terça-feira, 17 de julho de 2007

Um sábado na cidade

Parte 5 - Caindo no samba

A Cá e a Carol (não a “minha” Carol, mas uma nova – mais uma nova amiga!) chegaram cedo e acharam que valia a pena pagar para ficar na “parte de dentro” do samba, já que havia muito espaço vazio entre o “palco” e a “parte de fora”. Pra entrar são dez reais. O samba pega fogo, aumentando o calor de veranico do sábado. Dou a volta, passo pela entrada, abro caminho por entre os mais diversos exemplares da fauna sambista e finalmente chego até o “ponto” da Cá e da Carol, ao lado dos engradados de cerveja, com bolsas e casacos pendurados sobre uma estaca. Elas conversam animadamente com dois “novos amigos”, até a Carol perder a paciência com o excesso de presteza de um deles (que compra cerveja para elas com tanta insistência que começa a incomodar). Cá acalma os ânimos com os “amigos” e eu bato um papo com a Carol. É uma daquelas conversas em pé, de pra lá de hora, em que você fala sobre todos os assuntos existenciais de uma só tacada – pais, irmãos, profissão, dinheiro, homens, bebida –, que só poderiam mesmo rolar em um samba.

Eu ainda estou anos-luz distante de me apropriar do repertório do samba (que é vastíssimo) e de conseguir acompanhar cada música saboreando a letra frase por frase, como eu tanto gosto de fazer. Mas só o fato de estar lá, respirando aquela energia, aquela atmosfera, vendo, ouvindo, dançando... que intensa percepção da minha existência!
Como não podia deixar de ser, os personagens brotam em locais como esse. No meio da minha conversa com a Carol, um sujeito se apóia na grade que separa os “de dentro” dos “de fora” e nos pergunta:

- Viu... Quem é que tá tocando?
- Não sabemos...
- É alguém famoso?
- Não...
- Mas tá bacana, né?
- Tá sim... mas tá acabando...
- Mas não paga pra entrar, né?
- Paga sim... por isso que tem que ver se vale a pena, porque vai acabar daqui a pouco...
- Quanto é?
- Dez reais.
- Só para entrar?
- Isso.
- Ahn...
- ...
- ... Beleza... valeu...
- Não por isso!

Voltamos a conversar animadamente até que o sujeito se apóia novamente na grade, e abrindo uma sacola gigante saca de dentro um objeto absolutamente estranho ao cenário local:

- Viu... vocês não querem comprar um teclado? Só tá faltando umas peças, ó...

Dentro da sacola mais uma penca de teclados sujos, velhos e quebrados.

- Er... Não... obrigada, eu... já tenho teclado...
- É? Já tem? Mas não quer mesmo assim? Olha, só tá faltando duas teclas, aqui e aqui...
- Ah, é verdade... Mas não... obrigada mesmo... já tenho, não quero outro...
- Beleza... valeu...

A figura se afasta e eu e Carol rimos da cena inusitada. Onde estará a câmera escondida?

O samba atinge seu ápice e morre bruscamente, sem chance de se pedir bis. Forma-se uma fila gigante na frente do caixa. Enquanto isso Cá dispara torpedos para os amigos, tentando acionar a famosa rede de contatos para dar continuidade à programação.

Enquanto aguardamos a fila diminuir, os “amigos” voltam à carga. Em um papo meio fruto de alegria etílica, meio tentativa de aproximação, um deles acaba contando, com uma honestidade atroz, que seu melhor amigo começou a namorar a mulher com quem ele estava saindo...

Como é que as pessoas subitamente se sentem tão próximas das outras a ponto de dividir sua dor com perfeitos desconhecidos? Bem, isso não me causa estranheza nenhuma. Se tem algo que eu conheço profundamente é dividir a minha dor com perfeitos desconhecidos, a despeito das possíveis rejeições, à revelia do protocolo social. Mundo, eis as minhas entranhas.

Na saída do samba a Cá ainda puxa papo com um italiano e seu amigo brasileiro. Grande mulher. Quando eu crescer quero ser como ela.

5 comentários:

Isabella Kantek disse...

Não cabe um ótimo nesse comentário. Quem sabe um ótimo para a escrita? Sempre.
E o que resta para as nossas experiências, as suas? Fiquei pensando no teclado, e na breve conversa que o antecedeu. Na traição e na partilha. A cadência do samba e das nossas vidas. Esse vai e vem.
Querida, você sabe muito bem o que está fazendo e eu não vou me surpreender se essas histórias se transformarem num livro.

À propósito, o final da postagem anterior ficou muito bom.

Grosbisou.
Aos posts intimistas!

Gastón disse...

Que saga heim? daqui a pouco o Peter Jackson vai descobrir seu blog e filmar você Cris ;0) Tô adorando essa odisséia no túmulo do samba.

Anônimo disse...

Amiga,

você é suspeita pra falar :P Você sabe que os nossos corações se entendem sem intermediários. A sua escrita também me acerta em cheio!!!

Adoro saber que as minhas abobrinhas meio filosóficas também te botam pra pensar... :)

Amo você!

Gastónes,

a minha falta de cultura geral me levou ao google para compreender inteiramente o seu comentário. Mas vou considerar que a comparação entre o meu blog e o Senhor dos Anéis é um elogio, HAHAHAHAHAHAHAHAHAH!!!

Que bom que vocês estão me acompanhando aqui nessa caminhada... tá acabando, tá acabando!

Beijos!!!!!!!!!

Gastón disse...

Cris, não foi nem elogio e nem deselogio. É o que o tal do Peter Jackson trasnformou um livrão de duas mil páginas em três filmes.

Elogio mesmo é esse aqui ó: tá legal essa história heim? Tô adorando ;0)

Anônimo disse...

Gastón,

hum, saquei... valeu pelo esclarecimento! Então é mais ou menos assim: eu faço um programa de meio dia se transformar em uma saga de uma semana e depois o Peter Jackson pega tudo e condensa em duas horas! Né?

Beijoca!