Parte 3 – O amor no metrô
O Casal entra no vagão na estação Sumaré. Não é ainda um Casal constituído, mas uma promessa de Casal. Ela não é bonita. Veste uma calça jeans e uma camiseta de manga comprida preta com detalhes prateados, apesar do calor. Está ligeiramente acima do peso. O cabelo é preto e vai até um pouco abaixo dos ombros. Não tem corte e dá mostras de uma tentativa fracassada de alisamento. Ela usa óculos. No pulso esquerdo tem uma pulseira preta de muitas voltas, e é nela que ele mexe enquanto arranca dela um sorriso luminoso.
Não consigo ouvir o que ele fala nem ver seu rosto, pois está de costas para mim. Vejo que ela diz dengosamente: “dá licença? Eu gosto...” Imagino que ele a provoca dizendo algo sobre a pulseira, o que ela confirma sorrindo com os olhos e a boca: “Borracha??? Plástico???...”
Percebo que ele é um pouco mais baixo do que ela. Usa camisa branca, bermuda e tem a palavra “Liberdade” tatuada na parte de trás da perna esquerda. Fico aguardando algum contato mais íntimo que demonstre que eles já são parceiros amorosos, mas o gesto não vem. Tento imaginar em que ponto do relacionamento estão. Penso, otimista, que se estão pegando juntos o metrô é porque já têm alguma cumplicidade. Por outro lado, pode ser que estejam voltando juntos do trabalho... Como só enxergo os olhos dela, me pergunto se o interesse é correspondido. Os olhos dela parecem afagar o rosto dele.
Na estação Paraíso descemos do vagão e penso que não vou acompanhar os próximos capítulos dessa história, mas para minha surpresa, alguns minutos depois, vejo que eles entraram comigo no mesmo vagão em direção à Sé.
Dessa vez ele fica de frente para mim. Respiro aliviada: ele também está apaixonado. Inventa mil pretextos para tocar nela: tirar um fiapo da roupa, mexer no cabelo, encostar de leve enquanto fala alguma coisa. Os olhos dos dois parecem imantados, não desviam uns dos outros um minuto sequer. Meus olhos, por conseguinte, também estão imantados aos deles, mas felizmente eles não percebem. Meu coraçãozinho romântico se pergunta se terei o privilégio de presenciar o primeiro beijo do Casal.
Na estação Liberdade, porém, eles descem e fico só com meus devaneios. Ainda entre levemente nostálgica e um tanto tocada, me dou conta de que eles sabem muito bem o que estão fazendo: cozinham lentamente, em fogo brando – como um chef alquimista que escolhe ervas, busca o ponto do prato, prova a mistura com pequenas gotas colocadas sobre a mão – o momento exato de concretizarem essa paixão. Eu os invejo: nunca tive essa capacidade. Mas consigo adivinhar as borboletas no estômago dela, a boca seca, as axilas levemente suadas, uma pontada suave entre as pernas. Coisa mais bonita e privilegiada essa de ver de perto o nascimento de um amor.
O Casal entra no vagão na estação Sumaré. Não é ainda um Casal constituído, mas uma promessa de Casal. Ela não é bonita. Veste uma calça jeans e uma camiseta de manga comprida preta com detalhes prateados, apesar do calor. Está ligeiramente acima do peso. O cabelo é preto e vai até um pouco abaixo dos ombros. Não tem corte e dá mostras de uma tentativa fracassada de alisamento. Ela usa óculos. No pulso esquerdo tem uma pulseira preta de muitas voltas, e é nela que ele mexe enquanto arranca dela um sorriso luminoso.
Não consigo ouvir o que ele fala nem ver seu rosto, pois está de costas para mim. Vejo que ela diz dengosamente: “dá licença? Eu gosto...” Imagino que ele a provoca dizendo algo sobre a pulseira, o que ela confirma sorrindo com os olhos e a boca: “Borracha??? Plástico???...”
Percebo que ele é um pouco mais baixo do que ela. Usa camisa branca, bermuda e tem a palavra “Liberdade” tatuada na parte de trás da perna esquerda. Fico aguardando algum contato mais íntimo que demonstre que eles já são parceiros amorosos, mas o gesto não vem. Tento imaginar em que ponto do relacionamento estão. Penso, otimista, que se estão pegando juntos o metrô é porque já têm alguma cumplicidade. Por outro lado, pode ser que estejam voltando juntos do trabalho... Como só enxergo os olhos dela, me pergunto se o interesse é correspondido. Os olhos dela parecem afagar o rosto dele.
