terça-feira, 31 de julho de 2007

Convite

Ela propôs, eu topei. Tá aí.

Queria ter escrito sobre alguma coisa mais descolada da minha realidade, mas sou que nem o Woody Allen (exceto pela genialidade), só consigo escrever sobre a minha vida. Todas as minhas histórias têm um mesmo e único personagem – eu. Paciência, paciência. Acolhamos nossas limitações, amém. Do limão à limonada, com dor e delícia e bastante gelo.

A pedido da proponente (que recebeu o convite de uma outra blogoamiga), estendo a proposta ao Gastón e à MH. Amigos, contem-nos sobre o seu “Dia perfeito”. Vale dizer: não há obrigatoriedade nem deadline. Se aceitarem o convite, basta repassá-lo depois a mais dois blogoamigos.

E vamos a ele:
Um dia perfeito

Meu pai uma vez me disse e eu nunca esqueci: “o ótimo é inimigo do bom”.

E o perfeito, seria inimigo do quê? Do possível, creio eu.

Como naquele dia. Se ele soubesse que eu havia passado praticamente três noites em claro esperando por aquele dia teria me achado louca, mais louca ainda do que poderiam fazer supor as minhas mensagens atrevidas. Acordada desde cedo, mas sem levantar da cama, segurei o telefone enquanto criava regras para tentar controlar a minha ansiedade: “se ele não ligar até as 13h15, eu ligo... não, mas vai que ele fosse ligar dali a cinco minutos... por outro lado, se ele não ligar e eu não sair para almoçar com alguém vou passar mais um dia de ansiedade, à toa. Eu não agüento isso! Mas ele também não pode perceber que eu estou tão ansiosa...”. Então me lembrei do comentário que ele fez a respeito do meu primeiro e-mail: que admirava o meu ato de coragem – mas melhor seria dizer de atrevimento, já que eu não havia arriscado nada. Esse é o espírito: por enquanto não preciso me preocupar em perder alguma coisa. Ligo. Ele me atende, simpático. Diz que sim, vamos almoçar juntos, não havia ligado antes porque acabou de acordar. Combinamos rapidamente o lugar e a hora, pergunto se ele sabe chegar lá e ele diz que se acha. Então pergunto: e como a gente se acha? Ele diz que vai me ligar de novo para dizer como está vestido. Penso em já adiantar como eu vou estar vestida – mas assim eu daria bandeira de que passei três dias escolhendo a minha roupa. Menos é mais, penso eu.

Vago pela casa entre a cozinha, o quarto e o banheiro sem conseguir começar a me arrumar. Parece que ainda falta uma eternidade para encontrar com ele. Penso em ligar para alguma amiga, mas percebo que não quero profanar esse momento com os meus próprios comentários histéricos. Quero gravidade, cerimônia. Quando consigo sair da letargia, percebo que tenho pouco tempo – muito pouco tempo – para ficar incrível. Saio de casa atrasada, é claro. Não consigo pensar em um bom caminho, é claro. Isso porque eu escolhi o restaurante. No meio do caminho ele me liga, atendo afobada: “tô atrasada!” Ele ligou para dizer que está atrasado também. Hum, pensei que ele faria o tipo pontual. Menos mal, já que sou incapaz de fugir dos meus dez minutos de atraso protocolar (será que também se atrasou se arrumando para tentar me agradar?). Aproveito para perguntar se ele conhece um caminho melhor do que o que estou fazendo. Ele tenta me explicar, mas ainda é cedo para alongar uma conversa desse tipo ao telefone e eu preciso de orientações extremamente didáticas para escolher uma rota alternativa, então digo para ele não se preocupar que eu chegarei lá.

A amiga liga no meu celular e comenta que encontrou com ele ontem, mas, como manda a discrição em situações como essa, não comentou nada. No meio da ligação toca a outra linha, é ele de novo, desligo depressa com a amiga e já vou me justificar pelo atraso novamente quando vejo um amarelinho. “Ai, já te ligo!”. Droga. É muito cedo para desligar o telefone assim na cara dele. Respiro fundo antes de ligar de novo, peço desculpas, ele já chegou e o restaurante tem meia hora de espera. Sugere outro ali perto, pede para eu pegá-lo na porta e de lá vamos juntos. Estou quase desligando, mas me lembro da pergunta-chave: “como você está vestido?” Calça verde, bota e casaco cinza chumbo. Não consigo visualizar muito bem a combinação... mas ele não sabe que a amiga me mandou uma foto deles aos doze anos, arma secreta, além do que não deve haver muitos outros homens esperando na frente do restaurante por uma perfeita desconhecida.

