Você pensa que nunca vai acontecer com você (e torce para isso também), o que é bom, já que sofrer por antecipação faz mal para o fígado e não prepara ninguém para a experiência real. Mas, eventualmente, pode acabar acontecendo. Em um feriado qualquer, você está sentado tranqüilamente com um casal de amigos na mesa de um simpático restaurante do seu bairro, aguardando o seu jantar enquanto joga conversa fora, e vê um homem se aproximando da sua cadeira e dizendo algo parecido com “bolsa”, “celular”. Sem entender o que ele diz, você se vira e pergunta “como?” e então ele levanta a blusa e mostra o revólver empunhado para não deixar nenhuma dúvida: “a bolsa, o celular, rápido”. Ainda tentando juntar as sensações com os pensamentos, você abre a bolsa em busca do celular, mas ele interrompe: “dá a bolsa inteira, rápido!”. Você entrega a bolsa e passa a ver tudo em câmera lenta, imaginando se o resto do restaurante vai se dar conta do que está acontecendo. Mas em dois segundos percebe que há mais dois homens igualmente armados que já renderam as mesas de dentro e também o caixa do restaurante. Eles não falam alto, evitam levantar o revólver, mas é difícil prever se o final da história já está perto ou longe e qual vai ser o desfecho. Uma cliente desavisada atravessa a rua em direção ao restaurante rendido. Uma mulher sentada na mesa ao seu lado tenta alertá-la: “vai embora, vai embora”. A mulher não dá ouvidos e rapidamente é abordada por um dos bandidos: “passa a bolsa”. Ela reage com indignação, “não vou dar!”, e quase é possível ouvir todos dentro do restaurante prendendo a respiração ao mesmo tempo. Dois revólveres apontados em direção à mulher fazem com que ela mude de idéia. Pronto, mais algumas bolsas e celulares (inclusive o do seu amigo, mas felizmente a carteira dele e a bolsa da sua amiga ficam intactas), eles mandam todos para a área interna do restaurante e dão o fora.
Ainda sem reação por alguns instantes. As crianças choram. Os garçons continuam circulando e levando os pratos às mesas, sem saber muito bem qual é o protocolo para situações com essa. A proprietária do restaurante convida os clientes a se sentarem e terminarem a sua refeição, afirmando que isso “jamais aconteceu antes”. Mas o apetite se foi. E ainda há muito a fazer: cancelar cheques, cartão do banco, bloquear celular. Quanto mais rápido, melhor. E, sem celular, só é possível fazer isso do telefone de casa.
Mas e a chave do carro? Estava na bolsa. Bom, você tem outra em casa. Mas e a chave de casa? Também na bolsa... Ah, que sorte você ter deixado uma cópia na portaria do prédio para a faxineira. Os seus amigos te dão uma carona para casa e sobem para te fazer companhia enquanto você inicia a operação-bloqueio. Depois vão te levar de novo até o seu carro para que você possa trazê-lo para casa.
Começa a epopéia dos assaltados. Vinte minutos andando em círculos pelo menu da Claro, que pede que você aguarde para falar com a operadora para em seguida repetir todas as opções do menu ad nauseum. Melhor tentar o Itaú. Primeiro você consegue navegar pelo menu eletrônico até a opção “bloquear cartão”. A gravação informa: “para bloquear o seu cartão SEM emissão de um novo cartão, digite 3. Para bloquear o cartão COM emissão de um novo cartão, digite 4”. Bem, você precisa de um novo cartão, o mais rapidamente possível. Após apertar o 4, a gravação alerta: “atenção! A emissão de um novo cartão está sujeita a cobrança de tarifa! Confirma a operação?” Já que nenhum ser humano se oferece para trocar uma idéia com você, o jeito é confirmar e pelo menos ter a tranqüilidade de que o seu cartão não será usado pelos bandidos.
