errados. Os homens errados me deixam entediada com os seus medos. Eu gosto de intensidade, de profundidade, de ir até o fundo das coisas e só depois tentar descobrir se dá pé. E não dá pra fazer isso com um homem assumidamente errado, auto-declaradamente errado. Então eu não te liguei. Mas achei que eu podia te ligar depois, porque eu queria. Não sabia muito bem ainda o que eu queria, mas eu queria alguma coisa.

Só que o meu silêncio mexeu com os seus brios. E quando eu te liguei depois de levar um puxão de orelha da minha amiga, você resolveu me tratar mal. Não um tratar mal escancarado; aquele tratar mal velado, que parece que tem boas intenções mas se aproveita disso para passar o recibo de cafajeste na primeira oportunidade e causar ainda mais efeito. Eu achei que você queria se vingar de mim. Você alegou cansaço. Eu não acreditei e te apaguei. Apaguei confiando que eu não devia deixar perto de mim nenhuma armadilha que me levasse de novo para perto de você. Um tempo depois você quis me procurar. Ou me fez acreditar que queria. Você demorou para aparecer e só alimentou a minha certeza de que você era errado, errado, errado. Mas aí você apareceu. Apareceu errado, cara-de-pau, cafajeste... mas alguma coisa acendeu dentro de mim. Eu quis pagar pra ver.

Fui te ver. E vi um terceiro, que não era o errado, nem o desprotegido. Você deixou escapar que tinha pensado em mim naquele dia. Não com essas palavras, não explicitamente. Mas inequivocamente você quis me dizer que pensou em mim. E eu me senti lisonjeada, e espantada ao mesmo tempo. E gostei. E te beijei de novo. E me deixei levar de novo e foi bom, muito bom. Fiquei dolorida até, mas a dor me lembrava do prazer e me fazia sentir de novo aquela pessoa que eu sinto prazer em ser quando estou com você. Porque você me chama de mocinha racional e fica espantado com o meu beijo de mulher passional. Duas-em-uma.

Você viajou e eu fiquei e fui construindo você dentro de mim. E cada janela que subia no msn fazia o meu coração bater mais forte. Mas quando você entrou e me chamou para conversar, nada do que eu havia imaginado foi dito. Você veio dizer que achava que a gente devia ser amigos. E eu aceitei, mas alguma coisa esfriou e depois secou dentro de mim. Logo em seguida percebi que você só estava com medo. E esse medo me intriga, me fascina, me puxa para perto de você. E me faz me lançar cada vez mais, pois quanto mais medo você tem, mais eu fico corajosa. Querendo brincar com fogo. Você quis me fazer acreditar que só queria ser meu amigo, mas o seu desejo te traiu.

Então eu tive que esperar para saber o que eu era sua. E tive que te encontrar no meio de muitas tentações. E te perguntei se você estava com medo, mas vi que não. E isso me deixou excitada. E você brincou com a minha saia. E trançou a sua perna na minha. E eu te chamei para vir mais perto e você veio e me beijou perto da orelha, daquele jeito. E eu quis sentir o seu cheiro e o seu gosto de perto antes de beijar a sua boca, e o cheiro do cigarro e da cerveja mal disfarçado pelo seu chiclete me inebriou, mesmo eu não gostando de cigarro e nem de cerveja.

E você me levou de novo. E de novo foi bom, mas dessa vez melhor, ainda melhor que da primeira, que da segunda. O seu cheiro, o seu gosto, a sua pele macia, os seus braços, todo o resto. Meus sentidos todos alertas. As luzes acesas, diferente do que eu estou acostumada. Você me olhando e eu te olhando, e te achando lindo e te desejando. E me achando linda e desejável. E você tendo prazer e eu adorando te dar prazer.

Depois de tudo você ronca alto e eu não consigo dormir. Então você não precisa ter medo de que eu vá passar a noite na sua casa, porque eu não consigo dormir com você roncando e me levanto e me visto, e vou para casa, mas antes eu te conto que você ronca muito alto e você ri com cara de menino.

E no dia seguinte eu te procuro e quase me mostro nua e você responde lacônico que a gente precisa tomar jeito. E agora nesse pé eu tento entender quem você é, quem eu sou com e sem você, quem nós poderemos ser. Tento entender o seu medo e o meu medo. Penso que eu quero me jogar, porque eu estou aqui para isso. Eu sei que eu posso porque aprendi a ser leve, mas não deixei de ser intensa. Leveza com profundidade é tudo, é o meu mote, o meu mantra. E a sua intensidade me fascina, mas a nossa leveza também me seduz. E o cheiro da cerveja e do cigarro ainda parecem estar nas minhas narinas, enquanto penso em você e escrevo, insone, às quatro e oito da manhã.

