Parte 7 – A sinuca do “Seu” Mário
A Cá estaciona o carro em uma rua deserta e silenciosa. Olho pela janela do carro e não vejo qualquer movimento. Andamos em direção a uma fachada sem qualquer indicação, luz, sinal de estabelecimento comercial. Bem, já estou começando a me acostumar com isso, em se tratando da Cá.
Sem cerimônia ela abre uma porta, toca uma campainha e segundos depois, sem ter que dizer nenhuma senha secreta, já estamos dentro.
São quase duas da manhã e a sinuca é muito iluminada, mas também silenciosa. Não me lembro de ter ido a algum lugar parecido antes. São quatro mesas grandes e há dois grupos jogando.
“Seu” Mário é um senhor japonês, lá pelos cinqüenta anos, grisalho e de óculos. Quando chegamos na sinuca ele joga um filé com cebolas na chapa quente, limpa as mãos em um pano e vem nos cumprimentar com dois beijos no rosto. É claro que “Seu” Mário é amigo da Cá. Eles trocam figurinhas e perguntam a respeito de conhecidos em comum.
Dizem que “Seu Mário” toca a sinuca praticamente sozinho, de uma da tarde até o último freguês. Ele tem um ajudante que lhe faz até massagem, mas pediu as contas e não se sabe ainda se alguém vai substituí-lo. Calculamos que “Seu” Mário praticamente não faz outra coisa da vida a não ser dormir e cuidar da sinuca. Dizem também que ele é ótimo jogador.
A Carol e o João demoram um pouco mais para chegar. Pudera. A sinuca do “Seu” Mário é um lugar para iniciados. A Cá avisa que o Marco também está vindo se juntar a nós.
Em frente à mesa, olho para os tacos, vejo as pessoas cumprindo rituais de passar giz azul na ponta do taco e talco no gordinho entre o polegar e o indicador, “para o taco escorregar melhor”, e me pergunto quando foi a última vez que joguei uma partida de sinuca. Provavelmente num longínquo domingo na chácara de algum tio-avô, em uma lembrança desbotada de um canto escondido da memória. Sei que jogar hoje vai ser um pouco como tentar mexer as orelhas, mas encaro com bom-humor o desafio e o previsível vexame.
Quando o jogo começa rio das piadas do João, que chama a Carol de “parceira” e diz a ela que “essa bola pode, aquela não”. Minhas primeiras tacadas são honestas; não me deixam constrangida, mas também não surtem nenhum efeito significativo. Lá pela terceira rodada, encaçapo uma bola. Legal! Quase sorte de principiante.
Uma ou duas rodadas depois, o João me diz com uma cara séria que eu não posso acertar a bola em que estou mirando. Dou risada, mas vejo que todos continuam sérios. Como sou um ser randomicamente avoado (às vezes a mais ligada das criaturas, às vezes o rei dos surdos em tiroteio – e a surdez colabora para isso), começo a desconfiar da minha certeza: afinal, essa história de “bola certa” é piada ou não? Cá explica: a gente só pode acertar nas bolas pares... o João e a Carol nas bolas ímpares. Ok. Descubro na quinta rodada que tenho uma dupla e bolas certas para encaçapar. Que bom que, sem ter consciência disso, mirei e encaçapei apenas as bolas da minha dupla. Avoada é apelido.
João é o Ronaldinho da noite. Cá e Marco também são bons, mas Cá está um pouco desconcentrada e Marco sem sorte. Eu e Carol tentamos acompanhar o ritmo, mas nosso jogo é irregular: oras encaçapamos bolas inacreditáveis, oras derrubamos bolas proibidas ou damos uma tacada no ar. Ela, pelo menos, tem a desculpa de ter bebido.
A pérola da noite é: “o mais importante é onde a bola branca pára”. Adoro essas frases sobre o cotidiano que têm um sentido filosófico embutido, como quando minha professora de yoga anuncia, durante as posturas de equilíbrio: não se comprometa com o sucesso... Resta saber que significado o lugar de parada da bola branca tem na vida real.
Encerramos a sinuca às 4 da manhã e, seguindo a tradição dos “Anjos Exterminadores”, usamos o troco para fazer uma última parada na padaria do outro lado da avenida, onde meus amigos matam a cerveja derradeira. Cá e Marco comentam que já beberam cerveja nessa mesma padaria enquanto os primeiros fregueses da manhã chegavam para comprar pão.
Finalmente a noite se encaminha para um fim. Nos despedimos e embarco no “carro de vaqueiro” do João rumo à minha casa.
A Cá estaciona o carro em uma rua deserta e silenciosa. Olho pela janela do carro e não vejo qualquer movimento. Andamos em direção a uma fachada sem qualquer indicação, luz, sinal de estabelecimento comercial. Bem, já estou começando a me acostumar com isso, em se tratando da Cá.
Sem cerimônia ela abre uma porta, toca uma campainha e segundos depois, sem ter que dizer nenhuma senha secreta, já estamos dentro.
São quase duas da manhã e a sinuca é muito iluminada, mas também silenciosa. Não me lembro de ter ido a algum lugar parecido antes. São quatro mesas grandes e há dois grupos jogando.
“Seu” Mário é um senhor japonês, lá pelos cinqüenta anos, grisalho e de óculos. Quando chegamos na sinuca ele joga um filé com cebolas na chapa quente, limpa as mãos em um pano e vem nos cumprimentar com dois beijos no rosto. É claro que “Seu” Mário é amigo da Cá. Eles trocam figurinhas e perguntam a respeito de conhecidos em comum.