Como você não consegue bloquear os cheques pelo menu eletrônico, desliga o telefone e liga novamente, digitando inúmeras teclas até ouvir a voz de um operador. Isso leva mais alguns minutos. Ao ser atendida pelo Rafael, começa a dizer “boa noite, por gentileza, eu fui assaltada...” mas rapidamente é interrompida com “Um minuto, por favor” e retorna ao menu eletrônico. Respira fundo, põe o fone no gancho e reinicia a operação. Dessa vez quem te atende é o Moisés. Você explica tudo o que aconteceu: “fui assaltada, levaram a minha bolsa, tudo dentro, inclusive cartão de débito e cheques, acho que já consegui bloquear o cartão, mas não os cheques...”. Você espera algum tipo de empatia, de humanidade, mas o atendente dispara, tal qual um menu eletrônico: “nome completo? Endereço? Diga APENAS o dia de seu nascimento. Nome completo de sua mãe? Nome completo de seu pai? Seu CPF? Seu nome completo novamente?” e depois de responder a todas essas perguntas, você ainda ouve atônita, pela terceira vez: “com quem eu falo?”. Exausta, você implora que ele bloqueie os seus cheques. Ele pergunta se são apenas algumas folhas ou o talão inteiro. Você explica que foi o talão inteiro, mas algumas folhas já haviam sido usadas por você. Ele diz: “então o motivo do bloqueio é oposição ao pagamento?”. “Não, meu senhor. O motivo do bloqueio é ASSALTO A MÃO ARMADA”. Suspirando profundamente, o atendente insiste: “minha senhora, existem duas formas de bloqueio: o bloqueio por oposição ao pagamento é para as folhas que já foram assinadas. O outro bloqueio é para as folhas ainda não utilizadas. Qual bloqueio a senhora deseja solicitar?”. “Meu senhor: eu fui assaltada. Algumas folhas já haviam sido utilizadas, outras estavam em branco. Cabe ao senhor me dizer qual é a categoria de bloqueio que se encaixa nessa situação.”. “Nesse caso, senhora, faremos o bloqueio por oposição ao pagamento, mas a senhora deve comparecer na agência bancária em até dois dias úteis para confirmá-lo, caso contrário o talão será automaticamente desbloqueado. Quanto ao seu cartão, consta que ele já foi bloqueado!” “Sim, eu disse ao senhor no início da ligação que já havia bloqueado o cartão pelo menu eletrônico...”. “Bem, a senhora está ciente de que a opção ‘bloqueio com emissão de novo cartão’ está sujeita a cobrança de tarifa?”. “Mesmo em caso de ASSALTO?”. “Bem, se a senhora quiser posso cancelar o pedido de emissão de um novo cartão e na segunda-feira a senhora vai até a agência e conversa com sua gerente...” “Não, não, eu pago a tarifa.”. Mais um assalto, dessa vez institucional.
É a vez da Claro novamente. Você consegue navegar pelo menu eletrônico até a opção “bloqueio de celular por perda ou furto”. Uma gravação informa: “ao abrir o seu chamado, você receberá um número de protocolo. Para que o seu bloqueio seja confirmado, deve enviar o número do protocolo via torpedo para a Anatel em até 24 horas”. Tá bom, mas como mandar torpedo se o seu celular foi ROUBADO??? Você explica a situação para o simpático atendente, que aparentemente percebe o absurdo da solicitação. Passa o telefone para o seu amigo, que também precisa bloquear o celular dele. Por fim, o seu amigo informa que para habilitar o seu número em um novo aparelho, será preciso apresentar um boletim de ocorrência – mas é possível fazê-lo pela internet, segundo o atendente da Claro.
Antes de dormir, você entra na delegacia virtual e, obedecendo às instruções do menu, abre dois boletins de ocorrência: um apenas para os documentos, outro para o celular. No dia seguinte, vem a resposta por e-mail: os dois boletins foram negados. Motivo da negação do segundo: a ocorrência já havia sido relatada pelo primeiro. Motivo da negação do primeiro: a delegacia só permite o registro de ocorrência de furto. Em caso de roubo, você deve se dirigir à delegacia mais próxima portando cópia do e-mail com a recusa dos boletins eletrônicos.
Como não tem impressora em casa, você ignora a ordem do e-mail, pede cinqüenta reais emprestados para a vizinha só para não ficar inteiramente desprevenida (sem cartão e sem cheque, nada de dinheiro, e o pouco que você tinha também estava na carteira) e se dirige à delegacia da Lapa.