18 comentários:

O Amor disse...

Bom dia! Maravilhosa essa forma de escrver: instigante, que prende o leitor. Fiquei pensando, após essa leitura, e considerando que essa busca e essas contradições parecem ser o que ocorre comumente com a maioria de nós... o que procuramos na outra pessoa, que parece ser tão difícil encontrar? Será que procuramos a nós mesmos? Será que não achamos porque sequer conhecemos a nós mesmos? Grande abraço, Poetisa!

Anônimo disse...

Oie!!!
Leio seu blog faz um tempinho!! E me senti obrigada a deixar um comentário para esse post! rs

Simplesmente lindo!!! Acho maravilhoso seu modo de ver as coisas! E como vc escreve é ótimo igual!! Parabéns!!!

E acredito que todo mundo ficou querendo saber o fim da história! :P

Bjos...

Anônimo disse...

ai...

Quero ser como você quando eu crescer!! rs

Tudo bem que já passou do tempo de eu crescer...mas ainda chego lá, ou melhor, aí..hehe

fabiana disse...

Adoray o texto de hoje! Adoro essas suas narrativas! Tô curiosa com o fim da história também...

Beijocas

Anônimo disse...

Maninha,
texto inspiradíssimo esse. Adorei.
Beijos, Maninha (ou a melhor-amiga-que-adora-formar-casais)
te amo

Anônimo disse...

Olá André!
Acho que o que procuramos no outro é alguém que nos suporte, mas nos fazendo acreditar que estamos fazendo um enorme favor por estar ao seu lado! :)

Melissa, obrigada pelos elogios e por ter se "revelado" nos comentários!
A história ficou sem fim mesmo. O rapaz resolveu levar a cabo a idéia de ser "só amigo" e eu me desinteressei... sem glamour, né?

Érica: não queira ser como eu, não! Cada um de nós tem a sua receita de vida, pessoal e intransferível, com direito à sua cota de dor e delícia... :) E eu também ainda quero ser muita coisa quando crescer!

Fabiana,
que bom que você gostou! Como eu contei aí logo em cima, o fim da história não teve a menor graça... teria estragado a narrativa!

Manélson,

olha, eu também te amo, mas você faça o favor de parar de ficar divulgando meu msn e meu orkut para todos os solteiros da praça, viu? HAHAHAHAHAHA sua peste...

Anônimo disse...

Manelson
HAHAHAHAHAHAHAAHAHAHAHAHAHAAHA

Anônimo disse...

Manelson
HAHAHAHAHAHAHAAHAHAHAHAHAHAAHA

Isabella Kantek disse...

Amiga, amiga!
Tô falando que daqui vai sair um livro. Você me surpreender com esses posts na manga.

Finalmente dessa vez eu consegui reconhecer o [ex] objeto do seu desejo. ;)

Cláudia disse...

O que seria dos blogs femininos não fossem os homens complicados? Eles são uma fonte de assunto para posts legais como este!

Anônimo disse...

Sabia que os caras errados não gostam tb de mim? E olha que eu acho que eles têm 1 charme especial... hahahaha
Adorei o papo na sexta! Que venham mtossssssss outros!!!
Bjinhos e boa semana pra vc!

Anônimo disse...

Cena final da estória:
Sentada no chão da cozinha, comendo brigadeiro na panela, acompanhado de um bom vinho de 3,99 do supermercado - nessas horas quem se importa de onde vem o vinho. No CD que toca em modo REPEAT "Everybody Hurts" dá a acena a dramaticidade esperada.
O telefone toca. O coração dispara. "Alô?". O Exército-anti-deprê manda sua tropa de choque. Os velhos amigos de sempre: "Vamos sair?" Ela pensa, reflete. Acaba aceitando.
Um banho para espantar o mau-humor, a roupa nova finalmente sai do armário: "Roupa certa, hora errada". Se olha no espelho, gosta do que vê.
Sai e fecha a porta. Close na porta. A câmera foca o CD Player que ficou ligado. O cantor se esforça: "cause everybody cries and everybody hurts sometimes,
Sometimes everything is wrong..."
A imagem some lentamente... Alguém no cinema tenta disfarçar as lágrimas...

Bachelor-o-cinematográfico

Anônimo disse...

