quinta-feira, 5 de julho de 2007

Post inaugural

Eu nunca fui uma menina de escrever diários. De fazer agendas. A minha relação com a escrita sempre foi intermitente, marcada por breves e intensos casos amorosos, em geral motivados por fatores externos à minha própria necessidade ou desejo de escrever. Alguns dos filhos que pari até hoje me dão prazer; alguns outros, eu renego. Mas nunca fui alguém que pudesse falar de uma necessidade visceral de escrever, de uma produção constante, de um estilo relativamente cristalizado.

Curiosamente, escrever é o que mais faço no meu trabalho. E minha escrita é reconhecida como minha maior qualidade profissional. Minhas chefes já chegaram a dizer que eu “psicografo pensamentos”. Já fiz muitos relatórios e memórias de reuniões sobre projetos nos quais eu nem mesmo havia participado. Trata-se de uma apurada e convincente técnica de “embromation” cultivada ao longo de anos. Bom, médio “embromation”. A verdade é que dificilmente seria capaz de escrever sobre algo sem efetivamente me apropriar daquilo sobre o que estou tratando. Mas pode ser apenas uma apropriação teórica, metafísica, paranormal. Não requer necessariamente uma vivência real.

Também já passaram por mim muitos textos de outras pessoas para o famoso “tapinha”. Alguns me fizeram quase chorar diante da tela (e não foi de emoção); outros me instigaram, causaram admiração e orgulho por me sentir, de alguma forma, uma co-autora. O fato é que muitos me levaram a pensar que eu seria capaz de escrever algo significativamente melhor e pensar por que é que eu não investia em escrever os meus próprios textos em vez de me ocupar de ficar arrumando os dos outros.

Escrever, no entanto, nunca esteve entre os meus maiores “apetites”. E não há muito mistério nisso. Escrever dá trabalho. Frustra. Muitas vezes pode resultar em um caso de amor não-correspondido com os leitores. Demanda tempo. Exige disposição e exposição. Bem mais fácil segurar o controle remoto e ligar na novela das oito. Mesmo ler, que também é trabalhoso, exige menos do que a escrita. Ler, mesmo quando não se tem fome, acaba por despertar o apetite. Eu, pelo menos, sou uma leitora gulosa.

Não foi uma nem foram duas as vezes em que tentei escrever um blog, ou participar de um blog. A “preguiça” (ou alguma outra motivação não nomeada) sempre me fez parar, deixar a empreitada pela metade (pelo começo, na maior parte das vezes). Me acostumei a simplesmente viver da leitura de blogs alheios, saciando a minha vontade de textos e o meu desejo de interagir com os outros por meio da escrita em territórios de outros autores.

Aliás, cartas, e-mails e, em tempos mais modernos, comentários em blogs, sempre escrevi aos montes. Esta é uma fome insaciável; os “encontros” possíveis em uma correspondência escrita, não-imediata, eternizada em uma folha de papel ou, com alguma sorte, em uma caixa eletrônica de correio são únicos, insubstituíveis, não correspondentes a conversas ou encontros em tempo real. Quero, um dia, se conseguir persistir no intento da escrita, falar um pouco sobre a maneira como os programas de conversa em tempo real (como ICQ, IRC e MSN) afetaram, a meu ver, alguns aspectos do relacionamento humano – às vezes para o bem, às vezes para o mal...

Enfim, ao longo dos últimos meses da minha vida, colocada contra a minha vontade em uma situação que me exigiu rapidamente aprender a (ou relembrar como) nadar em um mar revolto, procurar algum ponto em que me apoiar minimamente, analisar as condições climáticas e começar a buscar novamente a terra firme, de tempos em tempos passei a sentir uma forte vontade de escrever.

Se houvesse um Ipod cerebral que se conectasse ao computador e permitisse “baixar” todos os textos que já pensei, certamente já teria uma obra maior do que as completas de Freud. Esse, é claro, seria o desejo de todo aspirante a escritor. A grande dificuldade é justamente transpor as idéias ao papel sem perder a sua essência original e, mais importante, utilizando o processo criativo como forma de lapidar o que pode, num primeiro estágio, ser considerado grosseiro, desimportante (?) ou desinteressante.