Na recepção, explica ao oficial de plantão: “por favor, preciso fazer um boletim de ocorrência”. “O que aconteceu?”. Bem, você não imagina que vá contar toda a ocorrência de pé na mesa da recepção, então apenas indica: “assalto”. Como se você fosse surda ou burra, o oficial repete: “O que aconteceu?”. Pacientemente, você começa a narrar: “eu estava em um restaurante ontem à noite e fui abordada por um homem armado...” O oficial interrompe: “na Aimberê?” Diante da afirmativa, ele explica, cortês: “veja, este boletim de ocorrência já foi aberto na 23ª DP... A senhora pode abrir outro aqui, mas o IDEAL é que seja incluída no boletim que já foi feito lá”. Bem, que azar, mas de fato se o melhor a fazer é isso, você se dirige à outra delegacia.
Chega junto com dois dos três policiais de plantão, carregados de sacolas de lanchonete e copos de plástico. “Pois não?” “Parece que já abriram aqui um boletim de ocorrência sobre um assalto que ocorreu ontem em um restaurante na Aimberê...”. “Pode se sentar”. O policial se dirige até a televisão, muda de canal para sintonizar no jogo que está começando e some no interior da delegacia, seguido do outro que carregava as sacolas. Alguns minutos depois, o terceiro, que mexia no computador, também se dirige aos fundos da delegacia. Sozinha na enorme sala de espera da delegacia, você fica na companhia do Hino Nacional, pensando na sua “terra adorada”, no seu “povo heróico” na “clava forte da justiça”... O relógio marca a passagem do tempo: um minuto, dois, cinco, dez. O último policial, o mais bem-vestido, volta ao seu computador e continua o seu trabalho de digitação. O segundo se senta na cadeira em frente a ele. O terceiro, entre um arroto e outro do seu guaraná gelado, senta na sua cadeira e gasta mais alguns minutos assistindo ao jogo e fazendo comentários amigáveis para os seus colegas.
Imersa em pensamentos, você ouve o policial te chamar, mas ainda duvida de que finalmente tenha chegado o momento de ser atendida. Para não deixar dúvidas, ele bate palmas. Você se dirige até a mesa dele e informa quais foram os documentos roubados, enquanto ele digita lentamente os dados no computador e acompanha mais alguns lances do jogo de futebol. Em meio àquele deserto emocional, o outro policial finalmente se dirige a você e pergunta: “quantas pessoas estavam no restaurante?” “Ah, estava cheio... umas quarenta”. “Vixe... então vai longe essa história. Hoje passamos o dia atendendo esses casos. Se não fosse por isso, tava light...” O outro emenda: “bom, mas alguns devem ir até a delegacia da Lapa...” Esclareço: “eu fui até lá, mas eles me orientaram a vir aqui porque o boletim já tinha sido aberto”. Os três trocam olhares e um resmunga: “brincadeira, viu...”. Eu pergunto: “não precisava vir até aqui?” “Não, minha filha... boletim de ocorrência você pode abrir em qualquer delegacia. O que acontece é que um sempre chuta pro outro, pra falar português claro...”. “E vocês descobriram alguma coisa?”. O policial, sem tirar os olhos da tela do computador, estala a língua e resmunga: “esquece!”. Imprime o BO em três vias, você avisa que ele digitou o número da sua agência bancária errado mas ele afirma que não tem problema, não há necessidade de consertar.
Próxima parada: a loja da Claro, a única coisa que você consegue adiantar ainda durante o final de semana. Sendo cliente há dez anos e tendo adquirido o seu último celular (também por conta de um assalto) em setembro de 2006, você supõe que tenha alguma chance de conseguir um novo aparelho com a apresentação do BO. Ao pegar a senha na porta da loja, o atendente explica: “Se a senhora quiser pode ligar para a nossa Central e tentar negociar um aparelho...”. “Mas não posso fazer isso aqui mesmo na loja?” “Bom, poder pode, mas a senhora conseguiria condições melhores se negociasse com a nossa Central”. “Bom, como MEU CELULAR FOI ROUBADO, não tenho como ligar para a Central. E como já estou aqui, vou tentar negociar com a vendedora mesmo, obrigada.”