Dizem que “Seu Mário” toca a sinuca praticamente sozinho, de uma da tarde até o último freguês. Ele tem um ajudante que lhe faz até massagem, mas pediu as contas e não se sabe ainda se alguém vai substituí-lo. Calculamos que “Seu” Mário praticamente não faz outra coisa da vida a não ser dormir e cuidar da sinuca. Dizem também que ele é ótimo jogador.
A Carol e o João demoram um pouco mais para chegar. Pudera. A sinuca do “Seu” Mário é um lugar para iniciados. A Cá avisa que o Marco também está vindo se juntar a nós.
Em frente à mesa, olho para os tacos, vejo as pessoas cumprindo rituais de passar giz azul na ponta do taco e talco no gordinho entre o polegar e o indicador, “para o taco escorregar melhor”, e me pergunto quando foi a última vez que joguei uma partida de sinuca. Provavelmente num longínquo domingo na chácara de algum tio-avô, em uma lembrança desbotada de um canto escondido da memória. Sei que jogar hoje vai ser um pouco como tentar mexer as orelhas, mas encaro com bom-humor o desafio e o previsível vexame.
Quando o jogo começa rio das piadas do João, que chama a Carol de “parceira” e diz a ela que “essa bola pode, aquela não”. Minhas primeiras tacadas são honestas; não me deixam constrangida, mas também não surtem nenhum efeito significativo. Lá pela terceira rodada, encaçapo uma bola. Legal! Quase sorte de principiante.
Uma ou duas rodadas depois, o João me diz com uma cara séria que eu não posso acertar a bola em que estou mirando. Dou risada, mas vejo que todos continuam sérios. Como sou um ser randomicamente avoado (às vezes a mais ligada das criaturas, às vezes o rei dos surdos em tiroteio – e a surdez colabora para isso), começo a desconfiar da minha certeza: afinal, essa história de “bola certa” é piada ou não? Cá explica: a gente só pode acertar nas bolas pares... o João e a Carol nas bolas ímpares. Ok. Descubro na quinta rodada que tenho uma dupla e bolas certas para encaçapar. Que bom que, sem ter consciência disso, mirei e encaçapei apenas as bolas da minha dupla. Avoada é apelido.
João é o Ronaldinho da noite. Cá e Marco também são bons, mas Cá está um pouco desconcentrada e Marco sem sorte. Eu e Carol tentamos acompanhar o ritmo, mas nosso jogo é irregular: oras encaçapamos bolas inacreditáveis, oras derrubamos bolas proibidas ou damos uma tacada no ar. Ela, pelo menos, tem a desculpa de ter bebido.
A pérola da noite é: “o mais importante é onde a bola branca pára”. Adoro essas frases sobre o cotidiano que têm um sentido filosófico embutido, como quando minha professora de yoga anuncia, durante as posturas de equilíbrio: não se comprometa com o sucesso... Resta saber que significado o lugar de parada da bola branca tem na vida real.
Encerramos a sinuca às 4 da manhã e, seguindo a tradição dos “Anjos Exterminadores”, usamos o troco para fazer uma última parada na padaria do outro lado da avenida, onde meus amigos matam a cerveja derradeira. Cá e Marco comentam que já beberam cerveja nessa mesma padaria enquanto os primeiros fregueses da manhã chegavam para comprar pão.
Finalmente a noite se encaminha para um fim. Nos despedimos e embarco no “carro de vaqueiro” do João rumo à minha casa.
7 comentários:
Amiga,
como o seu final de semana rendeu!
O meu professor adorava dizer "non-fiction that reads like fiction", e foi essa a sensação que eu tive. Continue com as histórias.
Beijocas =)
Ah, danadinha... já comentou, né?
Pois é, amiga, nem eu imaginei que esse sábado ia render TANTO...
Isso é que dar ser uma pessoa sis-te-má-ti-ca, que gosta das coisas bem explicadinhas e, de preferência, em ordem cronológica! ;)
Beijos!
Benza deus heim? Eu que tava precisando de uma mega balada dessas com direito a várias atrações.
Li todos os textos do blog compulsivamente. E fiquei curiosa pra saber como acaba o sábado!
Gastón,
eu te disse que lembrei de você quando a minha amiga Cá comentou sobre a comunidade dos "anjos exterminadores" no orkut, lembra? Lembrei do seu post sobre os últimos a sair do bar, expulsos pela vassoura do garçom :)
Bom, já sei que na próxima balada com a Cá eu vou te convidar...
Beijão!
Nana,
que legal! Escritores compulsivos adoram leitores compulsivos (e eu sou as duas coisas - também faço varreduras de blog madrugada adentro).
Pode conferir hoje à noite, aqui no Mulher Solteira, o fim deste longo sábado!
Beijo grande.
Fim de noite memorável!
acho que nunca tive uma noitada assim, desse jeito. Mas pensando bem, noitadas memoráveis são sempre únicas!
beijo
(vai repetir a dose amanhã???)
MH,
tá vendo como a gente faz da vida de solteira uma limonada? Pois é, pois é... não posso dizer que não esteja me divertindo!
Não vou repetir a dose amanhã porque a minha preceptora Cá está viajando e eu NÃO quebrei o pé (mas achei que tinha quebrado até essa quarta) mas estou meio de molho, fazendo compressas de gelo e manquitolando pela casa de muletas.
Beijoca!
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