De longe vejo seu rosto sério, olhos grandes. Como os olhos da foto, mas hoje um pouco menos despreocupados. Ele entra no carro, nos cumprimentamos e logo passamos a tratar de assuntos práticos, talvez para tentar dissipar a tensão. Ele me explica como chegar no japonês – tem certeza de que você gosta? – digo que sim, que não se preocupe. Entramos e nos sentamos, a primeira etapa é a da escolha dos pratos. Não tenho um pingo de fome, mas preciso comer para não dar bandeira do estado do meu estômago depois de três dias de espera. Olho para ele a tempo de perceber que me observa, mas rapidamente escorrega os olhos para o cardápio, sem jeito. Terá me achado bonita? Está tentando ligar o rosto às palavras? Escolhemos o mesmo prato, mas cada um pede o seu acompanhamento. Enquanto a comida não vem, sou a primeira a comentar a cena: “que engraçado, né?”. Ele concorda.

Aos poucos começamos a conversa, o primeiro assunto parte dele. Diz que ainda não expliquei direito o meu trabalho. Repito a velha ladainha de que é impossível explicar meu trabalho em poucas palavras, ele diz que já supunha, já que eu escrevi que trabalho com educação, e não que sou professora. Digo que fracassei como professora, ele ri e percebo que entendeu rapidamente o que eu quis dizer. É reconfortante.

Ainda não consegue olhar nos meus olhos por muito tempo seguido. Percebo que é tímido. Não lembra nem um pouco o homem de palavras ríspidas da primeira mensagem que recebi. A amiga tinha razão: é preciso conhecê-lo para atribuir o sentido certo às suas palavras escritas. Aos poucos começamos a rir e ele fica mais descontraído, me olha nos olhos. A comida chega. Coisa difícil almoçar durante um primeiro encontro. Especialmente comendo com palitinhos. Levo mais de quarenta minutos para vencer metade do meu prato – sinto vergonha de fazê-lo esperar tanto tempo.

Percebo que o restaurante se esvazia, mas não quero que a conversa acabe. Não sei se ele também sente isso, mas continuamos a conversar alheios ao movimento. Me sinto tocada por ele se lembrar de pequenas passagens dos meus e-mails, comentá-las usando exatamente as minhas palavras. Eu já havia me esquecido como são os homens de carne e osso. Esses que não te olham com um olhar 46 durante vários minutos seguidos, porque também têm as suas inseguranças, porque também são gente. Não são hologramas construídos especialmente para brilhar durante a noite – têm contornos, volume, densidade... carne, ossos, sangue, enfim.

O garçom nos traz a conta sem termos pedido – explica que o caixa está sendo fechado (a cozinha já havia sido fechada antes, mas ignoramos isso). Não há constrangimento na hora da conta, cada um paga a sua parte sem que seja preciso tratar do assunto. Eu não gostaria que ele pagasse a conta para mim, ele talvez também preferisse dividi-la, então fico feliz porque pulamos uma cena dissimulada em que eu sugeriria rachar, ele insistiria em pagar, eu insistiria em rachar até ele pagar sem me deixar olhar o valor da conta. Não gosto de jogos, gosto que ele também não goste.

Caminhamos em direção ao carro, sempre conversando. Ele pergunta para que lado vou, acho que ia pedir uma carona, explica que não veio de carro, aliás, não tem carro. Arrisco um convite: “você tem alguma coisa marcada, quer tomar um café?”. Isso, boa, vamos tomar um café. Fico feliz com o aceite instantâneo (será por mim ou pelo café? Ele disse que é viciado em café, mas se não tivesse gostado de mim provavelmente deixaria para tomar em casa, não?). O trânsito na Augusta nos passa despercebido. Estacionamos e caminhamos em direção ao café, que está cheio. Ele pensa em outro lugar, depois fica em dúvida por causa do meu pé. Digo a ele que posso caminhar sem problemas, ele insiste que já paramos longe e se lembra de outro lugar mais perto. Fico feliz com essa delicadeza, embora realmente não me importasse de caminhar mais. Tudo parece mais concreto enquanto caminhamos – mais do que quando estamos sentados no meu carro.

Ele pede capuccino, eu fico com chá. Ele também está procurando apartamento. Conversamos sobre nossos planos – encontro formas de explicar um pouco o que se passa comigo sem sequer dar a entender que um dia houve um ex. É tão gostoso conversar com ele... Gosto de pessoas que sabem ouvir, mas que também são interessantes. Agora nos olhamos firme nos olhos. Me pergunto quanto tempo mais passaremos juntos – uma hora? Um dia? Um ano? Uma vida? Mas a irmã liga pela segunda vez e ele diz que agora acha que quer ir para casa, já havia combinado de encontrar com ela e faz tempo que não a vê. Tento disfarçar meu desapontamento, mas com fingida naturalidade sugiro que a gente comece a caminhar de volta para o carro.