Cinqüenta minutos depois, o seu número é chamado. Você explica a situação para a vendedora, mostra o boletim de ocorrência. Ela confirma que você tem direito a um aparelho, afinal não está mais na carência, pode tirar por um real, dez reais ou até gratuitamente dependendo do modelo. Traz as opções, você escolhe e então ela pede: “preciso do seu RG e CPF originais”. Com um suspiro e o resto da sua paciência, você explica: “Então, justamente... como eu vinha te dizendo, fui assaltada e levaram toda a minha bolsa. Minha carteira, meu RG, CPF, carteira de motorista, título de eleitor, cartão do banco, talão de cheques, tudo. Inclusive, é por isso que preciso de um novo celular.” “Ah, mas a senhora não foi ao Poupatempo?” “O Poupatempo não está funcionando hoje, fui assaltada ontem às dez da noite”. “Bem, vou verificar com a gerente...”. “Olha, tenho aqui um xerox do meu RG e o documento do meu carro... isso foi tudo o que deu para salvar”. Alguns minutos depois: “infelizmente não vai ser possível... só mesmo com o original do CPF e do RG. Mas eu posso anotar num papel o número do modelo para a senhora e...” “Não se incomode, a sua anotação não vai evitar a minha dor de cabeça de ficar sem comunicação até segunda-feira e nem pegar outros cinqüenta minutos de fila para ser atendida novamente por você após ter passado o dia no Poupatempo”.
Já que não há o que fazer até a segunda-feira chegar, o jeito é pegar uma carona e ir até a casa de uma amiga para arejar a cabeça e relaxar. Mas não sem antes, no caminho, ter o carro abordado no sinal e ouvir: “cinco reais para eu não puxar o revólver...”. Que mundo cão. De um lado, os bandidos, pra quem a sua vida não tem absolutamente nenhum valor. Do outro, a lógica do mercado, eficientíssimo na hora de vender, lentíssimo na hora de resolver o seu problema; máquinas no lugar de pessoas, indiferença no lugar de humanidade. Do outro, a polícia, para quem a sua vida vale ainda menos...
Fica o gosto amargo na boca. Como diria José Simão: “hoje, só amanhã...”. Pátria amada, Brasil.
Ainda sem reação por alguns instantes. As crianças choram. Os garçons continuam circulando e levando os pratos às mesas, sem saber muito bem qual é o protocolo para situações com essa. A proprietária do restaurante convida os clientes a se sentarem e terminarem a sua refeição, afirmando que isso “jamais aconteceu antes”. Mas o apetite se foi. E ainda há muito a fazer: cancelar cheques, cartão do banco, bloquear celular. Quanto mais rápido, melhor. E, sem celular, só é possível fazer isso do telefone de casa.
Mas e a chave do carro? Estava na bolsa. Bom, você tem outra em casa. Mas e a chave de casa? Também na bolsa... Ah, que sorte você ter deixado uma cópia na portaria do prédio para a faxineira. Os seus amigos te dão uma carona para casa e sobem para te fazer companhia enquanto você inicia a operação-bloqueio. Depois vão te levar de novo até o seu carro para que você possa trazê-lo para casa.
Começa a epopéia dos assaltados. Vinte minutos andando em círculos pelo menu da Claro, que pede que você aguarde para falar com a operadora para em seguida repetir todas as opções do menu ad nauseum. Melhor tentar o Itaú. Primeiro você consegue navegar pelo menu eletrônico até a opção “bloquear cartão”. A gravação informa: “para bloquear o seu cartão SEM emissão de um novo cartão, digite 3. Para bloquear o cartão COM emissão de um novo cartão, digite 4”. Bem, você precisa de um novo cartão, o mais rapidamente possível. Após apertar o 4, a gravação alerta: “atenção! A emissão de um novo cartão está sujeita a cobrança de tarifa! Confirma a operação?” Já que nenhum ser humano se oferece para trocar uma idéia com você, o jeito é confirmar e pelo menos ter a tranqüilidade de que o seu cartão não será usado pelos bandidos.