Final alternativo Scooby-Doo
Mister-Perfeito leva o cachorrinho de Mulher-Solteira para passear. Ele (o cachorro) sai em disparada, o mancebo tenta alcancá-lo mas acaba preso na corrente que levava o au-au. Nessa hora aparecem os amigos de Mulher-Solteira, além da própria. Tudo não passava de um plano para desmascará-lo.
Mulher-solteira tira a máscara de MP. Então vem a grande surpresa: MP não era nada mais, nada menos do que Ângela Gisele, colega de colégio de MS mas que não tinha sido aceita por essa no grupo das "Meninas populares" por ser gordinha, usar óculos fundo de garrafa e aparelho nos dentes...
Antes da polícia levá-la, tem tempo de dizer: "Eu teria conseguido minha vingança se não fosse por este cachorro e essas crianças enxeridas..."

Bachelor-o-no-sense

30 anos 200 palavras por minuto disse...

Ai Crisonilda! Posso também ser sua fã??

Vou fazer igual eu fiz no blog da Isa: "Ei, ela é minha amiga viu? Tenho até uma fotinho com ela..."

Beijos enormes!

Anônimo disse...

Amiga, amiga... :)

Quem diria que esse texto viraria um post um dia, né? Originalmente ele foi escrito só para eu desabafar, eu-comigo-mesma...

Que bom que você reconheceu. Mas os outros você sabia quem eram também, vai... vc tá só fazendo charminho de amiga ciumenta.

Claudia,

Sem sombra de dúvida, o Mulher Solteira não existiria se não fossem os homens complicados! Uma salva de palmas para eles, os nosso patrocinadores permanentes! :)

Aninha,

É mesmo??? Puxa vida... o que será que a gente tem que espanta os homens errados, né? Que droga... HAHAHAHAHAHAHHA!!! Também adorei o papo... mulheres, uni-vos! ;)

Bachelor:

1) Gostei de ver que você acatou o nick :)

2) HAUHAUHAUHAUAHUAHAUAHAHUAHUAH quanta inspiração, meu Deus! Mas, pra seu governo:

2.1. Eu nunca terminei uma história amorosa mal-sucedida comendo uma panela de brigadeiro (em geral fico sem fome mesmo)
2.2. Eu nunca terminei uma história amorosa mal-sucedida afogando minhas mágoas numa garrafa de vinho de 3,99 (até porque eu ODEIO vinho)
2.3. Eu nunca ouço música de fossa quando estou mal... o que você pretende, que eu corte os pulsos de uma vez???

Por outro lado:

2.4. Achei perfeita a escolha do ‘Everybody hurts’ para a minha cena dramática (você também assistia “My so called life”?)
2.5. Também amei a versão scooby-doo... however:

2.5.1. A Mulher Solteira nunca achou que o ATT fosse o Mr. Right.
2.5.2. A Mulher Solteira tem duas cachorras, e não um cachorrinho.
2.5.3. A Mulher Solteira está mais para Ângela Gisele do que para garota popular...

Adorei o comentário, continue dividindo seus pensamentos cinematográficos conosco!

Amiga Fanta,

Ai ai... vocês estão deixando meu ego tomar proporções assustadoras... eu só não me incomodo porque também sou fã incondicional das duas :P (da Filha do Pai da Noiva e da Mãe da Estela... essas duas é que são mulher de verdade!)

Anônimo disse...

Amiiiiiga quanto tempo! Que bom entrar aqui... faz tanto tempo... tenho muitos posts atrasados para ler - que bom! Pena que não dá para ler tudo agora... Que sorte vc afastar os caras errados! Modestamente eu também acho que sou a mulher certa, mas os caras errados não se intimidam com isso - eu ser tãããão certa. É terrível isso!
Muitos beijos

Anônimo disse...

Com a minha memória de ervilha de lata nem sempre consigo reconhecê-los. =p

Rafa, eu vou precisar fazer uma colagem. Vou recortar uma foto minha e você me passa uma sua, porque os seus posts estão excelentes mulher.

Anônimo disse...

Silent,
que bom que você voltou aqui, querida!
Menina, a vida tá muito corrida mesmo, né? Não consigo escrever direito e ler nem os blogs dos amigos...
Acho que no fim das contas a gente deve se sentir feliz por não atrair os errados, né? Antes só do que mal acompanhada. ;)

Mãe da Estela: é verdade, sua memória de ervilha sempre me surpreende...
Eu também tô adorando o Filha do Pai da Noiva, mas ó, vou ficar com ciúme, hein??? :)