Na estação Paraíso descemos do vagão e penso que não vou acompanhar os próximos capítulos dessa história, mas para minha surpresa, alguns minutos depois, vejo que eles entraram comigo no mesmo vagão em direção à Sé.
Dessa vez ele fica de frente para mim. Respiro aliviada: ele também está apaixonado. Inventa mil pretextos para tocar nela: tirar um fiapo da roupa, mexer no cabelo, encostar de leve enquanto fala alguma coisa. Os olhos dos dois parecem imantados, não desviam uns dos outros um minuto sequer. Meus olhos, por conseguinte, também estão imantados aos deles, mas felizmente eles não percebem. Meu coraçãozinho romântico se pergunta se terei o privilégio de presenciar o primeiro beijo do Casal.
Na estação Liberdade, porém, eles descem e fico só com meus devaneios. Ainda entre levemente nostálgica e um tanto tocada, me dou conta de que eles sabem muito bem o que estão fazendo: cozinham lentamente, em fogo brando – como um chef alquimista que escolhe ervas, busca o ponto do prato, prova a mistura com pequenas gotas colocadas sobre a mão – o momento exato de concretizarem essa paixão. Eu os invejo: nunca tive essa capacidade. Mas consigo adivinhar as borboletas no estômago dela, a boca seca, as axilas levemente suadas, uma pontada suave entre as pernas. Coisa mais bonita e privilegiada essa de ver de perto o nascimento de um amor.
5 comentários:
Não é mesmo? adoro essas coisas. Histórias de amor sempre comovem minha alma romântica cor-de-rosa.
Devem ter ido na feirinha, ficar olhando bagulhinhos, enfeitinhos, bonequinhos... comer um japa depois sentados lado a lado no tatame, um beijinho entre um sashimi e outro.
ah que coisa mais gostosa isso!
beijo
Oi Cris! Nao consegui ler todas as historias mas as poucas que li (incluindo essas ultimas) me fizeram imaginar um montao de coisas... muito legal como vc descreve os olhares, as sensaçoes. Sempre que puder vou passar aqui para acompanhar suas historias! Ah, so uma coisa, aqui no metro de Madrid tem sempre um monte de casais se beijando ou prontos para se beijarem (e olha que sao aqueles beijos cinematograficos hehehe :-) Acho que so de passar uma horinha no metro vc teria material para escrever um livro :-)
Saudadesss! Beijos Li
Claudia,
que bom que tenho companhia na minha pieguice da babar sobre o romance alheio! Como gosto de dar respostas personalizadas, peço que por favor me localize: quem é você? Sei que pertence à blogosfera e é comentadora do vida perra e do pensatriz - mas de onde veio a relação? E qual é o seu blog? (você por acaso é a dona da confecção? São tantas Claudias...)
Li!!! Quanto tempo sem nos falarmos, não???
Pois é, não me admira você não ter tido tempo para ler todas as historinhas... como bem disse uma amiga minha, elas são verdadeiras bíblias! Leia na medida da sua vontade... :)
Adorei o seu relato sobre o metrô de Madri. Eu ando pouco aqui em São Paulo e me surpreendi com as coisas interessantes que encontrei pelo caminho nesse dia!
Beijão!
Amiga,
adorei a trilogia Um sábado na cidade! Eu passei aqui no final de semana, mas só hoje consegui ler o último texto. Quanta sensibilidade, sutileza e atenção aos detalhes. A sua escrita é um convite.
Aprendemos muito observando o entorno, né? Agora que a Estela está em casa percebo o quanto sinto falta de levá-la e buscá-la na escola. Saudade dessas caminhadas e das reflexões que surgiam no caminho.
Bisous.
Olá Amiga Kanteka!
Senti mesmo falta dos seus fiéis comentários no fim de semana.
Se você está gostando do meu sábado na cidade, prepare-se! Não é uma trilogia... na verdade ainda tenho duas ou três "partes" para publicar.
A garota já é prolixa, sai de casa às 18h e volta às 5h da manhã... já viu, né?
Mas depois disso volto a publicar as minhas bíblias avulsas, hehehehehe...
Bom, observar o entorno é mesmo inspirador. Mas, por razões óbvias, nos próximos dias meus textos tendem a ficar mais... ahn... intimistas, né?
Beijão!
Postar um comentário