Como você não consegue bloquear os cheques pelo menu eletrônico, desliga o telefone e liga novamente, digitando inúmeras teclas até ouvir a voz de um operador. Isso leva mais alguns minutos. Ao ser atendida pelo Rafael, começa a dizer “boa noite, por gentileza, eu fui assaltada...” mas rapidamente é interrompida com “Um minuto, por favor” e retorna ao menu eletrônico. Respira fundo, põe o fone no gancho e reinicia a operação. Dessa vez quem te atende é o Moisés. Você explica tudo o que aconteceu: “fui assaltada, levaram a minha bolsa, tudo dentro, inclusive cartão de débito e cheques, acho que já consegui bloquear o cartão, mas não os cheques...”. Você espera algum tipo de empatia, de humanidade, mas o atendente dispara, tal qual um menu eletrônico: “nome completo? Endereço? Diga APENAS o dia de seu nascimento. Nome completo de sua mãe? Nome completo de seu pai? Seu CPF? Seu nome completo novamente?” e depois de responder a todas essas perguntas, você ainda ouve atônita, pela terceira vez: “com quem eu falo?”. Exausta, você implora que ele bloqueie os seus cheques. Ele pergunta se são apenas algumas folhas ou o talão inteiro. Você explica que foi o talão inteiro, mas algumas folhas já haviam sido usadas por você. Ele diz: “então o motivo do bloqueio é oposição ao pagamento?”. “Não, meu senhor. O motivo do bloqueio é ASSALTO A MÃO ARMADA”. Suspirando profundamente, o atendente insiste: “minha senhora, existem duas formas de bloqueio: o bloqueio por oposição ao pagamento é para as folhas que já foram assinadas. O outro bloqueio é para as folhas ainda não utilizadas. Qual bloqueio a senhora deseja solicitar?”. “Meu senhor: eu fui assaltada. Algumas folhas já haviam sido utilizadas, outras estavam em branco. Cabe ao senhor me dizer qual é a categoria de bloqueio que se encaixa nessa situação.”. “Nesse caso, senhora, faremos o bloqueio por oposição ao pagamento, mas a senhora deve comparecer na agência bancária em até dois dias úteis para confirmá-lo, caso contrário o talão será automaticamente desbloqueado. Quanto ao seu cartão, consta que ele já foi bloqueado!” “Sim, eu disse ao senhor no início da ligação que já havia bloqueado o cartão pelo menu eletrônico...”. “Bem, a senhora está ciente de que a opção ‘bloqueio com emissão de novo cartão’ está sujeita a cobrança de tarifa?”. “Mesmo em caso de ASSALTO?”. “Bem, se a senhora quiser posso cancelar o pedido de emissão de um novo cartão e na segunda-feira a senhora vai até a agência e conversa com sua gerente...” “Não, não, eu pago a tarifa.”. Mais um assalto, dessa vez institucional.
É a vez da Claro novamente. Você consegue navegar pelo menu eletrônico até a opção “bloqueio de celular por perda ou furto”. Uma gravação informa: “ao abrir o seu chamado, você receberá um número de protocolo. Para que o seu bloqueio seja confirmado, deve enviar o número do protocolo via torpedo para a Anatel em até 24 horas”. Tá bom, mas como mandar torpedo se o seu celular foi ROUBADO??? Você explica a situação para o simpático atendente, que aparentemente percebe o absurdo da solicitação. Passa o telefone para o seu amigo, que também precisa bloquear o celular dele. Por fim, o seu amigo informa que para habilitar o seu número em um novo aparelho, será preciso apresentar um boletim de ocorrência – mas é possível fazê-lo pela internet, segundo o atendente da Claro.
Antes de dormir, você entra na delegacia virtual e, obedecendo às instruções do menu, abre dois boletins de ocorrência: um apenas para os documentos, outro para o celular. No dia seguinte, vem a resposta por e-mail: os dois boletins foram negados. Motivo da negação do segundo: a ocorrência já havia sido relatada pelo primeiro. Motivo da negação do primeiro: a delegacia só permite o registro de ocorrência de furto. Em caso de roubo, você deve se dirigir à delegacia mais próxima portando cópia do e-mail com a recusa dos boletins eletrônicos.
Como não tem impressora em casa, você ignora a ordem do e-mail, pede cinqüenta reais emprestados para a vizinha só para não ficar inteiramente desprevenida (sem cartão e sem cheque, nada de dinheiro, e o pouco que você tinha também estava na carteira) e se dirige à delegacia da Lapa.