Mas ao longo das minhas andanças pelo bairro durante os passeios quase diários com as minhas cachorras, fui tomando certo gosto por repassar mentalmente alguns acontecimentos, como que tentando descrevê-los de forma bem-humorada (mesmo quando relativamente trágicos) a uma amiga imaginária, buscando explicações factíveis e esdrúxulas, criando teorias, hipóteses, fazendo sinapses, tendo insights. E comecei a achar que o esforço de colocar todas essas idéias na tela do computador talvez valesse a pena pelo exercício auto-erótico (algo que você faz com o objetivo específico de trazer prazer a você mesmo – pode incluir a masturbação, mas não se restringe a ela) de tornar concreto algo meu, uma produção minha, que pudesse de alguma forma ser apreciada pelos outros ou despertar algum sentimento de identificação e solidariedade (ou de indignação e irracionalidade – o importante é ter algum tipo de ressonância, de qualquer natureza) em potenciais leitores.

Eis aqui o começo de tudo. Com uma auto-regra bastante explícita: a da não-obrigatoriedade. Não há auto-erotismo que se sustente quando se faz algo por obrigação ou necessidades externas à nossa vontade.


Que seja eterno enquanto dure. Amém.

12 comentários:

Anônimo disse...

Cris, só fiquei com uma dúvida: o blog é restrito ou qualquer um pode acessar? Porque esse é um fator que pode inibir futuras contribuições, ou pelo menos pode conter a animação, para não passarmos vexame. hahahaha
Mas é quase um transmimento de pensação porque eu vinha falando sobre colocarmos nossas teorias e experiências que beiram a bizarrice nos últimos tempos no papel. Depois escrevemos um livro e ficamos ricas danod palestras de auto-ajuda (ou auto-sabotagem, em alguns casos) por aí! Beijos!

Anônimo disse...

Masnelson,
c~e sabe o quanto acho essa tua idéia O MÁXIMO, né?
Diz uma coisa: posso divulgar pras meninas (MH, Keka, etc.)?
Beijocas!!!
Mana

Isabella Kantek disse...

Não foi preciso sugerir, pedir, implorar, mandar e-mails e mais e-mails ... porque no fundo eu sempre soube que os seus blogs imaginários, mais cedo ou mais tarde, iam germinar em outros espaços.
Que orgulho, amiga! Saiba que irei linkar e divulgar!

Beijo carinhosos,
Isa

Anônimo disse...

Mujer!
Adorei isso! Acho que compreendo o que você diz sobre começar, exposição... Pensei bastante sobre isso nos ultimamentes. É mesmo muito difícil permitir que alcancem nossa estranheza. Costumamos reservar isso somente para os amigos, não para todos, pois causa certo descontrole.
Bravo!
beijo forte.

Anônimo disse...

Oi, Amiga Cris!!!!

Gostei muito de ler/ouvir seu texto. Incluo o ouvir porque foi essa a sensação que tive: que estava ouvindo você falar! Me senti batendo um papo com você, e isso foi muito bom!


Um beijo!!!

Anônimo disse...

Meninas! Que legal receber os comentários de vocês tão rapidamente!

Cá, primeirona, hein? A princípio a idéia é deixar o blog aberto ao público mesmo. Vamos ver no que vai dar...

E transmimento de pensação total, né? Mulheres solteiras: uni-vos. Vamos faturar alto com os manuais de auto-ajuda e auto-sabotagem, hehehehehe...

Manéeeeeeelson! Eu sei sim que você adooora essas coisas... você foi o único ser que chegou a publicar um comentário na minha primeira tentativa fracassada de blog... vamos ver se dessa vez eu deslancho!

Pode divulgar o blog para quem você quiser. Mundo, aqui vou eu!