E então, sentindo o ar de São Paulo gelar os meus dedos, meu nariz e minhas orelhas, decido ficar em silêncio. O que não falta é assunto, mas o que será que o silêncio pode trazer à tona? Não sei os motivos dele, mas me acompanha no silêncio. Tanto silêncio que chego a ouvir as batidas do meu coração, fortes, me dizendo o quanto eu queria que ele me beijasse naquele momento. Mas ele caminha com firmeza (embora devagar), olha para frente e talvez não esteja pensando no mesmo que eu. Quando chegamos no carro ele diz que vai para a direção contrária, faz menção de se despedir, mas insisto em levá-lo para casa. Não me custará nada – aliás, me dará o maior prazer.

Percebo que estamos chegando perto e já começo a antecipar o momento da despedida. Será que posso dizer alguma coisa atrevida? Hum. Talvez seja o momento de me recolher um pouco. Já fiz a minha parte, demonstrei interesse, ouvi o que não queria, dei a volta por cima, provoquei, enfrentei, ele me convidou para sair, não acreditei. Agora, no entanto, tudo isso já parece muito distante – nada do que aconteceu durante essa tarde lembra, de longe, o nosso duelo verbal. Paro o carro e ele tira o cinto e me agradece pelo passeio, diz que gostou de me conhecer. Sorrio e digo que também gostei. Ele diz que quer voltar a tocar, já que também estou cantando podemos combinar alguma coisa, diz que vai falar com a amiga. Fico feliz com a proposta – primeiro mais feliz com a possibilidade de isso ser uma demonstração de interesse. Só mais tarde me lembro o quanto também quero cantar mais, como queria que alguém me fizesse uma proposta como essa.

Quando ele desce do carro, fico sozinha com todas as minhas dúvidas. Será que ele gostou de mim? Ficou interessado? Ele realmente não parece fazer o tipo que agarraria uma mulher no meio da rua cinematograficamente... por outro lado, para onde poderemos ir depois de hoje? Será que temos um futuro? Dou a seta para a esquerda, me afasto da guia e então percebo, enquanto acelero o carro, que ele parou em frente ao portão e me vê indo embora. Aceno de dentro do carro, ele está sorrindo, acena também, sorrio também. Uma pequena luz se acende dentro do meu coração.

Como aquele dia. Perfeito? Possível. Aquilo que pôde ser. Por ora, já me basta que ele tenha existido um dia.

9 comentários:

Isabella Kantek disse...

Caraca, amiga!

Foi tudo num fôlego só.

Beijo carinhoso e obrigada.

Drika disse...

como ele falou do seu pé, acredito q isso tenha sido recente. então tô aqui bem torcendo pra dar certo.
e, ele tb ñ me parece o tipo q sai agarrando, e pra um primeiro momento, acho perfeito também!
boa sorte!!!
beijo.

Gastón disse...

Tá respondido seu desafio minha queridíssima. Beijo.

Anônimo disse...

Amiga,

de nada e o prazer foi todo meu!

Drika,

pois é, o pé deu bandeira, né? (o frio também). Eu fiquei supersticiosamente em dúvida sobre expor essa história ainda tão no comecinho para o cósmos, mas quando ouvi falar em "dia perfeito" foi o que fez mais sentido para mim.

Obrigada pela força e tomara que o moço seja tímido, mas compareça! :)

Queridíssimo,

que bom que você topou. Foi divertido, né? Vou lá no seu blog para reler e comentar o seu dia perfeito.

MH disse...

adorei!!!

agora vou pensar sobre o meu texto... já sei bem como é o meu dia perfeito!

e nosso café? ou um jantar com lulus, vc está mais que convidada!!

beijos

Anônimo disse...

MH,

que bom que você gostou! Vou correndo lá no Perspectiva (ou desenrolando?) pra saber sobre o seu dia perfeito...

O nosso café tá encantado, né? Alguém tem que tomar alguma atitude...:)

Beijão!

Isabella Kantek disse...

Só pra dizer que o balão e o trilho voltaram. ;)

Bisou-tantan

Anônimo disse...

Nossa adorei.

Que lindo!

Faz tempo que não tenho um dia desses.

Nem sei se você vai ver esse meu post...

Mulher Solteira disse...

Amiga,

esqueci de responder, mas constatei: o trilho e o balão voltaram, para a alegria de todos e a felicidade geral da nação :)

Érica: vi sim! O blogspot sempre avisa por e-mail quando há comentários novos. Resta saber se você vai ver a minha resposta...

Que bom que você gostou. Fazia tempo que eu também não tinha um dia como esse... e espero que venham outros ainda mais perfeitos! Bem-vinda.