Na recepção, explica ao oficial de plantão: “por favor, preciso fazer um boletim de ocorrência”. “O que aconteceu?”. Bem, você não imagina que vá contar toda a ocorrência de pé na mesa da recepção, então apenas indica: “assalto”. Como se você fosse surda ou burra, o oficial repete: “O que aconteceu?”. Pacientemente, você começa a narrar: “eu estava em um restaurante ontem à noite e fui abordada por um homem armado...” O oficial interrompe: “na Aimberê?” Diante da afirmativa, ele explica, cortês: “veja, este boletim de ocorrência já foi aberto na 23ª DP... A senhora pode abrir outro aqui, mas o IDEAL é que seja incluída no boletim que já foi feito lá”. Bem, que azar, mas de fato se o melhor a fazer é isso, você se dirige à outra delegacia.
Chega junto com dois dos três policiais de plantão, carregados de sacolas de lanchonete e copos de plástico. “Pois não?” “Parece que já abriram aqui um boletim de ocorrência sobre um assalto que ocorreu ontem em um restaurante na Aimberê...”. “Pode se sentar”. O policial se dirige até a televisão, muda de canal para sintonizar no jogo que está começando e some no interior da delegacia, seguido do outro que carregava as sacolas. Alguns minutos depois, o terceiro, que mexia no computador, também se dirige aos fundos da delegacia. Sozinha na enorme sala de espera da delegacia, você fica na companhia do Hino Nacional, pensando na sua “terra adorada”, no seu “povo heróico” na “clava forte da justiça”... O relógio marca a passagem do tempo: um minuto, dois, cinco, dez. O último policial, o mais bem-vestido, volta ao seu computador e continua o seu trabalho de digitação. O segundo se senta na cadeira em frente a ele. O terceiro, entre um arroto e outro do seu guaraná gelado, senta na sua cadeira e gasta mais alguns minutos assistindo ao jogo e fazendo comentários amigáveis para os seus colegas.
Imersa em pensamentos, você ouve o policial te chamar, mas ainda duvida de que finalmente tenha chegado o momento de ser atendida. Para não deixar dúvidas, ele bate palmas. Você se dirige até a mesa dele e informa quais foram os documentos roubados, enquanto ele digita lentamente os dados no computador e acompanha mais alguns lances do jogo de futebol. Em meio àquele deserto emocional, o outro policial finalmente se dirige a você e pergunta: “quantas pessoas estavam no restaurante?” “Ah, estava cheio... umas quarenta”. “Vixe... então vai longe essa história. Hoje passamos o dia atendendo esses casos. Se não fosse por isso, tava light...” O outro emenda: “bom, mas alguns devem ir até a delegacia da Lapa...” Esclareço: “eu fui até lá, mas eles me orientaram a vir aqui porque o boletim já tinha sido aberto”. Os três trocam olhares e um resmunga: “brincadeira, viu...”. Eu pergunto: “não precisava vir até aqui?” “Não, minha filha... boletim de ocorrência você pode abrir em qualquer delegacia. O que acontece é que um sempre chuta pro outro, pra falar português claro...”. “E vocês descobriram alguma coisa?”. O policial, sem tirar os olhos da tela do computador, estala a língua e resmunga: “esquece!”. Imprime o BO em três vias, você avisa que ele digitou o número da sua agência bancária errado mas ele afirma que não tem problema, não há necessidade de consertar.
Próxima parada: a loja da Claro, a única coisa que você consegue adiantar ainda durante o final de semana. Sendo cliente há dez anos e tendo adquirido o seu último celular (também por conta de um assalto) em setembro de 2006, você supõe que tenha alguma chance de conseguir um novo aparelho com a apresentação do BO. Ao pegar a senha na porta da loja, o atendente explica: “Se a senhora quiser pode ligar para a nossa Central e tentar negociar um aparelho...”. “Mas não posso fazer isso aqui mesmo na loja?” “Bom, poder pode, mas a senhora conseguiria condições melhores se negociasse com a nossa Central”. “Bom, como MEU CELULAR FOI ROUBADO, não tenho como ligar para a Central. E como já estou aqui, vou tentar negociar com a vendedora mesmo, obrigada.”