Isa: tá vendo, amiga? Tô facinha, facinha, hahahahahaha :))) Bom amiga, fato é que alguns nasceram para ser Guimarães Rosa e outros para ser Danuza Leão. Resolvi assumir de vez que eu pertenço ao segundo time, me aceitar e ser feliz... hehehehehe

Ke-kerida! Sabe que comigo é quase o contrário? Desde "xófen" eu sempre tive a tendência a expor mais as minhas estranhezas aos desconhecidos do que o bom-senso recomenda. Fazer o que... "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é", não?

Ah, obrigada pela divulgação maciça do blog! Espero que as suas amigas e os seus amigos femininos (!) gostem do que vão ler.

Rê!!! Que bom saber que foi bom para você! Para mim também... :) Espero que você continue voltando aqui para me "ouvir" mais vezes... e que a gente também se encontre para um bate-papo face a face! Beijão!

Gastón disse...

Pô, tô me sentindo o próprio marido traído: o último a saber. Já tem post aqui e vários comentários... que ultrajante! Boa sorte com o blog Cris, tô contente que você resolveu sair da gaveta também :0)

MH disse...

Tá vendo, seu comment no Gasta me trouxe aqui... finalmente, bem-vinda!

sem obrigação, é bom jogar idéias numa tela e compartilhar com amigos da vida e os novos que surgem na blogsfera!
beijo, tomara que dure (o quanto tiver que durar...)

Anônimo disse...

Gastón!!!

Quanta honra, caro colega da blogosfera!!!

Não se sinta marido traído não... veja, você é o único exemplar do gênero masculino que foi até o momento convidado a adentrar esse antro... é que as amigas estão tão acostumadas com esse meu papo de mulher solteira que o blog é quase uma extensão dos nossos momentos-calcinha!

Valeu pelas palavras de incentivo, saiba que o seu blog foi uma grande inspiração para mim! ;)


Emeagá, você é mesmo rápida no gatilho, hein? Que bom que o nosso networking tá se expandindo... que a gente possa se encontrar cada vez mais, tanto no mundo real quanto no virtual!

Carol Zilles disse...

Cris,

Finalmente, consegui terminar de ler tudinho! Depois do "post" para mim (já me sinto celebridade!), tinha que deixar a preguiça de lado! Post vai entre aspas porque, como você bem sabe, sou da opinião de que há um certo conflito de gêneros lingüísticos por aqui! Vixe, é impressão minha ou isso ficou ambíguo? Hahahaha

E não é que esse monte de letrinha seu faz sentido - e faz sentir?! Apesar de recém pedida para morar junto, eu sou uma mulér de alma solteira - por pouco já não virei camelô vendendo bússula na Selva dos Solteiros... Ainda bem que o mundo é Roda-Viva! Enfim, me identifico do âmago do meu ser com suas aventuras e suas reflexões. Deitemos e gozemos! Os homens que te esperem! (enquanto isso, as amigas te esperam por aqui!)

Beijos!

Carol

Anônimo disse...

Aê, Carol!!! Finalmente MESMO! O público clamava pela sua presença... hahahahaha eu já estou com mania de grandeza nesse blog!

Com relação ao conflito no gênero lingüístico, eu discordo de você... acho que o blog ainda é um gênero em formação e por isso algumas características não estão inteiramente definidas! Tenho muitos amigos blogueiros que publicam contos, crônicas... o post se presta a tamanhos muito variados! Mas eu, sem dúvida, sou das blogueiras mais prolixas de que já tive notícias, hehehehehe...

Bom, eu conheço muito bem a sua alma de "mulé solteira"... é uma ironia do destino, você comprometida e eu avulsa (já que tenho alma de "mulé casada"). O legal é que você está cada vez mais descobrindo as delícias da vida de "casada", e eu as da vida de solteira... assim é que é bom, né? Hehehehehehehe

Adorei a sua visita e o seu recado... e olha, já andaram citando você em outros comentários, viu? Fica esperta que a sua fama está se tornando internacional... ;)

Beijão, querida.

Ana Téjo disse...

Eba! Amém!