Cinqüenta minutos depois, o seu número é chamado. Você explica a situação para a vendedora, mostra o boletim de ocorrência. Ela confirma que você tem direito a um aparelho, afinal não está mais na carência, pode tirar por um real, dez reais ou até gratuitamente dependendo do modelo. Traz as opções, você escolhe e então ela pede: “preciso do seu RG e CPF originais”. Com um suspiro e o resto da sua paciência, você explica: “Então, justamente... como eu vinha te dizendo, fui assaltada e levaram toda a minha bolsa. Minha carteira, meu RG, CPF, carteira de motorista, título de eleitor, cartão do banco, talão de cheques, tudo. Inclusive, é por isso que preciso de um novo celular.” “Ah, mas a senhora não foi ao Poupatempo?” “O Poupatempo não está funcionando hoje, fui assaltada ontem às dez da noite”. “Bem, vou verificar com a gerente...”. “Olha, tenho aqui um xerox do meu RG e o documento do meu carro... isso foi tudo o que deu para salvar”. Alguns minutos depois: “infelizmente não vai ser possível... só mesmo com o original do CPF e do RG. Mas eu posso anotar num papel o número do modelo para a senhora e...” “Não se incomode, a sua anotação não vai evitar a minha dor de cabeça de ficar sem comunicação até segunda-feira e nem pegar outros cinqüenta minutos de fila para ser atendida novamente por você após ter passado o dia no Poupatempo”.
Já que não há o que fazer até a segunda-feira chegar, o jeito é pegar uma carona e ir até a casa de uma amiga para arejar a cabeça e relaxar. Mas não sem antes, no caminho, ter o carro abordado no sinal e ouvir: “cinco reais para eu não puxar o revólver...”. Que mundo cão. De um lado, os bandidos, pra quem a sua vida não tem absolutamente nenhum valor. Do outro, a lógica do mercado, eficientíssimo na hora de vender, lentíssimo na hora de resolver o seu problema; máquinas no lugar de pessoas, indiferença no lugar de humanidade. Do outro, a polícia, para quem a sua vida vale ainda menos...
Fica o gosto amargo na boca. Como diria José Simão: “hoje, só amanhã...”. Pátria amada, Brasil.
16 comentários:
Afe Cris!
Que horror!
Sem mais palavras. Ia te ligar... mas nunca acho o número da sua casa.
Difícil é ter consolo para uma situação como essa. Só posso é compartilhar da sua indignação e torcer para que você resolva tudo bem rápido.
Imagino que amanhã seja difícil almoçarmos né? Você deve estar cheia de coisas para cuidar.
Beijão!
Fanta
Nossa!
Que feriado, hein?
E eu achava que estava tendo um período de azar.
Mas o meu azar é só perder o onibus, acordar atrasada.
Não chega nem perto da sua onda de assaltos.
Boa sorte!
Nossa!
Que feriado, hein?
E eu achava que estava tendo um período de azar.
Mas o meu azar é só perder o onibus, acordar atrasada.
Não chega nem perto da sua onda de assaltos.
Boa sorte!
um horror!
detesto me sentir insegura em todos os lugares, mas piorar tudo isso com o péssimo atendimento, nada prestativo, do banco, da claro e da polícia, é de matar!
espero que tudo se resolva logo e sem grandes problemas, além da encheção...
Que horror Cris...
Num restaurante? Lugares que antes nos sentíamos seguras agora também vamos ficar agarrando as bolsas? Ninguem merece....
Sabe, este mundo é bandido mesmo.... Ontem ouvi um fiu-fiu, falei puxa, tô arrasando... e era o toque do celular do cara ao lado....
Onde vamos parar? rsrsrsr
Logo passa, viu? Tudo passa!
beijos
Re
Uma bosta isso.
E a gente ainda se consola pensando que ainda bem que foram roubados "só" a bolsa e o celular, como se os bandidos tivessem feito o favor de te deixar viva.
boa sorte na recuperação dos documentos e mais boa sorte ainda na recuperação da tranquilidade.
Cris, sei que não servirá de consolo, mas isso sempre acontece comigo, aliás, acontecia, acho que tenho mais experiência em assalto que muito bandido por ai, e talvez por isso já faz uns anos que venho escapando deles.
Espero que você não tenha que passar por esse tipo de situação novamente, mas ofereço algumas dicas para os seus leitores que, porventura, percam documentos ou celulares:
Engane a delegacia virtual, invente o que for necessário, mas tire o boletim de ocorrência on-line, o registro só é importante pra você que tem que tirar 2ª via dos documentos, infelizmente a polícia não vai investigar um assalto em um restaurante;
Não perca tempo com o menu eletrônico, se o menu for do tipo com opções por comando de voz é só gritar um bruto palavrão (não faça isso em lugares públicos) que você será imediatamente encaminhado ao operador;
Aconteça o que acontecer não trate o operador com educação, eu sei que é difícil para pessoas civilizadas, mesmo em momentos de stress, destratarem um individuo que está apenas cumprindo com seu dever, mas eu garanto que o operador vai dar mais atenção para alguém que está irritado, principalmente se você decorar o nome dele e ameaçar fazer uma queixa, portanto, solte o ator que há em você e encarne um personagem muito mal humorado, uma frase de muito efeito nessas ocasiões é "não fale no gerúndio comigo, não".
Beijos.
Caramba Cris, que mundo cão! Uma amiga em Sampa passou exatamente pela mesma coisa num restaurante uns três anos atrás. É perturbador... Espero que você já esteja mais tranquila, querida. Se cuide e se dê recompensas. Beijo.
Nooossa... mas que feriado, hein!
Sou leitora daqui há algum tempo, mas acho que nunca deixei comentário, porém, resolvi me solidarizar com a situação.
Infelizmente posso dizer que já passei por situações bem parecidas, que inclusive já fiquei sem conseguir dormir por 1 mês de medo do ladrão que colocou uma faca gigante no meu pescoço, e que toda vez eu tenho dor de cabeça com a TIM...
Fico feliz que embora esteja passando por esse transtorno, você esteja ilesa.
Tomara que fique mais calma, é uma situação terrível.
Poxa! Na Aimberê?! Vou ligar pra minha mãe, ela tem salão nessa rua...que medo!
Um beijo
Filha Querida: o que uma mãe pode fazer numa hora dessas? dar um colinho e fazer uma boa macarronada no domingo à noite...
Que mundo, hein? Homo lupus homini, como dizia o filósofo.
beijo,
Mãe Sereia
Filha Querida: o que uma mãe pode fazer numa hora dessas? dar um colinho e fazer uma boa macarronada no domingo à noite...
Que mundo, hein? Homo lupus homini, como dizia o filósofo.
beijo,
Mãe Sereia
Cris querida,
I'm so sorry! Really!Tô passada!
Lots of love e muito "colinho" com carinho da Tia Sereia.
Inacreditavel!!!
Nesse fim de semana uma pousada em Itaipava tb foi rendida e todos os hospees assaltados. A gente sai para relaxar e se divertir e acontece umas loucuras como essa!
Chato mesmo!
não sei o q dizer.
espero q esteja melhor. bjs
Estou chocada. Vou te ligar.
Bisous
Amiga fanta,
obrigada pela solidariedade. Não dá pra resolver tudo rápido, mas aos poucos, a vida volta ao eixo...
Erica,
pois é, não foi nada agradável. Mas passou...
MH,
rendeu ataque de choro com gerente do Itaú no telefone, mas no fim deu tudo certo.
Rê,
o pior é que agarrar a bolsa com um revólver virado pra você não vai adiantar muito! O negócio é sair de casa com o mínimo e torcer para não ser escolhida.
Claudia,
obrigada. Ainda não estou totalmente tranqüila, mas é até bom ficar esperta para não correr risco à toa.
Oi Alexandre,
pois é, pra mim é difícil mesmo armar o barraco, mas o Itaú conseguiu me levar a um tal nível de estresse que nem precisei fingir, tive um ataque histérico no telefone com a minha gerente. É o fim da feira...
Amarilis querida,
obrigada, estou me cuidando e me dando a recompensa de um trabalho novo e apaixonante! ;)
Ju,
liga pra sua mãe sim, viu? Esse bairro tá terrível. Depois do assalto, conversando com as pessoas, já ouvi de tudo: assalto às 11h da manhã na Alfonso Bovero, seqüestro-relâmpago na Caraíbas, assalto em espetinho na Desembargador do Vale...
Mãe,
não ficar desesperada pela filha também é uma ótima atitude de uma mãe. Obrigada pela sua tranqüilidade. Fez a diferença em uma hora como essa...
Tia, obrigada, viu?
Já passou...
Anna,
é muito chato sim. Faz a gente se perguntar como podemos nos proteger de uma guerra civil como essa... sem respostas...
Drika,
tô sim, querida, obrigada.
Amiga,
I'm looking forward to your call!
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